(proposta de lei n.º 42/XI /2.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Há poucos dias, um diário espanhol noticiava que, de entre 180 países, Portugal ocupava um dos três últimos lugares, em relação ao crescimento económico na última década. Chamava-lhe: «A década perdida de Portugal». Esta década perdida é, sem dúvida, o resultado da política dos que estiveram no governo neste período, mas também dos que estiveram antes e, há mais de 30 anos, contribuem para a destruição da nossa economia.
A culpa, tão falada neste debate, não morre de facto solteira, vive em bigamia com o PS e o PSD e,sempre que necessário, também com o CDS.
Desta vez, é o PSD que viabiliza a continuação da política de direita, tal como fez com o Orçamento que está a ser aplicado, com o PEC e muitas outras medidas. Desta vez, folga o CDS, que também viabilizou,lembre-se, o Orçamento actual, que os portugueses estão a sofrer neste momento.
Bem se percebe o discurso de justificação do PSD e, em particular, da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite. A Sr.ª Deputada quer ajudar o PS a convencer os portugueses que têm de se resignar com esta política e este Orçamento, usando até o truque habitual de comparar a economia do País com a economia de uma família.
Sabem todos muito bem que isto é uma demagogia e uma mistificação, porque um Estado tem recursos e instrumentos que uma família não tem, mesmo que os governos do PS e do PSD vão abdicando de os usar para os entregar ao directório da União Europeia.
O PSD inventou até uma nova versão do discurso da «pesada herança», que é, mais ou menos, este: «quando lá estivermos» — vai prevenindo o PSD —, «vamos ter de continuar a mesma política, mas a culpa é dos que lá estão agora». É a «pesada herança» para memória futura. É o PSD com um olho no Orçamento e outro nas eleições.
E se querem falar de fingimento, então, nós dizemos que o PSD finge que não está de acordo com o Orçamento que vai aprovar, mas está.
O PS e o PSD estão de acordo: com a recessão e o aumento do desemprego que este Orçamento provoca; com o corte nos salários; o congelamento e, portanto, a diminuição real das reformas e pensões; com o estrangulamento dos serviços públicos; com o aumento dos impostos; com o corte no subsídio de desemprego; com a retirada do abono de família; com o corte no investimento público; com as privatizações e com a manutenção dos benefícios à banca e aos grandes grupos económicos.
Pela parte do PCP, não vamos deixar de apresentar, na especialidade, propostas alternativas às medidas do Orçamento. E veremos o que vai fazer o PSD.
Hoje, o PCP denunciou aqui os escandalosos lucros da banca e dos principais grupos económicos, nos primeiros nove meses de 2010: os quatro maiores bancos privados tiveram 1122 milhões de euros de lucro, 4,1 milhões de euros por dia, um aumento de 5% em relação ao ano anterior; a PT mais de 5600 milhões de
euros, um aumento de mais de 1400%, sendo que vai distribuir já 1500 milhões de euros aos accionistas — e isto sem pagar um tostão, que se saiba, sobre a venda da VIVO, feita através de uma sociedade holandesa; a Brisa mais de 400 milhões de euros, um aumento do lucro de mais de 280%; a Galp 266 milhões de euros, um aumento de 50%; a Portucel mais de 150 milhões de euros, um aumento de 112%; a Jerónimo Martins 193 milhões de euros, um aumento de 40%.
E, perante tudo isto, a receita do IRC, em 2011, vai descer 2,7%. Isto é, quanto mais aumentam os lucros, mais descem os impostos pagos pelas grandes empresas e nalguns casos, como declarou Ricardo Salgado, os lucros aumentam à conta dos impostos que se pagam a menos. É por isso que o Governo se recusa a dizer quanto vai ser a receita da nova contribuição dos bancos. É que se chegar de facto a existir será irrisória.
Como é que alguém, com estes números, se atreve a vir pedir mais sacrifícios aos portugueses?
Diz o PSD que este Orçamento tem de ser aprovado porque «quem paga é quem manda». Mas, Srs. Deputados, a verdade é que quem paga esta crise é o povo e afinal quem manda é o capital, que dá ordens ao Governo e ao PSD, como todos vimos nas últimas semanas.
Não, Srs. Deputados! Com esta política quem ganha é quem manda (os banqueiros, os especuladores, os grupos económicos) e quem paga é quem perde (os trabalhadores, o povo e o País).
Apesar do acordo, da fotografia e das declarações do Governo, do PSD e de Cavaco Silva, os juros da dívida portuguesa voltaram a subir. Quando não há acordo, sobem; quando há acordo, sobem também. Quando não há Orçamento, sobem os juros; quando há Orçamento, sobem também. O Orçamento que as agências exigem conduz à recessão, mas as mesmas agências ameaçam baixar a notação da dívida porque não há crescimento económico.
Parece inexplicável mas não é. É que os chamados «mercados» não querem saber da economia nem do risco, só querem saber do seu lucro e é sempre isso que conduz a sua acção.
Foi também tema de debate a questão das prestações sociais.
