Queria começar por agradecer e valorizar os vários contributos que aqui ouvimos sobre uma realidade incontornável - Material circulante e produção nacional.
Sabemos que há muitos anos que não se falava tanto de comboios e da ferrovia. Longe vão os anos 90, quando a política de direita destruiu mil quilómetros de ferrovia e fez Portugal sair do século XX com menos rede ferroviária do que a que tinha ao entrar nesse século. Longe vão também os tempos dos PEC e do Pacto de Agressão da Troika, onde o Plano Estratégico de Transportes assumia que o transporte ferroviário de passageiros não era uma prioridade para o País e que a prioridade era ligar os portos à Europa, passando por cima de Portugal.
Ainda bem que se voltou a considerar a ferrovia como uma questão estratégica. Esta alteração deve-se muito à consciência que vai crescendo de que o transporte ferroviário electrificado é a solução de futuro para o transporte massivo de passageiros e mercadorias.
Mas, por enquanto, as acções tardam em acompanhar as palavras, os erros, as omissões e as opções erradas do passado tardam em ser substituídas pela concretização de uma política ao serviço do povo e do País, uma política patriótica e de esquerda como é aquela que propomos ao Povo português.
Desde logo no material circulante.
Desde 2003 que em Portugal não se compra um comboio. Cada Governo limita-se a constatar a necessidade, a prometer resolver o problema, a lançar um concurso a tempo das eleições e a deixar esse concurso cair depois, substituindo-o por uma nova promessa ou um novo plano ou um novo concurso, empurrando o problema com a barriga até à situação que temos hoje.
Recordamos: o concurso cancelado em 1999 para material para Cascais; o concurso cancelado em 2001 de aquisição de Automotoras Diesel Ligeiras; o concurso cancelado em 2001 para remodelação de carruagens do Inter-regional; o concurso cancelado em 2009 para aquisição de unidades para o Metro do Mondego; o concurso cancelado em 2010 para aquisição de Automotoras Regionais Diesel; o concurso cancelado em 2010 para aquisição de material circulante eléctrico para o suburbano, entre outros. E agora, temos o concurso para aquisição de comboios para o regional travado por uma providência cautelar sem que o Governo tenha usado todos os instrumentos que detém para defender o interesse público.
É evidente uma relação directa com o encerramento em 2003/2005 da Sorefame, da fábrica nacional de material circulante e que foi um crime cometido contra a economia nacional. Primeiro porque alguns destes cancelamentos contribuíram para acelerar o seu encerramento. Depois porque liquidada a Sorefame ficava mais difícil e mais caro o país modernizar a sua frota ferroviária. O que circula hoje ainda por aí, 16 anos depois do fim da produção na Sorefame, lá foi construído. Assim é com todas as composições do Metropolitano de Lisboa e a esmagadora maioria das composições em circulação na CP Lisboa e na CP Porto.
E importa aqui recordar que o encerramento da Sorefame não foi uma inevitabilidade. Foi a consequência de um conjunto de opções erradas, opções que a cada momento foram combatidas pelo PCP e pelos trabalhadores da Sorefame, e que foram sendo impostas por PS, PSD e CDS. Dessas opções erradas destacamos duas: a sua privatização que nunca devia ter acontecido e os concursos para aquisição de material circulante deveriam conter a explicita obrigação de incorporação nacional na sua produção.
É preciso aprender com o passado, romper com as opções erradas que aqui nos trouxeram, enfrentar com coragem as necessidades nacionais que se colocam, montar um autêntico plano de fomento para a satisfação dessas necessidades, e aproveitar para, no processo, criar e modernizar capacidade produtiva, contribuindo para retirar Portugal da dependência e do subdesenvolvimento.
Não basta assegurar a redução tarifária pela qual nos batemos, é preciso aproveitar esse impulso, para alargar e melhorar a oferta, invertendo radicalmente a política de abandono da produção nacional. O que o PCP defende é que o País faça um levantamento exaustivo das suas necessidades de material circulante para os próximos 15 anos, para manter e aumentar a actual oferta. Que esse investimento seja racionalizado, de forma a reduzir o seu volume, seja calendarizado, integrado no modelo de exploração e que garanta o máximo contributo para a economia nacional.
