Contrariamente ao que diziam e dizem algumas teses dominantes, de que as economias estão cada vez mais desmaterializadas, a verdade é que, bem ao contrário, a produção material de bens, bens em cada vez maior número e diversidade, e com valores de uso cada vez mais complexos, e que, de patamar em patamar, vão incorporando novas e novas aquisições da Ciência e da Técnica, seja relativamente à conceção e engenharia dos produtos, seja relativamente aos processos de fabrico, uns e outros apresentando produtividade crescentes dos diversos fatores.
A transformação, em processos cada vez mais complexos, dos recursos materiais naturais, do subsolo, da floresta, da agricultura, dos recursos vivos do mar e dos rios e da aquacultura, em bens materiais, e por sua vez, a partir de alguns destes, também em bens intangíveis, tem lugar, e é bom não o esquecermos, numa enorme diversidade de indústrias transformadoras.
Embora, à medida que as economias e as sociedades se desenvolvem, e o peso das atividades terciárias vai assumindo um maior protagonismo, designadamente na EU – em termos médios, o terciário oscila pelos 70% do PIB – incorporando cada vez mais componentes intangíveis – na eletrónica e nas TIC - sempre e sempre ancoradas na componente material – o “hardware” – tal não significa qualquer perda de importância estratégica da indústria transformadora, antes pelo contrário.
Independentemente da perda de peso no PIB, no emprego, mas não no investimento e na I&D, a indústria transformadora apresenta um caráter crescentemente estruturante e insubstituível, sem o funcionamento da qual, as economias e as sociedades em geral, conforme hoje as concebemos, não sobreviveriam.
Não é pois por acaso, que a designação países industrializados, é bem sinónimo de países desenvolvidos.
É de recordar aqui, que alguns autores vêm afirmando, que embora sofrendo também o impacte do agudizar da crise do capitalismo, são os países com indústrias mais poderosas e coerentes, que melhor estão em condições de resistir a este agudizar da crise do capitalismo.
Portanto, podemos reafirmar, pois que de há muito o PCP o vem afirmando, que a existência de uma indústria transformadora sólida, com um razoável nível de adensamento da respetiva malha, e um perfil de especialização apresentando um razoável, e, desejavelmente elevado valor acrescentado, além de necessária, é estrategicamente insubstituível, constituindo uma condição necessária para a robustez da economia, sendo portanto um dos alicerces sólidos do crescimento e do desenvolvimento.
Portugal, à data da adesão à CEE, apresentava, a par da Alemanha e do Luxemburgo, em termos do seu peso relativo no produto e no emprego, uma indústria transformadora que ocupava o 2º/3º lugar, a nível dos estados-membros da então CEE a 13.
Tal facto, não significava contudo, a existência de uma indústria transformadora forte, moderna, coerente, com fileiras integradas, mas antes uma indústria com perfil de especialização pobre e de baixo valor acrescentado, com um peso elevado de setores ditos tradicionais, sustentados em baixos salários.
A indústria, em termos médios, era assim, embora, particularmente nas empresas públicas resultantes da nacionalização dos setores básicos e estratégicos em 1975, após a Revolução do 25 de Abril, terem ocorrido fortes investimentos de modernização e de aumento de capacidades produtivas, por via de múltiplos e diversificados investimentos estratégicos, concretizados quase até aos finais da década de 80 do século passado.
Contudo, Portugal precisava e precisa, obviamente de uma outra indústria transformadora, em que para além do reforço dos setores básicos e estratégicos, se comecem a desenvolver fileiras industriais tão alargadas quanto possível nas respetivas cadeias de valor, pela exploração e transformação integrada de recursos geológicos, de recursos florestais, de recursos energéticos, em que o país apresenta potenciais muito significativos e diversificados.
A negociação e a ulterior adesão de Portugal à CEE, mesmo ainda sem a instituição da UEM e o Euro, afetou profundamente a capacidade de crescimento, modernização e perfil da indústria transformadora portuguesa.
Seguidamente elencam-se alguns aspetos de total erosão, parte de um processo de desindustrialização profundo e persistente, e que tem tido lugar até aos nossos dias.
O primeiro, de caráter genérico, decorreu das exigências da CEE no quadro das negociações, antipatrioticamente aceites pelo governo português de então, e ulteriormente plasmadas no Tratado de Adesão, condições que afetaram designadamente o desenvolvimento de siderurgia integrada – recorde-se que Portugal tem as maiores reservas de ferro Europeu, praticamente intocáveis – bem como da indústria têxtil.
O segundo, é que, na decorrência de diversos acordos da CEE/EU com Países Terceiros, acordos feitos sobretudo no interesse das exportações alemães de bens de equipamento e maquinaria diversa, abriram as fronteiras europeias às importações de bens, como têxteis, vestuário, conservas de peixe, etc, oriundos de países com muito baixos custos de produção, afetando assim as indústrias nacionais produtoras desses bens.
