Quero começar por vos agradecer terem aceite o nosso convite para estarem presentes nesta audição cujo tema “Música, músicos e epidemia – consequências e soluções”, se insere numa intervenção mais ampla do PCP no sector da cultura. Uma audição que tem dois grandes objectivos: dar a conhecer-vos a avaliação que fazemos do sector da cultura neste quadro de epidemia e as nossas propostas, e ouvir as vossas opiniões e sugestões para considerarmos na nossa intervenção.
Passado um ano do início das declarações de estado de emergência e de confinamentos, um ano sem que a grande maioria de músicos e técnicos tenha podido trabalhar, realizamos esta audição.
Procuramos aqui conhecer melhor a situação destes trabalhadores, ouvindo-vos, mas sendo claro que a epidemia deixou ainda mais visível e amplificou uma brutal situação de ausência de direitos, protecção e estabilidade para milhares de trabalhadores do sector.
Um sector com características próprias:
- Marcado por vidas desreguladas na relação com a sociedade, nomeadamente trabalho no horário de lazer dos outros trabalhadores, com as implicações na assistência à família, no apoio e acompanhamento dos filhos; trabalho em horário nocturno e aos fins-de-semana;
- marcado por uma grande sazonalidade do trabalho pago, não significando isto que o trabalho seja apenas nalguns meses do ano. Naqueles em que a visibilidade é menor, sem concertos, há todo um trabalho de estudo, pesquisa, criação e gravação, ensaios. Tudo isto é trabalho e sem este não há o outro. Temos, portanto, o pagamento intermitente de um trabalho que é regular e permanente;
- baixos cachês e salários para uma grande parte dos trabalhadores;
- inexistência de qualquer tipo de protecção social, fruto da tremenda precariedade e predominância dos recibos verdes ou ainda piores formas de pagamento do trabalho técnico e artístico.
Toda esta realidade de anos, e que se pretendeu tornar normal e inevitável, fragilizou dramaticamente um sector e as vidas dos seus intervenientes na situação decorrente da epidemia, em que todo o trabalho foi cancelado, precisamente há um ano, quando recomeçava o período dos espectáculos.
Ficaram então, de um dia para o outro, milhares de artistas e trabalhadores da cultura sem trabalho, sem protecção social, sem rendimentos, em situações conhecidas de dramáticas dificuldades, de corresponder aos seus compromissos seja com os da sua casa seja com outras despesas básicas sem ter como o fazer.
A ausência de resposta do Governo – no tempo, no tipo, no alcance e nos valores das medidas – contribuiu para o arrastamento das dificuldades.
É nesse contexto que se dá a imediata intervenção do PCP, com a apresentação de propostas que, se tivessem sido aprovadas ou, nalguns casos, concretizadas após a aprovação, teriam atenuado as graves situações que se viveram e vivem. Destaca-se aqui a proposta da atribuição de um apoio social de emergência, a 30 de Março de 2020, de que se beneficiaria sem um rol de burocracias e obstáculos, sem necessidade de apresentação de contrapartidas com espectáculos – aliás, impossíveis de concretizar – e com valores adequados à dimensão da situação.
Continuamos a assistir a uma ausência de resposta por parte do Governo: anúncio após anúncio a verdade é que os apoios e as medidas não chegam aos músicos e técnicos do sector da música. Mesmo importantes medidas inscritas por intervenção do PCP no OE para 2021 continuam a não ter a concretização plena que dariam resposta mais cabal às dificuldades que o sector enfrenta.
Assistimos na passada semana ao anúncio, de novo, dos mesmos apoios que haviam sido anunciados dois meses antes mas que não chegaram ainda a quem deles beneficiaria.
O PCP defendeu sempre a necessidade de retomar a vida.
Sim, retomar a vida e não fazer do Estado de Emergência a solução, quando ele é a excepção que não resolve os problemas essenciais provocados pela epidemia.
Com todos os cuidados, com a protecção de todos, músicos, técnicos, espectadores, mas defendendo que não era possível continuar indefinidamente sem a possibilidade de trabalho e de cultura. Propusemos medidas para a retoma da actividade, com os necessários apoios públicos à reabertura das salas de espectáculos. Não são soluções como a da transferência dos espectáculos ao vivo para as redes digitais que resolverão o problema do trabalho, nem do acesso à cultura.
Mas também combatemos o medo e a difusão à escala de massas que dele foi feito. Ao defender o trabalho e a criação e a fruição culturais defendemos também desta forma a vida e a saúde. Demos o exemplo com a realização da Festa do Avante! que era possível, que era necessário e urgente. Defendemos, hoje, a necessidade imediata de se criarem as condições para o regresso ao trabalho.
E defendemos que o regresso ao trabalho deve ser feito com direitos e com salários justos. Com a valorização dos trabalhadores e do trabalho na cultura. Alertamos para os perigos para o presente e para o futuro da diminuição de salários e cachês.