Isso implica que os concursos para a aquisição do Material Circulante sejam centralizados e que se imponha logo nos Cadernos de Encargos a máxima incorporação nacional na produção destes equipamentos, criando condições para que as oficinas da CP (antiga EMEF) possam aqui assumir um papel central a par de outras unidades produtivas, técnicas e científicas necessárias ao processo, avaliando designadamente, a possibilidade do País voltar a contar com uma empresa pública dedicada à produção de composições ferroviárias.
Implica igualmente que a aquisição de material se faça por séries com o maior número possível de unidades, ainda que depois a sua entrega seja faseada. Tal permitiria reduzir não só o custo e o tempo da fase de projecto e homologação, como ainda reduzir o custo de construção, manutenção e reparação.
Implica ainda que o material a adquirir continue com o essencial da manutenção e reparação a ser realizado em Portugal e pela CP, recusando que as multinacionais «ofereçam» um ligeiro desconto no preço de compra para garantirem receitas futuras com a manutenção e reparação dos equipamentos.
Este foi aliás o sentido da Resolução proposta pelo PCP e aprovada pela Assembleia da República em Junho de 2018 que o Governo até agora fez muito pouco, ou quase nada, para a cumprir.
Mas na ferrovia tudo anda ligado. Ou seja, na ferrovia não é possível planificar o material circulante necessário sem ter claros os investimentos a realizar na infraestrutura e o modelo de exploração a ser adoptado.
Na infraestrutura é necessário salvaguardar que os investimentos avancem sem tibiezas, quer na electrificação de linhas, quer na correcção de traçados, quer na sinalização de via, quer ainda nas condições de estações e apeadeiros.
Nos últimos anos os planos têm-se sucedido, mas com níveis de execução ínfimos, limitados pela falta de cabimentação orçamental, sufocados pelas cativações, prejudicados pela destruição da capacidade de execução pública (numa primeira fase) e nacional (numa fase sequente) e atrasados pela litigância de má-fé que está a atacar toda a contratualização pública.
É aqui que se coloca igualmente a necessidade de corrigir a errada opção de fundir a gestão das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, imposta à margem de qualquer ponderação técnica e como consequência de uma outra opção, igualmente errada, que transformou as empresas públicas em meros assinantes de cheques destinados aos grandes grupos económicos através das PPP ou da massiva subcontratação de serviços.
O PCP apresentou, na passada semana, um projecto para reverter a fusão da Estradas de Portugal com a REFER, que deu origem à actual Infraestruturas de Portugal – IP, e que seria um passo na direcção da reintegração da REFER na CP, reconstruindo um sector ferroviário público, uno e nacional como sempre defendemos, e que a vida se tem encarregado de demonstrar ser essencial.
Da mesma forma, o modelo de exploração é essencial à definição de qualquer plano para o material circulante. Como ficou demonstrado com os recentes avanços conseguidos com o alargamento do passe social intermodal nas Áreas Metropolitanas e a redução tarifária no plano nacional. Esse avanço teve a imediata e desejada consequência de aumentar significativamente o número de utentes. Mas, apesar do indesmentível significado deste avanço, nem o material circulante nem a infraestrutura foram preparados para essa medida, que poderia ter ido ainda mais longe se existisse material circulante suficiente para responder ao aumento da procura.
Por outro lado, o facto de parte da oferta ferroviária continuar a estar entregue a privados, continuam a transferir-se significativos recursos públicos para o lucro dos grupos privados no sector dos transportes, fazendo esses recursos depois falta ao investimento público. Também aqui a Fertagus é um bom (ou melhor, um mau) exemplo. Tendo recebido mais de 180 milhões no quadro da PPP, utilizando comboios públicos, circulando numa infraestrutura pública sem pagar pela sua utilização como paga a CP, e ainda aplicou durante anos tarifas que eram o dobro das da CP, e recebe agora compensações do passe social que remetem para esses preços inflacionados. A recente renovação desta concessão à Fertagus, apenas veio confirmar a opção do Governo PS de não enfrentar os interesses dos grupos económicos privados.
