1. Desde 2007, em Portugal, têm vindo a público diversas situações em bancos privados, nomeadamente no BPN, BPP, BCP e BANIF, envolvendo ou indiciando a existência de práticas e operações censuráveis de manipulação de dados e contas, fuga e branqueamento de capitais, especulação, tráfico de influências.
2. O caso BPN deve estar bem presente. Nesse processo, o povo português foi obrigado a pagar uma fatura de vários milhares de milhões de euros (e ainda não se conhece toda a sua dimensão e impactos nas contas públicas).
3. No plano da União Europeia e no quadro do debate internacional em que se procura apresentar o reforço da capacidade de regular e supervisionar o sistema financeiro como solução para os problemas verificados, o BCE e o sistema financeiro internacional criaram um conjunto de mecanismos e instituições que, apesar de deixarem intocados aspetos essenciais do funcionamento especulativo do sistema financeiro, foram apresentados como necessários para impedir o desenvolvimento e ressurgimento de novas crises e colapsos de grandes bancos com impactos sistémicos.
No quadro do projeto da chamada União Bancária, o BCE desenvolveu um conjunto de simulações, conhecidas por testes de stress, para avaliar a resistência e comportamento dos principais bancos, privados ou públicos, a diversos choques e fenómenos nos mercados financeiros e na economia. Até ao passado mês de julho, em momento algum tinha sido posta em causa, segundo o Banco de Portugal, a capacidade, resistência e saúde financeira do BES, sujeito a dois desses testes.
4. No quadro do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, a troica terá ponderado e analisado a situação do sistema bancário português sem que em algum momento tenha alertado para a situação financeira do BES ou do seu principal acionista – o GES.
5. No passado dia 29 de agosto vários ex-administradores do BCP foram condenados, em 1ª instância por práticas ilícitas de ocultação da utilização de veículos financeiros em offshore e por ocultação de contas, num processo despoletado no final de 2007.
Estas mesmas práticas foram longamente utilizadas pela Administração do Grupo BPN/SLN, conforme veio a público durante o ano de 2008, tendo sido analisadas de forma profunda pela Comissão de Inquérito Parlamentar então constituída e cujas conclusões por certo terão ajudado ao desenvolvimento da investigação, designadamente criminal, que continua a decorrer, infelizmente ainda sem conclusões ou condenações.
Passados mais de 6 anos do início do processo do BCP, existem fortes indícios de que parte significativa das entidades de topo do Grupo Espírito Santo, principal acionista de diversas empresas e instituições financeiras, com destaque para o Banco Espírito Santo, não seriam abrangidas na ação de supervisão e regulação dos mercados e sector financeiros.
Em ligação com esses processos, são públicas as referências sobre vantagens e aproveitamentos pessoais por parte de diversos acionistas e gestores, designadamente Ricardo Salgado, até julho passado CEO do BES e das holdings que geriam o universo GES.
6. As contas, entretanto tornadas públicas, revelam uma prática de financiamentos cruzados e circuito fechado no seio do próprio GES, com o BES a assumir-se como veículo de venda e disponibilização de dívida e financiamento do próprio Grupo. Uma prática corrente e habitual na gestão danosa e ilegal do Grupo BPN/SLN e que, também neste caso, esteve na base essencial da fraude financeira ocorrida neste Grupo.
7. No passado mês de maio o BES concretizou uma operação pública de subscrição de ações, no quadro do aumento de capital para fazer face a exigências de cumprimento de rácios de capital. O Prospeto da operação pública de subscrição de ações do BES, autorizada pela CMVM sem objeções e com a promoção do Banco de Portugal, apresentava um considerável conjunto de fatores de elevado risco associado ao aumento de capital e aos impactos no BES decorrentes da situação – até então conhecida – em que se encontrava o GES.
