Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Jornadas Parlamentares na Região Autónoma da Madeira

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O PCP levou à tribuna da Assembleia da República as conclusões das Jornadas Parlamentares realizadas na Região Autónoma da Madeira. Paula Santos lembrou que as declarações de vários responsáveis e políticos nacionais e regionais contrastam com os principais problemas que permanecem por resolver.

Declaração política a propósito das Jornadas Parlamentares do PCP realizadas na Madeira, dando conta da falta de apoios para a reconstrução nesta região autónoma após as intempéries ocorridas em 2010

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

Um ano após o temporal de 20 de Fevereiro de 2010, o Grupo Parlamentar do PCP realizou as suas Jornadas Parlamentares na Região Autónoma da Madeira, em solidariedade com as populações atingidas pela intempérie e para avaliar o processo de reconstrução e a situação socioeconómica da Região.

Para além das dificuldades decorrentes desta tragédia, verificámos o agravamento da situação económica e social na Madeira. As políticas de direita do Governo do PS, com o apoio do PSD e do CDS, acrescidas da governação regional, materializadas na ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e na redução das prestações sociais, têm reflexos muito negativos na vida das famílias, conduzindo ao aumento das desigualdades sociais e da pobreza.

O desemprego na Região atinge mais de 16 000 trabalhadores, que se encontram inscritos no centro de emprego da Região, e só no mês de Janeiro ficaram no desemprego mais de 49 trabalhadores por dia. Há um acréscimo de precariedade nas relações laborais, afectando principalmente os jovens, e um ataque aos salários e à contratação colectiva de trabalho. É uma vergonha que diversas entidades patronais tenham descontado o dia de trabalho aos trabalhadores que não puderam deslocar-se ao trabalho no dia 20 de Fevereiro de 2010.

Os sectores com mais dificuldades são os da construção civil, da hotelaria e da restauração. Regista-se o aumento das falências e insolvências de micro e pequenas empresas, na prática impedidas de aceder ao QREN, e há várias empresas com salários em atraso.

Acresce a isto o atraso no apoio aos agricultores atingidos quer pelo temporal quer pelos incêndios florestais no Verão passado, nomeadamente na reposição do potencial produtivo da exploração, nos prejuízos decorrentes da redução de colheitas e no atraso na recuperação de infra-estruturas de uso colectivo.

A impossibilidade de os agricultores disporem dos meios para assegurar as suas contrapartidas nos projectos e avançarem com as verbas para realizar os investimentos e a inexistência do título de propriedade ou de arrendamento impedem o acesso aos apoios existentes.

A situação dos municípios também se agravou, devido aos cortes do PEC e do Orçamento do Estado, acrescidos do não pagamento das verbas correspondentes aos 5% do IRS em dívida pelo Governo, com impactos negativos no movimento associativo e na população.

Só agora foi criado o regulamento no âmbito da Lei de Meios, que permitirá aos municípios apresentar candidaturas para a reconstrução.

Confirmámos que a Região Autónoma da Madeira é penalizada com cortes estimados em cerca de 500 milhões de euros do QREN, que seriam de 400 milhões nas transferências orçamentais previstas na Lei das Finanças Regionais, agora suspensa devido ao efeito da zona franca no PIB regional, sem qualquer tradução na melhoria das condições de vida dos madeirenses.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante as Jornadas Parlamentares do PCP, visitámos as localidades de Moinhos, Poço do Morgado, Vasco Gil e Trapiche, onde constatámos o atraso da reconstrução e a chocante disparidade entre o arranjo das zonas mais turísticas do centro do Funchal e o abandono das zonas altas, onde está, praticamente, tudo por fazer.

As populações com mais dificuldades, que habitam nas zonas altas, estão esquecidas e abandonadas. Ainda não receberam os apoios necessários para a reconstrução das suas habitações, para a sua segurança e para evitar, no futuro, novas tragédias.

