Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Governo continua o ataque ao poder local e ás regiões autónomas"

Senhora Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

É muito sintomático que neste debate o Governo e a maioria tenham pretendido amalgamar a matéria das finanças locais e das finanças das regiões autónomas. São questões institucionalmente distintas. Mas para o Governo é tudo o mesmo. Trata-se de impor o centralismo como política do Estado. Trata-se de esmagar a autonomia financeira das autarquias locais e das regiões autónomas. É tudo muito claro: de um lado estão o Governo e a troika. Do outro lado, estão as regiões, as autarquias, as populações. De um lado está a recessão forçada e o objetivo de redução do défice custe o que custar, do outro lado estão os objetivos de desenvolvimento equilibrado do país e as preocupações com o bem-estar social. De um lado estão a troika e o Governo, do outro estão o povo e o país.

A proposta de lei das finanças locais assume, sem mais, o propósito da total liquidação da autonomia financeira das autarquias locais. É uma proposta contra as populações, contra o poder local, de negação do direito ao desenvolvimento local; amarrada aos objectivos do Pacto de Agressão da troika, de empobrecimento do país e de ruína dos portugueses; em total desprezo para com as necessidades do povo e do seu direito ao bem-estar, de abandono e condenação de vastos territórios e regiões do País ao atraso e subdesenvolvimento; dirigida ao duplo objetivo de impor a asfixia financeira e de institucionalizar uma ilegítima ingerência na autonomia local por via de uma efetiva tutela de mérito e integrativa; cinicamente apresentada como destinada a acabar com a «dependência do imobiliário» mas consagrando de facto, como réstia de sobrevivência, uma arquitetura financeira que terá no imobiliário a principal fonte de receita; concebida para prolongar à força no plano local o saque fiscal (e tarifário) e a redução abrupta da prestação de serviços e funções públicas; integrando um volume de transferências que corresponderá a um corte de ¼ do seu montante (mais de 500 milhões de euros) e à sua fixação em valor inferior ao de 2007; assumindo arbitrariamente o principio de que a lei tem o “valor “ que a cada momento os governos entenderem e que é para ser cumprida ou não segundo esse entendimento.

Articulada com outros instrumentos de liquidação do Poder Local – Proposta de Lei de Atribuições e Competências, Liquidação de freguesias, Lei dos Compromissos, Orçamento de Estado e Leis de Execução Orçamental, Legislação sobre pessoal dirigente e sector empresarial local – a proposta de Lei de Finanças Locais constitui um passo qualitativo nesse percurso.

Em termos financeiros a proposta reduz drasticamente a participação dos municípios e das freguesias na partilha de recursos públicos e ao afetar o acréscimo da cobrança do IMI decidida pelo governo no processo de reavaliação predial (e que constitui um saque fiscal ainda de consequências imprevisíveis) não para os municípios (nem sequer consignadamente para “consolidação orçamental” como até agora já abusivamente estava previsto) mas, sim, para criar um Fundo de Apoio de resgate dos municípios em insolvência, o Governo não só atira os municípios para a falência como põe os que ainda não estão falidos a pagar o seu resgate.

No plano das finanças das regiões autónomas, o que o Governo PSD/CDS propõe é o regresso à Lei das Finanças Regionais de 2007 do Governo Sócrates, cuja aprovação levou à demissão do Governo Regional da Madeira e à convocação de eleições antecipadas nessa Região, e a revogação da Lei das Finanças Regionais de 2010 que obteve um amplo consenso nesta Assembleia, com a ativa participação dos partidos da atual maioria. Vamos assistir agora a um debate paradoxal. O PSD e o CDS a propor uma lei igual à que tanto criticaram e o PS a criticar o regresso à lei que em 2007 propôs e fez aprovar.

A Proposta de Lei do Governo sobre Finanças Regionais é parte integrante da política de saque fiscal, de empobrecimento das populações, de comprometimento do direito ao desenvolvimento e progresso regionais e de ataque à democracia.

Inscrita no Pacto de Agressão assinado em Junho de 2011 e na linha do que o governo PS/Sócrates já havia ensaiado com a Lei de 2007, esta proposta de lei visa dar um novo e mais acentuado passo na redução do volume de transferências para as regiões autónomas , nos mecanismos de ingerência e na limitação da autonomia regional.

A Lei Orgânica 1/2010, atualmente em vigor, corrigiu em matérias significativas o que de mais grave havia sido consagrado na Lei Orgânica 1/2007 tendo por isso contado com o voto favorável do PCP. Esta proposta de lei será um grande passo atrás, nas relações entre Estado e as Regiões autónomas; nas obrigações e princípios respeitantes à autonomia e à observação dos Estatutos politico-administrativos; no que dispõe sobre as transferências financeiras, respetivos montantes e componentes de cálculo; no correspondente a disposições em matéria fiscal.

O PCP opõe-se frontalmente a estas propostas de lei e empenhar-se-á, na especialidade, para que os seus aspetos mais negativos venham a ser alterados.

Disse.

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