O Primeiro-Ministro perguntou ontem, mas não quis ouvir a resposta, com o que é que não estamos de acordo na chamada condição de recursos. Mas vai ouvi-la agora. É que a condição de recursos não é só nem fundamentalmente o requisito dos 100 mil euros no banco que é o único que o Governo refere.
Não concordamos com a alteração do conceito de agregado familiar nem com a alteração da fórmula de cálculo com base nos rendimentos do agregado, que faz com que as mesmas famílias, com os mesmos ou menores rendimentos, percam direito às prestações.
Não concordamos com a contabilização da habitação social e dos apoios em espécie. A atribuição de apoios em espécie, de habitação social, é ela mesma o reconhecimento da pobreza extrema e a concretização de direitos fundamentais de todos os cidadãos, não podendo ser considerada um rendimento.
Não concordamos que o facto de um idoso ter complemento solidário para idosos seja contabilizado para retirar apoio escolar a uma criança do mesmo agregado, para comprar livros ou para a alimentação.
Não concordamos que a prestação para pagamento de propinas de um estudante carenciado no ensino superior seja contabilizada para retirar o apoio para medicamentos de um idoso que deles necessita.
E em muitas prestações, como é o caso do abono de família, mais ainda do que a condição de recursos, o Governo eliminou liminarmente o direito das crianças portuguesas a terem esse apoio a partir de 629 euros de rendimento dos seus pais. Para o Governo, as famílias com 629 euros não podem ter abono de família, mas a banca, com 4,1 milhões de lucros por dia, não tem de pagar mais impostos!
Nesta matéria, o Governo usa de forma despudorada, como vimos neste debate, os argumentos mais reaccionários do CDS e do Deputado Paulo Portas para cortar nas prestações sociais.
Já sabíamos que o PS fazia a política da direita. Porém, este debate demonstrou que o PS já não tem só a política da direita mas também usa o discurso da direita para justificar as suas medidas.
O Primeiro-Ministro quis ontem demonstrar que não havia diminuição nas prestações sociais neste Orçamento.
As prestações sociais, mesmo com a errata que foi ontem distribuída, baixam o seu peso em relação ao PIB de 22,4% para 21,6% — é ver, Sr. Primeiro-Ministro, a tal página 95 do Relatório. Não se mantém igual, como ontem tentou convencer-nos.
Mas como o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe, ontem falámos do peso no Orçamento das funções sociais em percentagem do PIB. É na página 116. E mesmo descontando o facto de o Governo usar nesta página um valor do PIB diferente do que usa na página 95, ambos diferentes do que é apontado pelo INE, não há
maneira de concluir outra coisa senão que as funções sociais do Estado perdem quase 2 pontos percentuais de 2010 para 2011.
O Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo não são os defensores do Estado social, são antes os carrascos do Estado social.
O certo é que, nas funções sociais, o corte será de pelo menos 3000 milhões de euros.
E podemos ver o que se passa na saúde. No SNS a verba inscrita para 2011 é de 8140 milhões, menos cerca de 550 milhões do que o orçamentado para 2010. Sabe-se agora que a despesa, em 2010, derrapou, segundo o Governo, mais 500 milhões, isto é, terá sido de cerca de 9200 milhões. Isso significa que o orçamento para 2011 para o SNS é inferior em mais de 1050 milhões à estimativa de execução para 2010. É um corte de 11,5% ou 13,7% se considerarmos a inflação prevista.
Com este corte vão ser drasticamente reduzidos os serviços de saúde e as suas respostas e a população que deles precisa vai ficar ainda mais arredada do acesso aos cuidados de saúde.
O discurso do Governo, do PSD e dos seus apoiantes é baseado na lógica do «tem de ser». Corta-se nos salários porque tem de ser; congelam-se as pensões porque tem de ser; corta-se o abono de família porque tem de ser.
Hoje tivemos outra versão da mesma política: é a lógica do «porque não», da Sra. Deputada Manuela Ferreira Leite. Os Estados não podem pedir dinheiro ao BCE… porque não. Os filhos, muitas vezes, quando lhes respondemos com um «porque não» a um pedido, costumam retorquir — não sei se no seu caso também, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite — «porque não, não é resposta». Também neste caso «porque não» não é resposta.
Existem alternativas para esta política. O Governo e o PSD é que escolheram este caminho que nos impõem há mais de 30 anos.
É por isso que dizemos a todos os portugueses que não se resignem com esta política, não aceitem este caminho e lutem por mais justiça social, pelo desenvolvimento do País, por uma vida melhor; que lutem contra este Orçamento, contra a baixa dos salários, contra o aumento do custo de vida; que participem na greve geral do dia 24 de Novembro, justa e indispensável resposta a esta política do PS e do PSD.
O PS e o PSD querem conduzir o País debaixo de uma espécie de ditadura do inevitável, tudo justificando com o argumento de que não há alternativa.
Mas nós afirmamos que, sim, há alternativa! O que não é possível é não haver alternativa, porque isso significaria não haver esperança e não haver futuro.
Não desistimos de lutar por uma política patriótica e de esquerda porque este País tem futuro. E é pelo futuro de Portugal que votamos contra este Orçamento do PS e do PSD.