Conhecemos, de muitas outras ocasiões, que quando se baixam os salários, com o aproveitamento de situações de dificuldades, eles muito dificilmente voltam aos valores que tinham anteriormente, perpetuando-se em níveis baixos. E dizemos também que, com a situação que foi exposta com a epidemia, há que tirar ilações: as da necessidade de existência de direitos, de contratos de trabalho, da criação de condições para que estes trabalhadores possam ser integrados no sistema de Segurança Social.
Nada disto se fará sem a unidade e mobilização dos artistas e trabalhadores da cultura, sem o seu envolvimento na defesa dos seus direitos enquanto trabalhadores e da dignidade do trabalho na cultura, bem como da cultura enquanto factor decisivo de desenvolvimento e progresso.
A situação do País exige a concretização da alternativa ao confinamento. Não tem sido este o entendimento do Governo. Ao contrário do que seria necessário, apresentou no passado dia 11 de Março um plano com um elevado nível de confinamento, mantendo-se o encerramento de um conjunto significativo de actividades económicas, sociais, culturais e desportivas.
Um conjunto de opções que têm vindo a ser tomadas pelo Governo que são fortemente influenciadas não só por critérios estritamente epidemiológicos, mas igualmente pela cedência à pressão de projectos reaccionários, visando espalhar o medo e a limitação de direitos e liberdades.
Apesar dos avanços da ciência que permitem hoje soluções mais eficazes de prevenção e combate à Covid-19, como as vacinas e a testagem rápida e massiva, e de Portugal ser hoje um dos países da União Europeia com mais baixa taxa de transmissibilidade, volta a insistir-se numa opção contrária aos interesses dos portugueses, e que arrasta numerosos problemas de natureza diversa.
Tomar medidas para prevenir a propagação do vírus, fazer chegar atempadamente apoios adequados a quem deles necessita, reforçar a resposta do Serviço Nacional de Saúde e dos serviços públicos e definir as condições de segurança sanitária para o funcionamento de cada área ou sector de actividade é o que se impõe no momento que atravessamos.
Mais do que prolongar o encerramento de um conjunto significativo de actividades, o que se impõe é criar as condições para dinamizar a actividade económica, social, cultural e desportiva.
Há muito que o PCP identifica cinco medidas essenciais na resposta que se impõe:
- Reforço do Serviço Nacional de saúde em profissionais e meios técnicos;
- Reforço da estrutura de saúde pública, fundamental para realizar o rastreio de novos casos e assim interromper as cadeias de transmissão do vírus;
- Vacinação rápida de todos os portugueses, o que exige do Governo a aquisição de outras vacinas já reconhecidas pela OMS;
- A retoma das actividades definindo com clareza medidas de prevenção e protecção de saúde e disponibilizando os apoios necessários à sua implementação;
- Concretização adequada e atempada dos apoios económicos e sociais para quem deles precisa para fazer face aos problemas criados com as decisões de confinamento.
No combate à Covid-19, Portugal não pode estar dependente de outros interesses que não sejam os do desenvolvimento económico e social do País e do bem estar dos portugueses, ao contrário do que acontece hoje com os atrasos muito significativos na concretização do plano de vacinação.
Há muito que o PCP tem vindo a defender que a situação que estamos a viver reclama do Governo a decisão soberana de adquirir outras vacinas já reconhecidas pela OMS e outras entidades nacionais, libertando-se assim da total dependência das decisões de aquisição da Comissão Europeia aos grandes grupos farmacêuticos, com os quais está comprometida.
Da nossa parte não deixaremos cair esta exigência e já no próximo dia 8 de Abril estará em discussão na Assembleia da República um Projecto de Resolução do PCP que recomenda ao Governo uma intervenção decidida neste sentido.
Como temos dito, muitos dos problemas que a epidemia evidencia neste momento, têm origem na falta de uma política cultural de apoio à criação e fruição culturais e no facto do PS, tal como PSD e CDS no governo, manterem compromissos com a política de direita também no sector da cultura.
Para o PCP a Cultura é um pilar da democracia. Exige uma política de forte responsabilidade e capacidade de acção pública. Requer um Ministério da Cultura digno desse nome, invertendo e rectificando a linha de esvaziamento e desresponsabilização da Administração Central seguida pela política de direita. Com a reformulação das suas estruturas e quadros efectivamente dotados dos necessários meios orçamentais, técnicos, políticos e humanos com capacidade e flexibilidade de intervenção tanto nos planos nacional, regional e local, como no plano da articulação interministrial de políticas.
Num quadro de democratização da cultura, é indispensável a construção de um efectivo Serviço Público de Cultura elemento central de responsabilização pública pelo desenvolvimento, democratização e liberdade cultural.