Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhores DeputadosMais uma vez, como tem vindo a acontecer nos últimos anos, o governo pede à Assembleia da República que, com carácter de urgência, agende e discuta uma Proposta de Lei cujo âmbito e objectivos exigem reflexão e um profundo e amplo debate.Estamos perante um texto que deveria ter merecido um conjunto de audições em sede de Comissão, que permitisse recolher contributos e sugestões.Procedimento que mais se justifica, quando o governo, através da tutela, formula esta proposta sem nenhuma auscultação dos parceiros, antes da sua aprovação em conselho de Ministros.Está agora nas mãos dos senhores deputados do PSD e do CDS-PP a viabilização ou inviabilização de uma avaliação e discussão alargadas sobre as diversas matérias que a proposta integra.Estamos a falar do financiamento de todo o Ensino Superior; da sua avaliação, qualidade e até classificação.Estamos a falar da Acção Social Escolar para todo este subsistema.Estamos a falar de reordenamento do Ensino Superior Universitário e Politécnico- Público, Privado e Cooperativo.São muitos os conteúdos e demasiado importantes para o futuro do Ensino Superior e para o desenvolvimento do país e por isso não podem ficar, na nossa opinião, condicionados à celeridade atabalhoada com que o governo pretende mostrar obra.É a qualificação dos portugueses que está em cima da mesa.É a competitividade do país.Estes são os nossos pressupostos.Temos dúvidas que estes parâmetros balizem as propostas governamentais que vamos analisar.Se não como se justifica o diagnóstico proposto.Quando o governo considera que o processo de democratização do Ensino Superior está feito e que agora chegou a hora da qualidade, é porque não conhece a realidade, é porque não interpretou os números.Senhor Ministro está democratizado um Ensino Superior que conta com 51% dos alunos que completam o Ensino Secundário, depois dos milhares que foram ficando pelo caminho;Está democratizado um Ensino Superior, onde 51% dos jovens não concluem a sua formação;Está democratizado um Ensino Superior, cuja esperança média no sistema é de 2 a 2,5 anos;Está democratizado um Ensino Superior, onde o tempo para a conclusão dos cursos ultrapassa em mais de dois anos a duração prevista;Está democratizado um Ensino Superior, onde o subsistema público rejeita 20% dos alunos por causa de uma medida meramente administrativa e quantitativa chamada numerus clausus.Obviamente que não.O crescimento exponencial do Ensino Superior aconteceu depois de Abril, particularmente com a criação do Ensino Politécnico e do Ensino Privado.Dois vectores que o actual governo bem conhece e particularmente o Senhor Ministro pelas responsabilidades políticas que tem tido na tutela, ao longo dos anos.Lembrar-se-ão, o PSD e o Senhor Ministro que o Ensino Superior Politécnico foi criado com o estigma de ensino de segunda oportunidade, com objectivos limitados e profissionalizantes.Com menores recursos financeiros.E por isso chegámos onde chegámos, vinte anos depois.Apostou-se no barato e impediu-se a qualidade.Mas a culpa não pode continuar a morrer solteira.Quanto ao Ensino Privado é matéria que o PSD também conhece bem.Permitiu e fomentou o seu crescimento desregulado.Em 2000, afirmava o relatório de Fundação das Universidades Portuguesas que o Estado não tinha sido capaz de exercer a sua função reguladora e por isso não poderia eximir-se da responsabilidade nos problemas criados no Ensino Superior. E acrescentava a propósito das instituições privadas que "concentravam a sua oferta de ensino (...) em áreas (...) que exigem menor investimento em infra-estruturas de ensino e investigação e, apesar do que se propagandeou, as instituições privadas também não contribuíram para uma melhor distribuição regional do Ensino Superior. Na verdade, parece ter acontecido justamente o contrário, porque a lógica de mercado leva à concentração das instituições privadas nas áreas mais desenvolvidas, ignorando as regiões do interior, menos desenvolvidas e com uma população mais dispersa".Naturalmente que tendo o governo conhecimento deste texto, somos obrigados a concluir que é a continuidade desta situação que o governo defende ao trazer hoje à Assembleia da República uma proposta de financiamento do Ensino Privado, propondo simultaneamente às instituições públicas de Ensino Superior que procurem receitas próprias em parcerias com o privado, porque o dinheiro dos contribuintes não dá para todos.