Senhor Primeiro-Ministro:
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Os atentados nos EUA, não são desculpáveis, são um acto hediondo. Estamos de acordo que é preciso fazer justiça, punir os responsáveis e combater o terrorismo, todas as formas de terrorismo individual, de grupo, de Estado. Mas pensamos que é necessário reflectir serenamente como e com que meios é que esse combate se trava. Se o que falta é mais medidas securitárias e policiais, penas mais pesadas, mais limitações às liberdades e garantias dos cidadãos então teremos de perguntar porque será que os governos de Inglaterra e de Espanha não acabaram por exemplo, com as acções terroristas nos seus próprios países.
Se o negócio do armamento, da droga e do tráfico humano estão estreitamente ligados à lavagem do dinheiro, aos paraísos fiscais e aos off shores, então porque razão há tanta obstinação em os manter?
E não misturando as coisas não merece pelo menos, a reflexão dos que querem a guerra e o irracionalismo, se o combate ao terrorismo não passa também pelo combate à acentuação das desigualdades, à fantástica concentração da riqueza, à morte diária de 35 mil crianças de fome, segundo informação da FAO e à indignidade em que vivem milhões de seres humanos?
E se o não cumprimento das Resoluções da ONU deixando apodrecer conflitos regionais, bem como, a dominação, exploração e humilhação de povos que aspiram legitimamente à sua pátria e à sua soberania não cria o caldo de cultura para o desespero e a irracionalidade?
Ou será que se pensa que, com a liquidação dos vários Bin Laden deste planeta se acaba com o terrorismo ou que este «pode ser bombardeado" ou evitado com escudos anti-mísseis?
Se os EUA já tivesse o guarda chuva nuclear tinha evitado os atentados de Washington e de Nova Iorque? Se o dinheiro gasto pelas diversas potências na corrida aos armamentos fosse aplicado na erradicação da fome, do analfabetismo, na luta contra a mortalidade infantil, o mundo não seria muito mais seguro?
O Sr. Primeiro-Ministro tem-se pronunciado e bem contra uma histeria belicista, contra inimigos imaginários, como avalia então no plano ético, uma poderosa operação militar de retaliação que, com grandes probabilidades fará novas vítimas inocentes, sem provas claras, sem mandato da ONU, alimentando novos ódios e espirais de violência? E sendo certo que, em matéria de terrorismo nada justifica nada, e sendo também certo que, nesta matéria nada do passado absolve nada do presente, tem o Sr. Primeiro-Ministro alguma reflexão a fazer sobre as antigas relações dos EUA com Bin Laden e com as despóticas monarquias do Golfo que se não chegam ao nível dos taliban têm um sinistro cadastro de violações dos direitos humanos?
E quererá ainda o Sr. Primeiro-Ministro iluminar-nos com alguma reflexão sobre a diplomacia de princípios e de valores, as declarações do Embaixador português no Paquistão que, colocando a eficácia e a conveniência à frente dos princípios e valores, elogiou a obra do chefe da ditadura militar afirmando mesmo que neste quadro esta é a situação preferível.
E no quadro do respeito e do natural relacionamento da Administração dos EUA com os seus aliados que informações e explicações é que esta foi dando ao longo deste processo, quando inclusivamente é afirmado que os EUA começaram a utilizar a Base das Lages e só várias horas depois é que pediram autorização ao governo português!!!
Senhor Primeiro Ministro,
Há também quem fale de ataque à civilização ocidental, mas que civilização é essa para esses que pensam em termos de sangue, de vingança e de desforra e não em termos de justiça, de cooperação, de resolução política dos problemas e dos conflitos? Os mesmos que afirmam por exemplo, que Ariel Sharon fez muito bem em proibir Shimon Peres a encontrar-se com Arafat...
E ninguém está a estabelecer uma relação de causa e efeito.
Por último Sr. Primeiro-Ministro, a melhor solidariedade que Portugal pode dar ao povo americano e o melhor contributo que pode dar contra o terrorismo é com firmeza combater de facto a irracionalidade, ter uma voz autónoma e não seguidista, é tudo fazer para que se faça justiça e não vingança, para baixar e não aumentar a tensão internacional, para que a ONU tenha um papel decisivo e não subalterno, para que o respeito e a fraternidade triunfe sobre o chauvinismo e o racismo, para que a paz triunfe sobre a guerra, "sobre a opção de força indiscriminada". Como dizia ontem, em Nova Iorque um manifestante «a nossa dor não é um grito de guerra!».