Já nas mercadorias, o facto da CP Carga ter sido oferecida ao grupo MSC faz com que as necessidades nacionais tenham deixado de ser tidas em conta, levando a que a empresa seja crescentemente (e naturalmente) configurada às necessidades desta multinacional Suíça, fazendo com que o transporte de cargas estratégicas para o País esteja em risco ou a sofrer fortes penalidades, nuns casos sobrecarregando a infraestrutura rodoviária, noutros casos prejudicando a competitividade da economia nacional.
A reversão da privatização da CP Carga e o fim da PPP da Fertagus continuam a ser reclamadas pelo PCP.
Ainda no que respeita aos transportes públicos, o PCP acredita ser fundamental aumentar a intermodalidade nos transportes públicos, e evoluir rumo à sua progressiva gratuitidade. Mas a concretização deste modelo, com inúmeras vantagens para o País – nos planos da mobilidade, ambiental, da saúde, da balança de pagamentos, da economia - implica medidas no plano do investimento público e da reconstrução de um comando único e nacional para a ferrovia.
É assim com grande preocupação que vemos as intenções expressas pelo Governo de pulverizar ainda mais a CP, de a espartilhar pelas diferentes autarquias, pelas comunidades intermunicipais ou pelas Áreas Metropolitanas. Uma coisa é aumentar a participação das autarquias na definição da oferta ferroviária, como o PCP sempre defendeu, outra, muito diferente, é acelerar a pulverização do sector ferroviário admitindo a separação de serviços para os entregar à gestão municipal, intermunicipal ou privada, que são opções que o PCP combaterá.
Para o PCP assegurar o direito à mobilidade e ao transporte público é parte integrante de um projecto de desenvolvimento do País.
Requer a progressiva redução dos preços como a que foi conquistada recentemente, com o incontornável contributo do PCP, tendente à gratuitidade.
Precisa de investimento público nas infraestruturas, nas redes e nas empresas públicas que assegurem a operação com qualidade e conforto.
Reclama o urgente alargamento da oferta que responda às necessidades presentes e futuras.
E impõe igualmente que se volte a produzir em Portugal aquilo que querem que compremos lá fora, como é o caso das composições ferroviárias. Substituindo importações, criando e valorizando o emprego, investindo, melhorando o serviço público, defendendo o meio ambiente, fazendo opções que assegurem um Portugal com futuro.
Queremos terminar esta intervenção que já vai longa falando dos ferroviários.
Desde logo, recordando o seu papel na luta contra a política de direita e mais recentemente contra os PEC e o Pacto de Agressão da Troika. Foi a luta dos trabalhadores e a iniciativa política do PCP que permitiram derrotar o Governo PSD/CDS e a ofensiva reaccionária em que estava empenhado, e que permitiram criar um quadro político onde se recuperaram importantes direitos – por exemplo, o primado da contratação colectiva e as concessões de transporte – e se recuperaram sem retroactividade os rendimentos roubados durante esse período.
Mas depois para combater a ideia peregrina mas muito difundida que pode haver serviços públicos sem os trabalhadores necessários ao funcionamento desse serviço público. E é evidente que não pode. Aliás foi por isso mesmo que o PCP propôs que fosse eliminada do Orçamento de Estado para 2020 qualquer limitação à contratação dos trabalhadores necessários à operação ferroviária. Mas como é sabido, PS, PSD e CDS convergiram para impedir a aprovação desta proposta.
Isto quando faltam trabalhadores nas Estações e nas bilheteiras, faltam trabalhadores nos comboios, faltam trabalhadores na manutenção e reparação do material e da infraestrutura, faltam trabalhadores no controlo de circulação e na manobra, faltam trabalhadores no projecto e na fiscalização das obras e regulamentos, faltam trabalhadores em toda a área operacional.
Querem, de há muito, substituir o emprego público pela subcontratação, pela prestação de serviços, pela liberalização, aumentando a exploração dos ferroviários para gerar oportunidades de negócio e de lucro para grupos capitalistas. Nós queremos o oposto: serviços públicos de qualidade, um sector público que promova o emprego com direitos, uma política de substituição de importações por produção nacional. São duas visões de sociedade entre as quais há que optar, tomando a opção pelo povo e pelo trabalho, tomando a opção pela qual vale a pena lutar.
Podem continuar a contar com o PCP!