Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral , Audição pública

Os horários de trabalho e o combate à desregulação

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Caros amigos,
Caros convidados,

Queria saudar a vossa participação nesta audição, promovida pelo Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República, sobre os horários de trabalho, questão tão importante para os direitos e para a vida dos trabalhadores e agradecer todos os contributos dados nas vossas 22 intervenções vindas de sectores tão diversos.

A política de exploração e empobrecimento posta em prática no nosso País ao longo de décadas e, em particular, pelo anterior governo resultou numa perda muito acentuada do emprego, na aplicação de medidas de redução massiva dos rendimentos do trabalho, de que são exemplo: - cortes salariais, congelamento dos salários e das progressões profissionais, redução do pagamento das horas extraordinárias, acentuada desregulação dos horários e mesmo no aumento da duração semanal de trabalho, particularmente na Administração Pública, redução de dias de férias e feriados, na generalização da precariedade e representou uma grave regressão laboral e social, uma tragédia para muitos portugueses. Às vezes surgem estatísticas e relatórios de entidades internacionais a provar que a repartição da riqueza entre o capital e o trabalho é cada vez mais injusta e maior o fosso entre pobres e ricos. Nunca dizem qual a causa, nem os causadores!

Nesta nova fase da vida política nacional, na nova correlação de forças existente na Assembleia da República, apesar dos constrangimentos e limitações resultantes do domínio do capital monopolista e da dependência externa, das opções do Governo minoritário do PS e da atribulada acção do PSD e do CDS, já foi possível avançar na reposição de direitos de que são exemplo, entre muitos outros, a reposição dos feriados, das 35 horas na Administração Pública para todos os trabalhadores a quem foram retiradas em 2013, no combate à precariedade, no aumento do Salário Mínimo Nacional e das pensões de reforma embora de forma insuficiente.

Mantêm-se porém muitos problemas a carecerem de resposta desde logo no plano dos direitos dos trabalhadores e da legislação laboral. Por exemplo, as nossas propostas para defender a contratação colectiva e o fim da sua caducidade, bem como o tratamento mais favorável ao trabalhador foram recusados por PSD,CDS e PS.

A questão dos horários de trabalho é de grande importância e significado.

O horário de trabalho, a sua fixação e cumprimento, o respeito pelos tempos de descanso, as respectivas condições de pagamento e de compensação, e a sua articulação com a vida familiar, pessoal e profissional são matérias que assumem uma enorme actualidade.

Nos dias de hoje, estas matérias representam mesmo um dos alvos de maior ataque por parte do patronato e por consequência de mais firme e corajosa luta e reivindicação dos trabalhadores.

Há mais de 150 anos, a Associação Internacional dos Trabalhadores apresentou a reivindicação universal dos três 8x8x8 – oito horas de trabalho diário, oito para lazer, convívio familiar e cultura, oito para dormir e descansar – que esteve na base da criação de nova uma jornada de trabalho que constituiu o marco histórico de uma sociedade mais justa e socialmente saudável.

A este avanço civilizacional, o capital foi resistindo e respondendo com instrumentos ardilosos para tornear e afastar a lei, transformando todo o período normal de trabalho em tempo de trabalho efectivo, eliminando pausas, inventando as mais diversas “flexibilizações” e aumentando por esta via a intensidade e ritmos de trabalho.

Depois do percurso histórico de lutas que conquistaram as 8 horas diárias de trabalho e 40 horas semanais em cinco dias, os trabalhadores enfrentam desde há vários anos o desafio de resistir à regressão de direitos.

Sob a capa da urgência na melhoria da competitividade que nunca passará por aí, sucessivas alterações à legislação laboral resultaram sempre em degradação dos direitos dos trabalhadores, corporizando novos conceitos, que apenas recuperam velhas ideias de desumanização do trabalho (adaptabilidades, bancos de horas, entre outros).

Ao mesmo tempo a situação degradou-se profundamente na prática da vida dos trabalhadores, com cerca de 75% a serem atingidos pelas adaptabilidades de horários, pelo recurso abusivo ao trabalho por turnos e ao trabalho nocturno, pela generalização do desrespeito e do prolongamento dos horários, com consequências profundamente negativas, como aqui foi referido.