Mais ainda: pudemos ver no local não só o atraso na reconstrução mas também a insistência do Governo em repetir os erros do passado, responsáveis por esta tragédia – escarpas soltas e por consolidar, estrangulamento das ribeiras e, agora, o aterro dos entulhos na baía do Funchal. Saudamos, por isso, o cordão humano dinamizado pela população contra este aterro.

As pessoas continuam a viver em situação de grande risco para as suas vidas, para as suas habitações e sem qualquer perspectiva para a resolução dos problemas. A situação é dramática.

Desde o dia 20 de Fevereiro de 2010 que o medo faz parte da vida destas pessoas. Desde então, muitas pessoas vivem sobressaltadas, sem, sequer, conseguirem descansar à noite, e com a tristeza da perda dos familiares, amigos e vizinhos e também dos seus bens, adquiridos com o esforço de uma vida de trabalho. Mas é também a preocupação com as novas gerações e o seu futuro que os angustia.

São chocantes as declarações de vários responsáveis e políticos nacionais e regionais afirmando que os principais problemas estão resolvidos. A realidade demonstra exactamente o oposto, que os principais problemas permanecem.

Propomos que se realize um debate de urgência sobre esta matéria para confrontar o Governo, pois pretendemos saber quais as transferências realizadas ao abrigo da Lei de Meios, quais os montantes já disponibilizados, qual a sua utilização, se foram mesmo para a reconstrução ou se estão a ser aplicadas noutras áreas, como o Orçamento do Estado, aliás, permite, e o que é que o Governo tem feito para a União Europeia disponibilizar os apoios assumidos, dos quais, até agora, não veio um cêntimo.

Propomos ainda a criação de uma comissão de acompanhamento da aplicação da Lei de Meios, que permita um mais próximo e transparente acompanhamento da sua aplicação.

Contrariamente a outras forças políticas, que lá, na Madeira, dizem uma coisa mas cá fazem outra, o PCP, tanto lá como cá, defende e luta pelo efectivo apoio e resolução dos problemas destas pessoas.

(…)
Sr. Presidente,

Agradeço as questões que me foram colocadas quer pelo Sr. Deputado José Manuel Rodrigues, do CDS-PP, quer pelo Sr. Deputado Luís França, do PS.

De facto, pudemos verificar que o processo de reconstrução no centro da cidade do Funchal avançou, que essa parte foi cumprida, mas o que não foi cumprido — e isso preocupa-nos — tem a ver com as zonas altas, pelo que estranhamos que o Partido Socialista, nomeadamente o Sr. Deputado, não conheça a situação das populações dessas zonas.

Tivemos oportunidade de ver no local o que não foi cumprido, o que está por fazer, as condições em que as populações continuam a viver sob um elevado risco, pondo em causa a sua segurança.

Passado um ano sobre a tragédia de 20 de Fevereiro, esta é a verdade!

Várias deslocações foram feitas a essas zonas pelo Sr. Primeiro-Ministro, pelo Sr. Presidente da República, por vários responsáveis governamentais, mas a verdade é que no que tem a ver com a população que tem mais dificuldades está praticamente tudo por fazer. Esta é a realidade passado um ano.

Não esquecemos as responsabilidades do Governo da República nessa matéria, e é por isso — e, se calhar, o Sr. Deputado não esteve atento à totalidade da minha intervenção — que propusemos a realização de um debate de urgência para que possamos confrontar o Governo com a forma como foram aplicadas as verbas, saber que meios foram transferidos e o que está a ser feito. Queremos também um maior acompanhamento, no âmbito da Lei de Meios, para a reconstrução da Madeira.

Sr. Deputado José Manuel Rodrigues, em relação ao modelo económico, o PCP está, neste momento, a desenvolver uma campanha nacional, que se designa «Portugal a produzir», exactamente porque consideramos que é na produção nacional, é na aposta no aparelho produtivo que está a solução para o crescimento económico e para a criação de emprego. Sem dúvida alguma que é esta a campanha que temos de levar a bom porto no nosso país.

Queria referir que, na Madeira, tivemos contacto com a associação de agricultores e foi-nos dado conhecimento das grandes dificuldades que foram colocadas em matéria de agricultura, de tão grande importância na produção nacional e no que tem a ver com a soberania alimentar do nosso país.

