Intervenção de

Lei da televisão - Intervenção de António Filipe na AR

Lei da televisão, que regula o acesso à actividade de televisão e o seu exercício

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Srs. Deputados:

Compreendemos a necessidade da actualização da Lei da Televisão não apenas porque estava prometida, correspondia a um compromisso do Governo, mas porque essa necessidade é inquestionável face à evolução deste sector e face à necessidade de actualizar a legislação que lhe é aplicável.

Vou passar a dar conta da nossa opinião acerca daqueles que consideramos os aspectos principiais desta proposta de lei, referindo os que nos parecem positivos e criticando aqueles que nos parecem negativos.

Começo, precisamente, por um ponto com o qual concordamos, que é o regresso da RTP2 em pleno ao serviço público de televisão. Criticámos, veementemente, a decisão tomada pelo anterior governo de retirar o segundo canal da RTP da concessão de serviço público, criando aquela figura híbrida que actualmente se chama 2, mas que, apesar de tudo, já correspondeu a um recuo muito significativo relativamente às intenções iniciais do governo anterior. Concordamos que a RTP2 deve ser um segundo canal generalista de serviço público.

A proposta de lei prevê a existência de um órgão consultivo especificamente para a RTP2, o que nos parece superabundante. Fica-se com a sensação de que há aqui uma espécie de tributo ainda pago à opção do ministro Morais Sarmento, que seria desnecessária. Há um provedor, há um conselho de opinião da RTP, pelo que parece que é superabundante a existência, ainda, de um conselho consultivo só para a RTP2. Enfim, os conselhos consultivos não fazem mal a ninguém e, portanto, não é por aí que vamos discordar, mas quer parecer-nos que há alguma redundância na existência desse conselho.

Salientamos também, como sendo positivo, um maior rigor nos concursos, nos cadernos de encargos para a concessão de canais privados generalistas, a actuar no espectro radioeléctrico. E parece-nos que é importante que haja uma avaliação periódica do grau de cumprimento dos compromissos assumidos por parte desses operadores. Portanto, também aqui consideramos que é positivo que isto seja previsto.

Terceira questão: a televisão digital terrestre. Fica-se com a sensação de que há algum défice de regulação nesta proposta de lei neste ponto, porque este diploma é apresentado, tendo a televisão digital terrestre como uma das suas motivações essenciais e, depois, percorrendo o articulado, quase não se encontra referência à televisão digital terrestre. Fico com a sensação de que o Governo propõe que os canais digitais terrestres, em matéria de autorização, tenham um regime semelhante ao dos canais por cabo - de mera autorização. É o que nos parece, mas a proposta de lei não é muito explícita relativamente ao enquadramento legal dos futuros canais, no âmbito da televisão digital terrestre.

Há um ponto relativamente ao qual discordamos. O artigo 12.º, retomando uma disposição que já vem de trás, da Lei da Televisão, estabelece limitações quanto à propriedade de canais de televisão, designadamente não permite que autarquias locais, partidos, sindicatos possam ser proprietários de canais de televisão.

Esta definição vem de trás, mas quer parecer-nos que, relativamente à possibilidade da utilização da Internet para efeitos de actividade de televisão, já não faz sentido. Quer dizer, é uma definição sempre discutível, mas, se poderia fazer sentido até agora, com a possibilidade da utilização da Internet que todos têm, isto releva, pura e simplesmente, da liberdade de expressão, não nos parece que seja possível ou constitucional proibir seja que entidade for de utilizar a Internet para a actividade de televisão. Nesse sentido, há aqui uma limitação que nos parece absurda. Assim, há o regime de registo que o Governo propõe para quem exerça a actividade de televisão por via da Internet e parece-nos que essas entidades devem poder exercer essa actividade ao abrigo da liberdade de expressão que a Constituição lhes confere, desde que, obviamente, cumpram as regras de registo que estão previstas.