8. Foi noticiado que no passado dia 1 de agosto, o BCE decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, com efeitos a partir de 4 de agosto e que, neste quadro, o BES passou a estar obrigado a reembolsar o seu crédito de 10 mil milhões de euros junto do Eurosistema até ao fim do dia 4 de agosto.
9. Na sua reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou a criação do Novo Banco para o qual se transferiu a totalidade da atividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, SA, ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA, concentrando neste último os riscos criados pela exposição ao Grupo Espírito Santo, seu principal acionista.
Na mesma reunião deliberou-se que o Novo Banco, por força do artigo 135.º-B do RGICSF, terá como único acionista o Fundo de Resolução, tendo o Governo autorizado um empréstimo para o efeito, obrigando à utilização de 4.900 milhões de euros de fundos públicos.
10. A resolução do Banco Espírito Santo, SA ocorre após declarações do Primeiro-Ministro, membros do Governo, Governador do Banco de Portugal, entre outros, assegurando que a situação de acelerada degradação do Grupo Espírito Santo não teria impacto significativo no banco.
11. No quadro da Resolução do Banco Espírito Santo e da insolvência de entidades de topo do Grupo Espírito Santo sediadas no Luxemburgo, surgem notícias de vendas de diversas empresas e entidades do Grupo Espírito Santo, tanto no sector financeiro como no não-financeiro.
De acordo com o artigo 3.º dos seus estatutos, o Novo Banco, SA tem como objetivo a alienação dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que «herdou» do Banco Espírito Santo.
Assim, os deputados abaixo-assinados vêm requerer a sua Excelência a Senhora Presidente da Assembleia da República, ao abrigo do disposto nas alíneas a) do n.º 1 e a) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, republicada após a segunda alteração introduzida pela Lei n.º 15/2007, de 3 de Abril, a constituição de uma Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, ao processo que conduziu à aplicação da medida de resolução e às suas consequências, nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco.
A Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar, que deverá funcionar pelo prazo mais curto que permita cumprir a sua responsabilidade, não ultrapassando os 120 dias, terá por objeto:
1 - Apurar as práticas da anterior gestão do BES, o papel dos auditores externos, as relações entre o BES e o conjunto de entidades integrantes do universo GES, designadamente os métodos e veículos utilizados pelo BES para financiar essas entidades, bem como outros factos relevantes conducentes ao grave desequilíbrio financeiro do BES e à consequente aplicação a esta instituição de crédito de uma medida de resolução.
2 - Avaliar o quadro legislativo e regulamentar, nacional e comunitário, aplicável ao setor financeiro e a sua adequação aos objetivos de prevenir, controlar, fiscalizar e combater práticas e procedimentos detetados no BES e no GES, bem como outras ações no quadro do Programa de Assistência Económica e Financeira.
3 - Avaliar a ligação entre o estatuto patrimonial e o funcionamento do sistema financeiro e os problemas verificados no sistema financeiro nacional e respetivos impactos na economia e contas públicas.
4 - Avaliar as condições e o modo de exercício das atribuições próprias das entidades públicas competentes nesta matéria, desde 2008, e, em especial, a atuação do Governo e dos supervisores financeiros, tendo em conta as específicas atribuições e competências de cada um dos intervenientes, no que respeita à defesa do interesse dos contribuintes, da estabilidade do sistema financeiro e dos interesses dos depositantes, demais credores e trabalhadores da instituição ou de outros interesses relevantes que tenham dever de salvaguardar.
5 - Avaliar o processo e as condições de aplicação da medida de resolução pelo Banco de Portugal e suas consequências, incluindo o conhecimento preciso da afetação de ativos e riscos pelas duas entidades criadas na sequência das decisões anunciadas pelo Banco de Portugal no dia 3 de agosto de 2014.
6 - Avaliar a intervenção do Fundo de Resolução e a eventual utilização, direta ou indireta, imediata ou a prazo, de dinheiros públicos.
Assembleia da República, 18 de setembro de 2014