Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Governo tem uma postura de servilismo perante a troika e as suas determinações

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Declaração política tecendo críticas ao Governo por não ter concedido «tolerância de ponto» aos funcionários públicos na terça-feira de Carnaval
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O Governo quis fazer o papel do «bom aluno» da troica e cortar o Carnaval aos portugueses, mas perdeu essa batalha.
Quis tirar mais um feriado aos trabalhadores, mas o País demonstrou que não é um fantoche na mão do Governo e que não está disposto a acatar as ordens de quem se quer impor
perante o povo, mas nunca levanta a voz perante a troica.
O Governo não deu «tolerância de ponto», mas foi feriado em Portugal.
Por todo o País, nas autarquias, nos transportes públicos, na CP, no Metro, na RTP, na TAP, na ANA, nos CTT, na Imprensa Nacional, na Águas de Portugal, em muitas empresas privadas, as portas estiveram fechadas ou o trabalho foi organizado e pago, como o seria durante um feriado, como, aliás, o é a terça-feira de Carnaval, em muitos contratos coletivos de trabalho.
O Governo perdeu a batalha e foi, ainda, o alvo do escárnio típico de uma altura carnavalesca, que trouxe ao entrudo a luta e a revolta de um povo que, tendo um Governo vergado, não lhe quer seguir os passos. Essa batalha perdeu também a Assembleia da República, com a decisão da Sr.ª Presidente (apoiada pelo PSD, pelo CDS e pelo PS), ao colocar-se a reboque do Governo e em contramão com o País.
O País seguiu os corsos em luta e protesto, demonstrando que o Governo deveria estar mais preocupado com os mais de 1,2 milhões de portugueses que não podem trabalhar, porque estão no desemprego, do que com aqueles que gozam o feriado de Carnaval.
E outras batalhas perderá o Governo se persistir neste caminho da arrogância típica de quem se mostra muito forte perante o povo, mas sempre muito servil ante os senhores do dinheiro.
A situação em que o País se encontra, a degradação acentuada da qualidade de vida dos portugueses, a desvalorização dos salários, os roubos nos subsídios, o alastramento da
pobreza, o crescimento galopante do desemprego, agravado pelo vasto desemprego entre jovens, o aprofundamento da recessão económica são elementos que ilustram o resultado de anos e anos de políticas de direita, protagonizadas ora pelo PS, ora pelo PSD, com ou sem o prestável amparo do CDS.
Porém, resulta da reunião de ontem com a troica que, para estes senhores, estes técnicos do FMI e da União Europeia, tal como para o PS, o PSD e o CDS, não são as opções de
desmantelamento do aparelho produtivo, a corrupção, a privatização de todas os sectores fundamentais da nossa economia, a destruição das pescas, da agricultura e da indústria, a concentração da riqueza, a reconstituição dos monopólios que representam um perigo para o nosso País. Não! Para estes senhores, o que representa um perigo é a luta das populações, a luta dos trabalhadores, o levantamento espontâneo, mas esclarecido, daqueles que empobrecem a trabalhar ou que não podem trabalhar, porque estão no desemprego.
E desta avaliação não podemos retirar o Partido Socialista.
Depois de ter feito parte do coro dos inflexíveis e de ter rejeitado liminarmente a exigência do PCP para a renegociação dos prazos, montantes e juros da dívida, eis que agora se apresenta como defensor — ainda que tímido — do alargamento dos prazos previstos no pacto de
agressão das troicas. Mas é preciso dizer que o PS defende mais tempo, apenas e só, para aplicar exatamente as mesmas medidas!
PSD, PS e CDS colocam-se, afinal, na posição de sempre: do lado dos grandes interesses, constituindo esse arco parlamentar da desgraça que quer, ainda que sem o assumir, conduzir o País para a situação em que a Grécia já se encontra. São estes os responsáveis pelo caminho para o abismo e para a bancarrota que o País está a trilhar — PS, PSD e CDS aplicam dedicadamente a receita que falha na Grécia e falhará em Portugal, como já hoje se sente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É ofensiva a desfaçatez com que se anuncia que a avaliação do programa é «positiva». O PSD, o CDS e a troica rejubilam com os sucessos, mas que sucessos são esses?!
Os 14% de desemprego? O crescimento da dívida externa? A desvalorização dos salários e pensões? O aumento incomportável dos preços? A destruição do serviço público de arte e cultura, do Serviço Nacional de Saúde e do sistema educativo? A quebra no consumo interno e o empobrecimento de vastas camadas da população ou o encerramento de empresas, umas atrás das outras?
A insensibilidade social e humana por detrás das palavras da troica, do PSD e do CDS são a ilustração de que o sucesso do pacto, o sucesso do programa da troica é o falhanço do País!
A necessidade de renegociação da dívida afirma-se cada vez mais e com mais evidência, porque está bem demonstrado que não há limites para a austeridade e para o roubo neste
pacto de agressão, a não ser aqueles que nós próprios — portugueses — viermos a impor-lhe.
Ao contrário do que afirmam PSD, PS e CDS, este não é o caminho do pagamento da dívida, mas, sim, o do seu incumprimento.