É certo que este governo não teve necessidade de partir do zero.O partido socialista, com a aprovação que fez da Lei de Organização e Ordenamento do Ensino Superior, viabilizou também um aumento da transferência de verbas do orçamento de estado para o Ensino Superior privado, viabilizando simultaneamente o sub-financiamento do Ensino Superior Público.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhor PresidenteO sistema de Ensino Superior que os portugueses têm hoje não decorre de nenhuma fatalidade, é consequência natural de políticas, que resultaram do exercício da governação quer do partido socialista, quer do partido social democrata.Temos hoje um sistema pouco eficiente.Temos falta de quadros qualificados.Esbanjaram-se recursos materiais e humanos. Em 1998 só 11% da população era diplomada.Temos 3,5% de licenciados desempregados.Há dificuldades na entrada no mercado de trabalho em determinadas áreas.Há muito emprego sub-qualificado entre a população detentora de graus académicos, o que demonstra também a incapacidade do tecido produtivo em integrar quadros de elevada formação e apostar assim em melhores índices de produtividade e competitividade.Somos o país da comunidade europeia com o menor número de diplomados em ciências exactas, tecnológicas, naturais, médicas, etc. Não ultrapassamos os 26%.A investigação no Ensino Superior é diminuta. Não há possibilidade de criar emprego científico. Não existem quadros de investigadores.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhores DeputadosO diagnóstico é publico.As baixas taxas de escolarização da juventude e da população activa e as elevadas taxas de insucesso e abandono escolares são indicadores preocupantes que a proposta do governo não considera.Só uma intervenção global e prospectiva que não ignore a realidade do Ensino Superior será capaz de combater os atrasos relativamente aos restantes países da União Europeia, corrigir desigualdades sociais e reforçar as condições de cidadania de todos os portugueses.A sociedade contemporânea propõe desafios cada vez mais complexos e exigentes.As oportunidades constroem-se mas as ameaças existem.A mercantilização dos saberes já não se insinua, apresenta-se.Em Maio último, em Washington, a OCDE e o Banco Mundial discutiram o comércio dos serviços educativos e decidiram passar a financiar as instituições que tenham por objectivo defender a comercialização do Ensino Superior.O conceito da escola-empresa, na procura de financiamentos estratégicos para responder às leis do mercado com recursos mínimos e competitividade máxima está aí.A proposta de lei do governo não lhe fecha a porta, antes pelo contrário.É neste sentido que o texto afirma a autonomia das instituições e simultaneamente se produz todo um articulado que sustenta uma intervenção tutelar e dominadora do Ministro que pede pareceres sobre a política global do Ensino Superior a um Conselho Nacional do Ensino Superior, por ele presidido e para o qual ele designa ou indica 5 representantes.Entretanto a representação dos docentes é reduzida a zero e o representante dos estudantes será designado "em termos a fixar pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior".Como facilmente, se pode concluir, propõe-se um instrumento à medida das necessidades da tutela.Garantido o aval das políticas governamentais, avança-se para a definição.Dramatiza-se a situação financeira para consagrar o sub-financiamento do Ensino Superior Público e o aumento do financiamento do Ensino Superior Privado.Afirma-se, pela primeira vez, que o Ensino Superior Público será financiado "nos limites das disponibilidades orçamentais", ao mesmo tempo que pelo "reconhecimento do interesse público" o estado passa a assumir responsabilidades financeiras em áreas do Ensino Superior Privado que até este momento lhe eram estranhas, como por exemplo:
- apoios ao investimento
- apoios à investigação
- apoios inseridos em regime contratuais