Queridas Helena e Carolina
e demais familiares da Celeste,
queridos camaradas, estimados amigos,
a nossa Celeste partiu, mas a memória que dela guardamos e o seu exemplo permanecerão bem vivos para continuarmos a luta que também foi dela. Os que com ela conviveram e que a conheceram de perto, conhecerão certamente igualmente bem as suas qualidades. A resistência que sempre evidenciou perante as adversidades (não foram poucas). A sua tenacidade, a sua perseverança, a sua afabilidade e uma imensa generosidade.
Terá sido, talvez, essa generosidade que a inspirou naquele gesto que para sempre a marcaria, e nos marcaria também a nós, quando, naquela manhã de 25 de Abril de 1974, a mandaram para casa, para junto da família, da filha e ela quis ir ao encontro da revolução que desejava e quando lhe pediram algo, distribuiu um cravo. E assim foi seguindo do Chiado à Igreja dos Mártires, distribuindo cravos pelos soldados. Com esse gesto simples que tornou a Revolução de Abril para sempre e em todo o mundo, conhecida como a Revolução dos Cravos.
Esta história ela tê-la-á contado centenas senão mais vezes ao longo da vida, não só nas entrevistas que ia dando, mas sobretudo nas escolas a que foi tanta vez, como a Carolina há pouco dizia, que era aquilo que ela verdadeiramente gostava. Depois de ter semeado os cravos nos canos das espingardas, andar a semear os cravos entre as crianças. Desde a mais tenra idade, testemunhei-o na primeira pessoa, o interesse e a avidez com que tantas crianças seguiam a história que ia contando sobre o 25 de Abril.
Essas qualidades que que marcaram e que nos marcaram estiveram presentes até ao fim. Guardaremos deste último ano momentos que lhe foram particularmente gratos, sabemos, e que por isso, também nos foram a nós particularmente gratos. A Maria José há pouco lembrava que nos últimos anos ela foi dizendo que só esperava que conseguisse chegar à Avenida nos 50 anos do 25 de Abril. Conseguiu e desceu-a connosco, já debilitada enfrentando muitas dificuldades, mas não deixou de o fazer e é nos particularmente grato que lhe tenha sido possível viver esse momento.
O outro foi a Festa do Avante! deste ano também, onde fazendo um grande esforço para estar, esteve e desfrutou com a alegria que todos puderam ver e que está patente nas muitas fotografias que então lhe tiraram.
Poderia ter havido um terceiro momento. Foi uma pena que isso não tivesse acontecido. É de alguma forma uma mágoa que guardamos. Mas como sabem, no início deste ano, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu, por proposta dos vereadores do PCP e por unanimidade, atribuir à Celeste a medalha de Honra da cidade. Por circunstâncias diversas essa medalha não lhe chegou a ser entregue em vida, mas com a sua entrega à família, far-se-á justiça que quisemos que fosse feita no momento em que propusemos e em que foi decidido atribuir-lhe essa distinção.
Estas qualidades todas de que falei da Celeste são indissociáveis também das opções que foi fazendo ao longo da vida, da sua militância comunista, do apego aos valores e aos ideais do 25 de Abril e da convicção que tinha de que era possível construir um mundo mais justo, onde não houvesse lugar para as injustiças, nem para nenhuma forma de exploração, nem de opressão. Essa luta que agora continuaremos com a Celeste ao nosso lado,
Que viva o 25 de Abril sempre
e que viva a nossa Celeste.