A Constituição estabelece que o Serviço Nacional de Saúde é o instrumento essencial para a concretização do direito à protecção da saúde de toda a população. Apesar das dificuldades resultantes de muitos anos de uma política de desvalorização e desinvestimento, é o Serviço Nacional de Saúde que continua a garantir a prestação da esmagadora maioria dos cuidados sanitários, seja qual for a sua complexidade ou a condição sócio-económica do utente, ao contrário dos grupos privados que vêem na saúde apenas um negócio.
Apesar disso, são evidentes as crescentes dificuldades dos serviços públicos de saúde para responder atempadamente, com qualidade e segurança às solicitações dos utentes. A instabilidade das urgências de ginecologia e obstetrícia - e também já de urgências gerais - ou a falta de médicos de família, são apenas a face mais visível destas dificuldades, cuja responsabilidade é de sucessivos governos do PS, PSD e CDS.
As declarações do Governo e de responsáveis do Ministério da Saúde indicam claramente que está em preparação, tal como já aconteceu no passado, uma nova vaga de encerramentos e concentração de serviços com efeitos desastrosos na acessibilidade das populações.
Perante as dificuldades, o Governo continua a recusar as medidas necessárias e urgentes para a recuperação do SNS. Não se trata de distracção ou incapacidade, mas de uma inércia destrutiva que visa objectivamente o enfraquecimento do Serviço Nacional de Saúde e a preparação do terreno para uma maior dependência e transferência de recursos para os grupos privados.
De facto, assim é.
O Governo fez publicar há poucos dias um diploma anunciando instrumentos para valorizar o trabalho em urgência e reduzir o recurso a prestadores de serviços. Sublinhe-se que o verdadeiro problema, a que esta medida não responde, é a falta de profissionais, nomeadamente médicos e que sobre esta questão o Governo pouco ou nada tem feito. Esta legislação não só é uma tímida resposta face à gravidade da situação, como incluiu uma norma travão, ontem mesmo reafirmada, para impedir que a despesa nesta rubrica ultrapassasse os valores despendidos, em 2019, em cada hospital. Situação imediatamente denunciada pelas organizações sindicais dos médicos e pelos administradores hospitalares.
Entretanto, a Lei de Bases da Saúde foi publicada há quase três anos sem que o Governo tenha promovido a sua regulamentação neste período, através do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Foi finalmente aprovado há quase um mês em Conselho de Ministros e ainda não foi publicado. Pior do que isso é que, a manter-se o fundamental do que constava no documento colocado em discussão pública, o novo Estatuto poderá ser um retrocesso em relação à Lei de Bases da Saúde, consolidando a abertura a uma maior entrega de recursos aos grupos económicos privados.
Quanto ao estatuto dos profissionais, mantém-se a resistência do Governo em incluir na agenda das negociações a necessária valorização da grelha salarial e outras condições de valorização das remunerações dos trabalhadores da saúde. Em simultâneo, o Governo empurra sistematicamente para diante o processo negocial, legitimando a suspeita de que quer adiar ou limitar a aplicação de medidas que verdadeiramente valorizem estes profissionais, o que terá efeitos destrutivos nos serviços públicos de saúde.
Num quadro em que na União Europeia avançam políticas no sentido de uma ainda maior mercantilização da saúde e em que, no plano nacional, se acentua a pressão dos grupos económicos e dos partidos de direita – PSD, CDS, IL e Chega - para uma maior privatização dos cuidados, a postura do Governo favorece claramente estes objectivos. Entre engordar o excedente orçamental e resolver os problemas do SNS o Governo opta pelo primeiro caminho.
Quisesse o Governo inverter o caminho de enfraquecimento dos serviços públicos de saúde e tomaria medidas no sentido de os valorizar, designadamente:
- A apresentação imediata às organizações sindicais de uma proposta de incremento significativo da grelha salarial dos trabalhadores da saúde e de valorização acentuada das carreiras, factores essenciais para a fixação e atracção de profissionais para o SNS.
- O reforço imediato do orçamento da saúde, permitindo uma gestão adequada das unidades e o aumento do investimento em instalações e equipamentos para os serviços públicos desta área.
- A retirada imediata da norma travão incluída no recente diploma de valorização das horas extraordinárias nas urgências hospitalares.
O PCP não desiste de exigir o fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde e apela aos profissionais e às populações para que continuem a lutar por melhores condições no acesso à saúde em Portugal. Só com o Serviço Nacional de Saúde é possível garantir saúde para todos. É preciso e é possível salvá-lo! Com a luta dos utentes, dos profissionais e a intervenção do PCP.