O PCP considera que os avanços civilizacionais nos domínios técnico e científico - que permitem que hoje se possa produzir mais, com melhor qualidade e em menos tempo - são uma conquista da Humanidade e dos trabalhadores, e não do capital.

É, assim, inadmissível que sejam postos ao serviço do agravamento da exploração e da acumulação dos lucros e não dos trabalhadores, da melhoria das suas condições de vida, da compatibilização da vida profissional com a vida privada e familiar, do progresso e da justiça social.

O PCP considera, quando tanto se fala de desenvolvimento tecnológico, economia digital, inteligência artificial, industria 4.0, para justificar novos ataques, prolongamentos de horário e até para não haver regras nos horários de trabalho, que é então ainda mais a hora de assumir a redução dos horários de trabalho e o seu respeito.

O PCP, em matéria de tempo de trabalho, defende:

Primeiro. O combate à desregulação do horário de trabalho, o respeito pelos seus limites diários e semanais, a garantia de dois dias de descanso semanal e a revogação das normas que instituem sistemas de bancos de horas e de adaptabilidade, grupal ou individual, e o combate ao prolongamento da jornada diária com o abuso do trabalho extraordinário, muitas vezes não remunerado, tendo sobre estas matérias avançado já com iniciativas na Assembleia da República.

Segundo. Depois da grande vitória que foi reposição do horário de 35 horas semanais na Administração Pública, que ele seja aplicado a todos os trabalhadores seja aos trabalhadores da Administração Pública que ainda não o têm, seja na redução dos horários de trabalho para as 35 horas semanais, sem perda de remuneração nem de outros direitos, no sector privado, designadamente como contributo para criar postos de trabalho e combater o desemprego.

Importa aliás aqui sublinhar que a redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais, para todos os trabalhadores, coloca a necessidade de mais 440 mil trabalhadores para cumprir as mesmas horas de trabalho anuais, com igual produtividade, ao mesmo tempo que cada trabalhador faria menos 240 horas de trabalho por ano.

Não é aspecto pouco importante no combate ao desemprego e na criação de postos de trabalho.

Terceiro. A melhoria legal do trabalho em regime de turnos, atendendo aos seus riscos para a saúde dos trabalhadores, tal como está inscrito no Projecto-lei que o PCP apresentou e que está à consideração dos trabalhadores, esteve aqui nesta audição e está para o pronunciamento no âmbito da discussão pública.

Sobre esta matéria importa dizer aqui um pouco mais.

É incontestável que o trabalho diurno é o trabalho adequado ao ser humano, e que o trabalho nocturno, de uma maneira geral, é causa de graves danos. Porque o organismo funciona em estado de desactivação, investigações científicas mostraram já que o trabalho nocturno exige um esforço suplementar; que o sono em estado de reactivação diurna é um sono mais curto (cerca de 2 ou 3 horas a menos do que o sono de noite) e de uma qualidade menor; e que o trabalho nocturno provoca perturbações de sono, vigílias frequentes e outras perturbações neuro-psíquicas, irritabilidade, agressividade, esgotamentos, astenia, tendências depressivas, entre outros problemas de saúde, incluindo de natureza oncológica.

O princípio e a lei devem, pois, partir da afirmação da excepcionalidade do trabalho por turnos e do trabalho nocturno.

Limitação do trabalho nocturno e por turnos às situações que sejam, técnica e socialmente justificadas, desde que sejam garantidas condições de segurança, de protecção da saúde, de garantia de protecção da maternidade e paternidade, de infraestruturas e serviços sociais compatíveis com este tipo de horários de trabalho e sejam fixados, por negociação e contratação colectiva, subsídios e compensações adequados aos trabalhadores abrangidos;

O conceito de trabalho nocturno deve ser clarificado, fixando esse período das 20h às 7h do dia seguinte; bem como deve estabelecer-se, relativamente ao trabalho nocturno, que nesse caso, independentemente da posição geral do PCP contra a desregulação dos horários de trabalho, não deve ser praticada a adaptabilidade dos horários de trabalho.

