Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Sessão evocativa «Centenário de José Dias Coelho - O artista, o militante»

José Dias Coelho, artista e militante revolucionário

Em nome do Partido Comunista Português quero saudar e agradecer a todos os que connosco estão e participam nesta sessão evocativa do nascimento desse homem de cultura, artista e militante revolucionário, corajoso e firme combatente pela liberdade e a democracia que foi José Dias Coelho.

Esse homem generoso a quem o fascismo ceifou a vida aos 38 anos. Esse homem que tudo arriscou e tudo sacrificou, incluindo a sua carreira artística, como escultor, para se dedicar por inteiro, como funcionário clandestino do PCP, à luta pela libertação do seu povo, à luta pela emancipação dos trabalhadores e de todos os povos, e à luta do seu Partido pela conquista da sociedade nova, pelo socialismo.

Permitam-me que, particularmente, saúde e agradeça à Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, na pessoa do seu Presidente, Professor Doutor António de Sousa Dias de Macêdo, todo o apoio e disponibilidade para a realização desta muito sentida e merecida homenagem.

Agradeço a presença e a intervenção do Presidente da Direcção da Sociedade Nacional de Belas Artes, o Professor Doutor João Paulo Queiroz, a intervenção do Professor Doutor Eduardo Duarte, historiador de Arte e professor da Faculdade de Belas-Artes, a mensagem da camarada Margarida Tengarrinha, a presença do Partido Ecologista «Os Verdes», assim como a participação dos actores Simon Frankel e Mafalda Santos, e dos músicos João Queirós e Manuel Pires da Rocha que nos presentearam com um expressivo momento artístico.

Um agradecimento que estendo a todos os camaradas e amigos que pensaram e levaram por diante esta simples mas muito significativa iniciativa.

Estamos a assinalar o centenário de José Dias Coelho, muitos seriam os locais adequados para o fazer, mas tem significado fazê-lo aqui, na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, nesta prestigiosa casa da arte, de onde nascem e brotam os mais marcantes nomes da arte e da cultura artística do Portugal contemporâneo. Nesta casa que José Dias Coelho frequentou e honrou, com o combate que travou com outros companheiros, mas também com iniciativa própria, pelo direito à livre criação artística e cultural, rompendo o cerco ao apertado controlo sobre a produção cultural da ditadura e das suas práticas censórias e manipuladoras.

A exposição que aqui está patente mostra o percurso do homem que hoje e sempre, será lembrado pelo seu Partido, pelos seus camaradas, por muitos que tiveram o privilégio de com ele privar e por muitos outros que não se cruzaram com ele em vida mas reconhecem e valorizam o seu exemplo.

Percurso de dignidade e verticalidade que permanecerá na memória colectiva do povo e que o belo poema e canção que dele nos fala, que nos impelia ao combate, denunciando “em toda a parte que o pintor morreu”, avivará, dando força também aos combates de hoje contra a hidra venenosa que, um pouco por todo lado, levanta a cabeça, emergindo do seio das forças mais reaccionárias e retrógradas.

Essa hidra que se alimenta de uma política que, executada ao serviço dos grandes interesses económicos, tem conduzido, como em Portugal, ao aumento da exploração do trabalho, destruição de direitos sociais, brutais ataques à soberania e a uma crescente concentração e polarização da riqueza.

Uma política que, servindo os senhores do dinheiro, despreza o homem e os seus direitos e degrada a democracia.

No momento em que evocamos e homenageamos José Dias Coelho e o seu trajecto de combatente é, também, o tempo próprio para alertar para a necessidade de intensificar a luta contra o revisionismo histórico que branqueia e banaliza os crimes do fascismo, fomenta o anticomunismo e promove o obscurantismo cultural.

Uma batalha que se impõe reforçar agora que comemoramos o quinquagésimo aniversário da Revolução de Abril, pelo irromper da qual Dias Coelho deu a vida.

Nascido a 19 de Junho de 1923 em Pinhel, distrito da Guarda, e com uma infância passada em Coimbra e em Castelo Branco, José Dias Coelho vem para Lisboa, com os seus pais, em 1938.

É no Colégio Académico que contacta com importantes figuras da cultura portuguesa, como Bento de Jesus Caraça, Lopes Graça, Carlos Oliveira, Abel Manta, professores perseguidos pelo fascismo e contra o qual lutavam, opondo-se firmemente  à sua obscurantista política cultural. 

E é aqui, na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde cursa arquitectura e depois escultura, que José Dias Coelho adere à Federação das Juventudes Comunistas e integra a frente de solidariedade para com os presos políticos e as suas famílias, participa em acções do MUNAF, do MUD, da Comissão de Escritores e Artistas Democráticos.

Esta intensa actividade viria a permitir a renovação da direcção da Sociedade Nacional de Belas Artes, para a qual foram atraídos jovens artistas antifascistas que a influenciaram de forma significativa e que conduziu à organização da primeira Exposição Geral das Artes Plásticas.

Estas Exposições Gerais, realizadas entre 1946 e 1958, por sua vez, viriam a desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento e fortalecimento da unidade antifascista dos intelectuais portugueses. 

À medida que desenvolve o seu trabalho artístico, desenvolve igualmente a actividade e intervenção política e social, estará, nomeadamente, na candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República, campanha durante a qual a PIDE prende José Dias Coelho e o deixa incontactável durante 10 dias, no Aljube.

Em Outubro de 1955, aos 32 anos de idade, José Dias Coelho inicia a sua mais exigente tarefa de funcionário do Partido Comunista Português e entra na clandestinidade, colocando o seu saber, a sua capacidade artística ao serviço da luta revolucionária do seu Partido.