Mas este é, também, o caminho que convém aos grandes interesses
económicos, aos autores e beneficiários desta agenda ideológica que nos é imposta, materializando o mais profundo e rude ataque às conquistas de Abril de que há memória. Para esses, Portugal pagará a dívida com a servidão de um povo inteiro — como se a dignidade de um povo fossem juros da dívida —, e é preciso dizer «não» a esse caminho de desgraça que ensombrou a vida dos portugueses durante 48 anos de ditadura!
«Piegas», Sr. Primeiro-Ministro, é quem «fala grosso» para baixo mas «fininho» para cima!
E corajosos não são os governantes ou os mandantes da troica internacional, que enchem o peito perante aqueles que empobrecem a cada mês, perante os jovens desempregados, os trabalhadores da Administração Pública ou do privado, mas, sim, aqueles que estão dispostos a lutar para travar este rumo de destruição e de afundamento nacional!
É urgente assumir que, a cada dia que passa sob a sombra do Memorando, se perdem direitos, se perde vida, trabalho e salários e que a vitória de Portugal não é a vitória da troica, mas antes a sua derrota! É urgente resgatar a soberania e a democracia, que sofre sob o peso das fortunas acumuladas à custa do trabalho do nosso povo.
É nessa luta que está e estará o PCP!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Se me permite uma nota prévia, eu gostava de dizer que, sempre que se fala deste pacto de agressão ao povo português, das troicas e das medidas que estão a ser tomadas pelo Governo, há uma ausência que, praticamente, enche toda a Sala: essa ausência é provocada por um silêncio, o silêncio dos culpados!
Refiro-me aos partidos da troica nacional — PSD, PS e CDS —, que, para evitarem ser confrontados com os resultados objetivos das suas políticas, com a degradação das condições de vida das pessoas que atacam diariamente, se calam e se furtam ao debate!
Sr. Deputado, sobre as questões concretas que colocou, da parte do PCP, não temos qualquer ilusão sobre as verdadeiras intenções do Governo em não dar «tolerância de ponto» na terça-feira de Carnaval. É uma medida que preenche dois requisitos: em primeiro lugar, é uma medida demagógica para mostrar serviço àqueles que o Governo escolheu como seus «patrões» — a troica ocupante, a troica estrangeira; em segundo lugar, é uma medida que visa, ao fim e ao cabo, roubar mais um dia de descanso, atacando o direito ao lazer e ao descanso dos trabalhadores portugueses.
Não é, de todo, uma medida para garantir qualquer espécie de equilíbrio das contas públicas. Aliás, tratase de uma medida que, em muitos casos, resulta precisamente no sentido inverso, numa deterioração da dinâmica económica, em particular das economias locais que estão, em grande parte, interligadas com a dinâmica do feriado de Carnaval e com as suas comemorações, que são tradicionais em muitas regiões do nosso País.
Sobre a segunda questão que colocou, Sr. Deputado José Luís Ferreira, devo dizer que o projeto do Partido Ecologista «Os Verdes» para a consagração da terça-feira de Carnaval como um feriado obrigatório é de assinalável justiça, porque se limita a consagrar na lei uma prática, uma tradição do povo português consubstanciada ao longo de vários anos.
Portanto, garantir o direito ao descanso, ao lazer e às comemorações dessa tradição é, obviamente, uma medida que merece todo o apoio do PCP.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
De facto, durante o dia de ontem, tornou-se evidente que o povo português não só não acatou o comando que o Governo pensava deter como respondeu, na ampla participação popular que carateriza o Carnaval, de uma forma ainda mais marcada e cunhada por uma dimensão política de luta, de protesto, utilizando também o Carnaval como um espaço e um dia de expressão desse descontentamento.
O Governo e as suas políticas foram, claramente, o alvo desse descontentamento e dessa revolta das populações, que encontraram no Carnaval, também, uma forma de expressão nas ruas do nosso País.
É óbvio que o Governo, apesar de não ter decretado a «tolerância de ponto», não evitou a comemoração do feriado.
O «bom caminho», Sr. Deputado, de que, aliás, também falei na declaração política que proferi, é precisamente a ilustração mais assombrosa do discurso da troica, do PSD, do PS e do CDS. Considerar que o pacto de agressão está a produzir os efeitos que eram desejados e que o País está no «bom caminho» para cumprir esse pacto é assumir que os objetivos estabelecidos no Memorando, nestas imposições da troica, são precisamente a ampliação do desemprego, a diminuição dos direitos laborais dos trabalhadores portugueses, a recessão económica, a quebra no consumo, a desvalorização do trabalho, a precarização das relações laborais e todas as questões que, aliás, acabou de enumerar também.
Assumir isto é mostrar à exaustão que o sucesso deste pacto é a derrota do nosso País; por oposição, a vitória do povo português rumo ao crescimento, rumo a um futuro, na defesa das conquistas de Abril, é precisamente a derrota destas imposições, deste pacto de agressão e dos seus protagonistas.
Disse bem o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares quando fez uma alusão a um regresso ao passado, porque esse é, de facto, o principal objetivo: reconstituir relações, monopólios e privilégios que estes partidos, estes protagonistas e os grandes interesses económicos em Portugal nunca aceitaram ter perdido com as grandes conquistas do povo em 25 de abril de 1974. Tamanhas foram essas conquistas que, 36 anos depois, estes partidos ainda tentam destrui-las, mas elas subsistem com o apoio do povo e a luta e a resistência dos trabalhadores portugueses.

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