Na organização do trabalho por turnos, importa fixar algumas regras que impeçam abusos na aplicação do sistema de turnos 3x8; estabelecer para este sistema a redução semanal do horário de trabalho.

Nos casos de dias de descanso rotativos, importa estabelecer a periodicidade no seu gozo mesmo ao sábado e domingo; estabelecer ciclos curtos para a equipa nocturna e criar para os trabalhadores nocturnos mais um intervalo de descanso, além do já consagrado, no período de especial sonolência.

Sem prejuízo da reposição das condições de pagamento das indemnizações por despedimentos, garantindo condições mais favoráveis aos trabalhadores, propomos que no imediato seja contabilizado para efeitos do cálculo de compensação por despedimento, o subsídio de turno.

Uma atenção especial deve ser dada às normas que garantam a saúde e a segurança dos trabalhadores, determinando-se exames necessários, com uma periodicidade de 6 meses.

Para além das regras especiais que protegem os menores e a maternidade, impõem-se exames e garantias especiais para as mulheres, nomeadamente através do rastreio do cancro da mama.

O estabelecimento do valor mínimo de subsídio de turno, garantindo a sua existência e estimulando de forma generalizada a sua fixação e valorização nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

O reconhecimento do direito a uma antecipação da idade de reforma, devido ao desgaste e penosidade deste tipo de prestação de trabalho, considerando o estabelecimento dum valor acrescido das contribuições para a Segurança Social a pagar pela entidade empregadora face às exigências que são colocadas pela compensação aos trabalhadores relativa ao trabalho por turnos.

O reconhecimento do direito a sair do regime de turnos, passando para o horário diurno, após trabalhar 20 anos neste regime ou quando o trabalhador tiver 55 anos de idade de trabalho em regime de turnos, sem perda do subsídio que usufrui à data, sem prejuízo das condições mais favoráveis consagradas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Com este projecto de lei, o PCP reconhece as características penosas específicas deste regime de trabalho e propõe medidas de limitação, salvaguarda e reparação dos seus efeitos.

A questão dos turnos e do trabalho nocturno, bem como o combate à desregulação dos horários e a redução do horário de trabalho, são aspectos que inserimos na política patriótica e de esquerda, na valorização do trabalho e dos trabalhadores, um eixo essencial de uma política alternativa, objecto e condição do desenvolvimento e do progresso social.

A sua concretização exige a par de avanços relativos ao horário de trabalho outras importantes medidas: - criar postos de trabalho, travar a sua destruição e combater os despedimentos; assegurar a protecção no desemprego; melhorar o poder de compra dos salários, com o aumento geral dos salários e o aumento do salário mínimo nacional para os 600 euros; acabar com os bloqueios à negociação colectiva e repor os direitos postos em causa pelo Código do Trabalho e pela legislação laboral da Administração Pública; assegurar a estabilidade e a segurança e eliminar a precariedade; garantir condições de trabalho dignas, incluindo a qualidade do emprego e a formação profissional; garantir um combate efectivo à violação da legislação laboral seja pelo reforço da eficácia da acção da ACT seja pela agilização da justiça no plano laboral; promover o investimento num perfil económico assente em mão-de-obra qualificada; ter direitos individuais e colectivos desenvolvidos e efectivos; combater as políticas anti-laborais da União Europeia.

Para isso é decisiva a intervenção do PCP partido dos trabalhadores com que estes sempre podem contar. Mas é decisivo o desenvolvimento da acção reivindicativa, da luta dos trabalhadores, pois é a sua unidade, organização e luta que decide da defesa dos seus interesses de classe, que decide na actual situação de prosseguir e levar mais longe a defesa, reposição e conquista de direitos.

Mais uma vez agradecemos a vossa presença e mais uma vez reafirmamos que podem contar com o PCP, porque o nosso primeiro e principal compromisso é com os trabalhadores e o povo. Também o PCP conta com os trabalhadores e as suas organizações representativas neste combate pela dignificação e valorização do trabalho e dos trabalhadores, e por uma sociedade mais justa, humana e progressista.

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