Assim foi na arte da falsificação de documentos, juntamente com a sua companheira, a camarada Margarida Tengarrinha. Assim foi na criação de gravuras que ilustraram o Avante!, e que foram eternizadas.

De facto, das suas mãos saíram peças e desenhos intemporais, das suas mãos saíram os documentos, que, sendo falsos, passaram o crivo da censura e do fascismo.

José Dias Coelho viria a integrar a direcção do Partido em Lisboa, com a responsabilidade do sector intelectual.

A sua última tarefa será a preparação do trabalho unitário de organização da campanha da farsa eleitoral fascista de Novembro de 1961, que a Oposição Democrática aproveitava para desmascarar a guerra colonial que havia irrompido no início desse mesmo ano.

Nesse tempo colocava-se, tal como hoje se coloca como tarefa dos comunistas, a criação de unidade com outros democratas que, não sendo comunistas, estavam e estão genuinamente preocupados e empenhados na construção de uma vida melhor, uma vida onde os direitos e anseios de cada um tenha tradução prática na vida de todos os dias.

Esta foi uma tarefa que abraçou, contribuindo, a partir de uma decisão do Partido, para, com muitos outros jovens antifascistas, fazer do MUD Juvenil referência da luta antifascista e da luta da juventude em Portugal.

A sua luta, a sua dedicação, o esforço do revolucionário, do intelectual e artista não foram em vão.

Com o seu contributo, os militares progressistas, o nosso povo e os trabalhadores fizeram a Revolução de Abril e puseram fim ao fascismo. A essa odiosa ditadura terrorista dos monopólios e latifúndios, associada ao imperialismo estrangeiro. A esse regime brutal que colocou Portugal e a vida do nosso povo na dependência dos interesses de sete grandes grupos económicos e da insaciável gula de um pequeno número de famílias que os detinha.

Esse Abril que comemoramos. Esse Abril que saiu à rua este ano de uma forma decidida, determinada, com uma presença juvenil de grande significado. Esse Abril que está vivo e afirmou a actualidade dos seus valores de liberdade, de emancipação social, de soberania e independência nacional, por todo o País.

José Dias Coelho não chegou a 25 de Abril de 1974. Não conheceu as profundas transformações revolucionárias que haveriam de mudar Portugal e se traduziram num extraordinário progresso da sociedade portuguesa.

Transformações que abriram uma nova perspectiva de desenvolvimento do País e que um processo contra-revolucionário iniciado em 1976, levado a cabo pelos sucessivos governos de PS, PSD e CDS haviam de coarctar, com as suas assumidas opções de política de direita de recuperação capitalista,  restauração e consolidação monopolista.

Opções que permanecem na governação actual para servir o grande capital e a acumulação desmesurada de lucros que o Governo do PS assume e na defesa da qual convergem PSD, CDS, Chega e IL.

Cem anos depois do nascimento de José Dias Coelho e perante a evidência que o caminho em curso não serve o País, os trabalhadores, o povo e os democratas e patriotas estão, mais uma vez, perante uma opção e um desafio.

A questão que hoje nos está colocada é saber se devemos deixar o comando da nossa vida colectiva nas mãos dos grupos económicos, cada vez mais dominados pelo capital estrangeiro, e dos seus interesses ou tomar nas próprias mãos, nas mãos do povo e do País o destino das nossas vidas. Ou seja, romper com a política de direita e assumir o desafio de construir a alternativa patriótica e de esquerda, respeitadora e concretizadora dos valores de Abril.

É esta a necessidade do País que se prova todos os dias, quando se avolumam os problemas, agravando as condições de vida dos trabalhadores e do povo no seu direito à saúde, à educação, à habitação, à cultura, ao mesmo tempo que crescem os estrangulamentos e se agudizam os problemas de fundo nacionais – os seus défices estruturais e sua dependência a todos os níveis.

Se agudizam os problemas de quem vive do seu trabalho, onde a precariedade e os baixos salários são um flagelo tal como as baixas pensões e reformas enquanto aumentam os lucros dos grupos económicos e financeiros, as injustiças e desigualdades sociais.

O País precisa mais que nunca de uma política e um governo assente na mobilização e participação dos trabalhadores e das massas populares.

O PCP é portador da alternativa e é hoje, tal como no passado, o elemento fundamental da unidade dos democratas – a alternativa que faz frente à política de direita e aos projectos reaccionários e trauliteiros que vão sendo promovidos.

Hoje é muito evidente que a melhoria das condições de vida e um Portugal desenvolvido e soberano estão profundamente ligados ao reforço do PCP.

A vida de José Dias Coelho é um exemplo de dedicação, de coragem, de entrega à causa dos trabalhadores e do povo que nos honram e que queremos guardar para sempre como património da nossa luta colectiva e da luta do nosso povo.

Ele é bem exemplo da importância do trabalho colectivo e de compromisso, disciplina e disponibilidade revolucionária, dos que aceitaram trocar uma vida cheia de promissoras perspectivas profissionais, como as tinha Dias Coelho, para garantir, no segredo de uma vida clandestina, a defesa das mulheres e dos homens que tomavam a frente de combate pelo derrubamento do fascismo e em defesa dos interesses do nosso povo. Um exemplo de compromisso e intervenção que hoje em condições diferentes nos interpela e desafia.

Que os estudantes de Belas-Artes, aqui e em todo o País, saibam que tiveram como colega, este homem, este comunista, este artista, que tiveram o privilégio de estar, de forma directa e indirecta com José Dias Coelho.

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