O terceiro, de caráter ainda mais geral, diz respeito ao facto de que o grau de penetração das importações na economia portuguesa, mantendo-se razoavelmente estável, pelo menos desde o princípio dos anos 50 do século passado, rapidamente duplicou após a adesão de Portugal à CEE, nunca mais baixando desde aí.
O quarto, é que sendo o peso do produto industrial de cerca de 30% do PIB à data de adesão, hoje constitui somente de 12/13% do PIB.
Naturalmente que todos os males que aconteceram à indústria transformadora portuguesa, não podem ser de forma alguma, exclusivamente associados à CEE, embora tal adesão e permanência, nos planos político, económico, financeiro e ideológico, tenham tido um papel catalisador.
De facto, o papel dos sucessivos governos portugueses na prossecução de uma verdadeira política anti-industrial, foi relevante.
Primeiro, porque conseguiram a proeza de ter taxas de desindustrialização em Portugal, particularmente nas décadas de 80 e 90 do século passado, várias vezes superior à taxa média de desindustrialização na CEE/EU.
Segundo, porque foram brilhantes e pressurosos agentes, na concretização da moda da era post-industrial, da moda de que a indústria era coisa do passado, mas somente para os países da periferia da EU, que não os do centro.
Terceiro, porque promoveram a privatização e ulterior desnacionalização das empresas industriais básicas e estratégicas, tais como na química orgânica e inorgânica pesada, na siderurgia, na metalomecânica pesada, na indústria naval, na indústria de equipamentos energéticos e ferroviários, nas metalurgias de base, etc., etc., promovendo por essa via, um claro empobrecimento do nosso perfil industrial.
Por outro lado, é uma evidência, como já atrás afirmámos, que o peso da indústria transformadora tem decrescido em todos os países desenvolvidos, designadamente da EU.
Tal processo, tem a ver, no essencial, com dois fenómenos quase simultâneos. Por um lado, o aumento generalizado da produtividade na indústria transformadora, devido, no fundamental, a novos processos de organização das empresas e à crescente automatização e automação de processos, seja em indústrias de processo – químicas e metalúrgicas - seja nas indústrias de montagem. Por outro lado, a deslocação para a Ásia e a América Latina, de indústrias básicas, tais como a siderurgia e a grande construção naval, acentuaram esta tendência.
Contudo, a EU continua a ser um espaço económico muito industrializado, e com indústrias das mais avançadas a nível mundial, exceto no que concerne as TIC e as indústrias ditas de defesa, em que os EUA estão na dianteira.
O caso português, mesmo com uma natural modernização, devido ao desenvolvimento geral, em termos de produtos, processos e formas de gestão de muitas atividades, designadamente as tradicionais, para além do decréscimo no PIB, emprego, continua com um perfil industrial muito insatisfatório.
O foco do nosso seminário é a UEM o euro e os constrangimentos que estes provocam.
Relativamente à indústria transformadora portuguesa, particularmente a adesão à zona euro, veio agravar significativamente o quadro, que, em traço grosso, atrás apresentámos.
Uma moeda forte e valorizada como o euro, tem constituído um obstáculo objetivo à erosão das exportações portuguesas, as quais, devido ao tipo de produtos dominantes, perderam quota de mercado nos mercados internacionais, particularmente nos mercados extra-EU.
No período pós adesão à zona euro, o défice da balança de mercadorias cresceu significativamente e tem rondado os 10/11% do PIB, défice gerador estrutural da dívida externa, e que constituiu o catalisador da situação que desembocou, no eufemisticamente designado Memorando de Entendimento, que pela via dos entraves colocados ao investimento, está a destruir a prazo o já débil aparelho industrial nacional.
O aumento do seu peso na economia, bem como da melhoria do perfil de especialização de uma modernizada indústria transformadora, designadamente através do acréscimo da produção de setores de médio-alta e alta tecnologia, do desenvolvimento de fileiras industriais baseadas em recursos naturais endógenos e geradores de alto valor acrescentado nacional, da continuação da modernização, designadamente em termos de inovação dos produtos de setores tradicionais, como a têxtil, o vestuário, o calçado, o mobiliário, etc, constitui uma exigência nacional.
A reanimação de indústrias estratégicas, como a construção naval e ferroviária, a indústria aeronáutica, a siderurgia integrada, as metalurgias do cobre, do zinco, do tungsténio, algumas químicas pesadas e a indústria farmacêutica, setores e atividades em que o Estado deve ter um papel determinante, constitui outra linha de desenvolvimento.
Estas muito breves propostas, inserem-se harmoniosamente no quadro da política patriótica e de esquerda, que o PCP vem propondo ao país, neste caso a valorização e defesa da produção nacional.