Caros camaradas, estimados amigos,
Apresentamos hoje o Compromisso do PCP para as Eleições ao Parlamento Europeu.
Fazemo-lo três dias depois de termos publicamente prestado contas sobre o trabalho feito no mandato que agora termina.
Na CDU é assim. Há cinco anos assumimos um compromisso com o povo e com o país. Durante estes cinco anos, honrámos esse compromisso. Ora, isto dá um valor reforçado ao Compromisso renovado que hoje aqui apresentamos.
Na CDU, os compromissos que assumimos – com o país, com o povo, com os trabalhadores – são mesmo para valer.
É também isto que faz da CDU uma força diferente de outros, que são todos iguais.
Mas é o próprio conteúdo dos nossos compromissos que marca a diferença.
Temos uma visão diferente das semeadas pela propaganda sobre a União Europeia que nos servem há décadas os partidos comprometidos com esta integração. Recusamos essa superficialidade. Temos uma visão diferente da natureza desta integração, das suas consequências para Portugal e para a Europa. Temos uma visão diferente do que deve ser um projeto de integração e cooperação solidária na Europa e do que deve ser o papel de Portugal nesse projeto. E por estas elementares razões, temos, é certo, também propostas diferentes.
Celebrámos os 50 anos da Revolução de Abril.
50 anos passados, projetar os valores e ideais de Abril no presente e no futuro de Portugal exige rejeitar e combater a dependência económica e a subordinação política para que o país foi arrastado.
Desengane-se quem pensar que isto tem pouco a ver com as eleições para o Parlamento Europeu. Desengane-se quem pensar que estas eleições têm pouco a ver com a vida de todos os dias.
Os baixos salários, a redução de direitos sociais e laborais, o aumento das desigualdades na distribuição da riqueza, as injustiças sociais – têm muito a ver com decisões e orientações tomadas ao nível da União Europeia.
A degradação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, na saúde, educação, segurança social, habitação, transportes, e outras áreas – tem muito a ver com decisões e orientações tomadas ao nível da União Europeia.
A privatização das empresas e sectores estratégicos nacionais, hoje basicamente nas mãos do capital estrangeiro – tem muito a ver com decisões e orientações tomadas ao nível da União Europeia.
Os défices do país – produtivo, tecnológico, alimentar, energético e demográfico – têm muito a ver com decisões e orientações tomadas ao nível da União Europeia.
Em todas estas decisões participaram governos nacionais e deputados portugueses eleitos no Parlamento Europeu. Por alguma razão, nestas alturas, uns e outros gostam pouco de falar nisso.
Camaradas e amigos,
Passaram duas décadas e meia, 25 anos, desde que passámos a viver com a mesma moeda da Alemanha, hoje partilhada com mais dezoito países da União Europeia. Outros há, que sendo membros da União Europeia, preferiram continuar a viver com a sua moeda própria.
Este é o tempo de relembrar as promessas de convergência dos salários que nos fizeram há 25 anos. Passando a viver com a mesma moeda dos alemães, passaríamos a ter, mais cedo que tarde, os mesmos salários dos alemães. Pois bem, em vez de convergência, o que tivemos foi divergência nos salários. Cada trabalhador português ganha hoje em média, ainda menos do que então ganhava, face ao salário médio na União Europeia e face ao salário médio na Alemanha, por exemplo.
É o tempo de relembrar – e de cobrar – também outras promessas.
Em vez de investimento, expansão comercial e crescimento, tivemos desinvestimento e degradação produtiva, perda de competitividade, endividamento externo e estagnação económica.
Em vez de substituir importações por produções nacionais, substituímos produções nacionais por importações.
Em vez de modernização e de um novo modelo de especialização da economia, tivemos desindustrialização, privatização e desnacionalização das empresas estratégicas, enfraquecimento da intensidade tecnológica das exportações, um perfil produtivo debilitado, dependente e periférico.
É certo que alguém ganhou com este caminho. Alguém está a ganhar com este caminho. São os mesmos que querem que enfiemos a cabeça na areia perante a realidade que está diante dos nossos olhos. Querem que não questionemos essa realidade.
Uma realidade que está bem à vista na opção de subir e manter altas as taxas de juro e no reforço do aperto das políticas orçamentais restritivas. A perda de soberania monetária também significa isto: ficarmos à mercê – sem qualquer controlo democrático – de opções que comprimem os salários reais, que inviabilizam empresas pela compressão do consumo, que lesam o investimento produtivo, que acentuam insuficiências e estrangulamentos da oferta, que afetam o crescimento e o desenvolvimento. Opções que são muito bem-vindas por setores do poder económico e financeiro que ganharam e ganham com elas – como a banca, que embolsa lucros colossais à custa das dificuldades das famílias e das empresas.
Se outros fecham irresponsavelmente os olhos a esta realidade – ou porque esta lhes convém, ou porque navegam ao sabor dos ventos da ideologia dominante; e sabemos como estes sopram forte por estes dias, – a CDU não a ignora. Desastroso e irresponsável seria repetir a dose das últimas duas décadas e meia.