Consideramos que a proposta de lei vai bem ao estabelecer limites à contraprogramação e estabelecer, em defesa dos telespectadores, a proibição de as televisões alterarem em cima da hora a programação a seu bel-prazer, em tácticas de contraprogramação. Isso parece-nos positivo.

Assim como nos parece que tem justificação, no artigo 57.º, a proibição de práticas que não sejam justificadas segundo as regras do mercado e que possam implicar ou um aumento de custos desproporcionado ou uma redução de proveitos por parte do serviço público. Quero, no entanto, lembrar que isso contraria a prática do anterior governo do Partido Socialista, que impôs limites à RTP quanto ao acesso ao mercado publicitário, por forma a facilitar a vida e a viabilização económica dos canais privados.

Parece-nos que essa é uma das práticas que este artigo 57.º vem proibir, pelo que o Governo deveria ter, naturalmente, isso em atenção e não limitar a RTP quanto à possibilidade de concorrer com os canais privados no acesso ao mercado publicitário, criando aqui uma situação de desigualdade, que não é justificada.

Esta proposta de lei prevê a autonomia dos centros regionais (refiro-me às regiões autónomas, obviamente) da RTP e da RDP. Quer parecer-nos que se devia prever a existência de conselhos de redacção específicos para os centros regionais, tendo em conta a sua autonomia.

Vou entrar, agora, Sr. Ministro, na grande discordância que temos relativamente a esta proposta de lei. Trata-se da possibilidade de a Entidade Reguladora (que, aliás, tem poderes absolutamente exorbitantes, neste diploma) poder suspender programas. O artigo 85.º prevê a suspensão cautelar e o artigo seguinte prevê limitações à retransmissão, permitindo que a Entidade Reguladora possa suspender a retransmissão de serviços de programas televisivos.

Ora bem, admitimos perfeitamente que, como sanção, um operador de televisão possa ver suspensa a sua licença ou ver temporariamente suspensa a sua programação. Consideramos, no entanto, que isso não pode ser decidido, a título cautelar, por uma entidade administrativa relativamente a um programa em concreto, porque, daqui até à censura, é um terreno muito inclinado.

Ou seja, atribuir a uma entidade administrativa, como é a Entidade Reguladora, o poder de considerar que um determinado programa corresponde a uma infracção grave à Lei da Televisão e determinar que esse programa não é emitido parece-nos um caminho muito perigoso. Admitimos que isso possa ser feito pelos tribunais, que possa ser interposta uma providência cautelar para que um determinado programa, por violar direitos, liberdades e garantias ou incorrer numa violação grave à Lei da Televisão, seja judicialmente impedido de ser emitido. Contudo, ao conferir este poder a uma entidade administrativa relativamente a um programa em concreto e a título cautelar, pergunto o que é que acontece se a Entidade Reguladora proibir uma televisão de emitir um determinado programa, causando-lhe, com isso, eventuais prejuízos que podem ser significativos, e, passado 15 dias, vier o tribunal dizer que a Entidade Reguladora não tinha razão e que aquele programa não podia ser permitido. Gostaria de saber quem é que responde pelas consequências que, entretanto, decorreram.

No entanto, esta até é uma questão acessória. A questão principal é que nos parece ser um precedente muito grave permitir que uma entidade administrativa possa dizer: «Não, esse programa não é emitido!»

Pergunto como é que se controla um eventual abuso de poder por parte desta Entidade Reguladora - que é uma entidade administrativa, porque é essa, evidentemente, a sua natureza.

Quer parecer-nos que a possibilidade de entidades administrativas poderem proibir a emissão de programas é de má memória.

Evidentemente, admitimos que, da parte do Governo, não há qualquer intenção de voltar a regimes de censura prévia, mas este é um caminho muito inclinado e não devíamos ir por aqui. Portanto, qualquer possibilidade de proibição de programas a título cautelar, em nosso entender, só deveria poder ser feita por uma entidade judicial.

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