De facto, constatámos as grandes dificuldades que estes agricultores sentem no acesso a um conjunto de apoios e também no que tem a ver com o título de propriedade e com o arrendamento, com um modelo que, juridicamente, está extinto, mas que, na prática, continua a criar dificuldades a este conjunto de agricultores e que, sem dúvida alguma, é um modelo que não defendemos, porque consideramos que a agricultura e a aposta na produção nacional são o caminho para o desenvolvimento do nosso país.

(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Agradeço as sugestões colocadas pelos Srs. Deputados Hugo Velosa, do PSD, e José Gusmão, do BE.

O Sr. Deputado Hugo Velosa disse que muito já foi feito. Sr. Deputado, convido-o a visitar locais onde nós estivemos e onde falámos directamente com as populações e com as pessoas. Foram elas que nos transmitiram as suas preocupações, as suas angústias.

Nós constatámos, casa a casa, o que está feito ou não, mas principalmente o que ainda não está feito e que está por fazer. Essa, sim, é a realidade das zonas altas e de milhares de madeirenses que estão a passar por grandes dificuldades.

Sr. Deputado, posso também referir que a asfixia que o Governo da República colocou quer às regiões autónomas, quer aos municípios, levou a muitas dificuldades. Mas, Sr. Deputado, por exemplo, ao abrigo da Lei de Meios, só agora foi criado um regulamento que permite aos municípios apresentarem as candidaturas para a reconstrução. Foram os próprios municípios da Região Autónoma da Madeira que nos transmitiram isto. Esta é outra realidade.

Os municípios foram colocados de parte, não estão a participar neste processo e só agora podem começar a apresentar essas candidaturas.

Sr. Deputado, nestas jornadas parlamentares foi possível contactar directamente com a realidade concreta, aquela que, muitas vezes, não é transmitida, mas que é aquela que as pessoas sentem localmente.

Obviamente que estamos de acordo — votámo-la favoravelmente — com a Lei de Meios, mas isso não implica que deixemos de colocar as nossas críticas e de chamar a atenção para aqueles aspectos com que é necessário ter mais rigor e mais transparência, nomeadamente os que respeitam aos ajustes directos, que estão a ser feitos sem qualquer controlo.

Srs. Deputados, queria ainda referir que, em relação aos números do desemprego, os mais de 16 000 desempregados na Região Autónoma da Madeira são um número recorde desta realidade. Estão também a agravar-se as situações laborais e sociais da população, quer as decorrentes não só do temporal do ano passado, mas também as decorrentes daquilo que são as várias políticas, quer do governo regional, quer do Governo da República.

Sobre a Zona Franca, importa ainda referir que das quase 3000 empresas com sede na Zona Franca da Madeira 2435, ou seja, quase 2500 empresas não têm nenhum trabalhador ao seu serviço.

Não me parece que seja esta a realidade que vai valorizar e criar emprego na Madeira. Também devido à Zona Franca da Madeira estima-se que a Região foi penalizada em cerca de 500 milhões de euros no âmbito do QREN, exactamente porque tem o seu PIB regional inflacionado por esta realidade.
Também não me parece que seja esta realidade que vai permitir criar melhores condições quer às populações, quer ao desenvolvimento e ao crescimento económico da Madeira.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria ainda de dizer que, na sequência destas jornadas parlamentares, e no contacto que mantivemos com as populações, com as associações, com as instituições transversais quer à área do trabalho, quer à área da segurança, foram transmitidas várias preocupações.

O PCP, na Assembleia da República, mantendo a coerência com aquilo que são as nossas posições e com aquilo que defendemos para o povo português, irá continuar a intervir para defender os direitos desta população e exigir que a reconstrução seja feita, que a população não seja penalizada e que aquilo que ainda não foi feito seja realizado o mais depressa possível, ainda que, naturalmente, com o acompanhamento quer das entidades regionais, que das entidades nacionais.

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