Não queremos nem ficar presos ao passado, nem andar para trás, queremos avançar para um futuro melhor. E para isso não se pode avançar de qualquer maneira. Há que fazê-lo cumprindo com condições: envolvendo a população nas decisões; protegendo os seus rendimentos, poupanças e níveis de vida; defendendo e promovendo a economia e produção nacionais.
Amigos e camaradas,
Há uma lição que podemos retirar das últimas décadas: a transferência de poder e de competências do plano nacional para a União Europeia reforçou o poder das principais potências, que controlam as suas instituições, e diminuiu o poder decisório de países como Portugal.
A amputação de soberania nacional correspondeu não a um alargamento, mas a uma redução do alcance dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa. O que se alargou, sim, foi o espaço de atuação do grande capital, nacional e transnacional. Não é por acaso que este reclama menos soberania nacional e mais reforços da supranacionalidade.
A submissão nacional é, para o grande capital, uma forma de reforçar a sua dominação de classe. Inversamente, a soberania nacional é, ou pode ser, no terreno da luta social, uma trincheira da resistência dos trabalhadores e dos povos.
Quem não o percebe, ou não o quer perceber, compreendeu muito pouco daquilo que se passou nas últimas décadas.
Mas, então, e os fundos da União Europeia? Os milhões de que se volta a falar como há muito não víamos? O PRR, os fundos estruturais e outros que tais?
Não os menosprezamos. Mas tal não nos impede de compreender o seu verdadeiro sentido. Não são, nunca foram, solidariedade. São uma compensação monetária pelo impacto assimétrico da integração. O mercado único, a moeda única, as políticas comuns beneficiam relativamente alguns países e prejudicam relativamente outros. Imaginam de que lado estamos…
Mas não se pode fugir da pergunta: será a compensação suficiente?
O caso de Portugal é paradigmático: nos últimos dois quadros financeiros plurianuais (2007-2013 e 2014-2020), o saldo das transferências orçamentais da UE para Portugal foi sempre bastante ultrapassado pelo saldo das transferências de Portugal para os países da UE, sob a forma de juros, rendas, dividendos e lucros.
Aqui chegados, sem nos conformarmos com as trocas desiguais que caracterizam esta interação, com a sua iniquidade, com a desigualdade intrínseca que a caracteriza, impõe-se rejeitar toda e qualquer intenção de corte nas transferências líquidas do próximo Quadro Financeiro para Portugal.
Importa defender a mobilização dos fundos a que o país tem direito. Defender o reforço dos fundos alocados à «coesão económica e social», a objetivos sociais e ambientais, ao desenvolvimento dos sistemas produtivos mais débeis. Combater o desvio de fundos destas áreas para o militarismo, para alimentar a guerra e o intervencionismo externo da União Europeia, ou para apoios financeiros diretos aos grupos económicos e às multinacionais.
Camaradas e amigos,
No jogo de palavras viciado em que tantas vezes se transforma o debate sobre a Europa, às vezes, é difícil ver mais longe. Mas é mesmo preciso ver mais longe! É preciso ir além dos chavões do “europeísmo” ou do “anti-europeísmo”.
A União Europeia não é o primeiro processo de integração que ocorre na Europa. Certamente não será o último.
O desenvolvimento científico e tecnológico, o desenvolvimento das forças produtivas, a internacionalização da economia, a crescente divisão internacional do trabalho, são dinâmicas objetivas que, historicamente, extravasaram as nações. Mas os processos de integração não são neutros. Dependendo das suas características, da sua orientação, dos seus objetivos, tais processos podem servir os monopólios e as transnacionais, ou podem servir os trabalhadores e os povos.
Numa sociedade atravessada por antagonismos sociais, entre capital e trabalho, a questão essencial é a do conteúdo social (de classe) de cada processo de integração.
A Europa precisa de uma outra integração: ao serviço dos povos e não um instrumento dos grandes poderes económicos capitalistas; assente numa cooperação genuína e solidária entre Estados soberanos e iguais em direitos, ao invés das relações de domínio e subordinação entre os países; orientada para a promoção do desenvolvimento, da paz e da resolução pacífica dos conflitos, do respeito pelo direito internacional, em lugar da arbitrariedade, do cinismo e da hipocrisia dos duplos padrões, do retrocesso, do intervencionismo externo e da guerra.
Romper com a atual integração é condição de um objetivo mais vasto: o de construir uma outra Europa – de direitos sociais e laborais, onde o direito ao desenvolvimento é reconhecido a todos os povos de todos os países; de preservação ambiental, sustentabilidade ecológica; de igualdade, liberdade e democracia; de paz e cooperação com todos os povos do mundo.
Uma Europa dos trabalhadores e dos povos, que exige o reforço da sua luta. No dia 9 de junho, o voto será parte dessa luta.