Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Tribuna Pública em defesa do SNS

«É fundamental uma aposta forte nos cuidados de saúde primários, a porta de entrada no SNS»

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Esta nossa tribuna pública enquadra-se numa iniciativa mais global, realizada pelo PCP durante as últimas duas semanas de esclarecimento e mobilização dos trabalhadores e das populações, para a defesa e reforço do Serviço Nacional de Saúde.

Aqui, no concelho de Sintra, as populações sabem bem o que significa o não desenvolvimento das reais potencialidades do SNS.

Sabem-no os mais de 94 mil utentes sem médico de família que esperam e desesperam por uma consulta nos Centros de Saúde; ou aqueles que esperam por uma consulta da especialidade num Hospital que há muito viu esgotadas as suas possibilidades de atendimento a uma população de dois dos mais populosos concelhos do País, com mais de 600 mil habitantes, situação que exige há muito um novo hospital público, cuja não resolução faz com que milhares de doentes esperem meses, por vezes mais de uma ano, por uma cirurgia, pondo muitas vezes em causa a segurança das pessoas.

Sim, depois de uma década de uma gestão danosa do interesse público e das populações dos dois concelhos, por parte do Grupo Mello, do Hospital Fernando da Fonseca, o Governo vem agora com uma solução de um hospital com 60 camas que não resolve nenhum dos bloqueios há muito conhecidos no Amadora/Sintra, decisão contrária à que o Plano Director da Área Metropolitana de Lisboa apontava, de um hospital de 300 camas, o que vem confirmar que nesta decisão esteve presente sobretudo o interesse dos grupos económicos.

O argumento avançado para justificar a não construção de um hospital com 300 camas surge precisamente quando estavam a ser anunciados novos hospitais do grupo CUF/Saúde e do Grupo Trofa, com algumas centenas de camas.

É tendo presente este quadro de dificuldades que se justifica, aqui no concelho, como no resto do País, uma aposta forte nos cuidados de saúde primários, a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, os Cuidados de Saúde Primários são parte integrante do desenvolvimento socioeconómico da comunidade e com a criação do SNS constituem função central e são o seu principal núcleo.

Os cuidados de saúde primários são o primeiro elemento de um processo permanente de assistência sanitária que, ao aproximar os cuidados de saúde do lugar onde vivem e trabalham as pessoas, são o primeiro nível do seu contacto com o Serviço Nacional de Saúde.

Cuidados primários centrados na saúde e na sua promoção, na prevenção das doenças e na prestação de cuidados de forma continuada e global por equipas, integrando médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar e outras profissões, orientando a sua acção por princípios de colaboração intersectorial, participação comunitária e auto-responsabilização.

O PCP há muito defende um investimento sério nos cuidados primários com a garantia de médico e enfermeiro de família para todos, a inclusão de outras especialidades médicas em áreas como a pediatria, a saúde visual, a saúde oral, entre outras, que se criem as condições para a realização de alguns exames de diagnóstico e assim garantir que a grande maioria dos episódios médicos têm solução a este nível de cuidados ao contrário do que acontece hoje, em que cerca de 70% destes episódios são resolvidos a nível hospitalar com custos mais elevados e com o aumento das dificuldades na gestão dos meios hospitalares.

A organização base e prioritária do SNS assenta na rede de cuidados primários e de proximidade, principal porta de acesso aos cuidados assistencialistas de primeira linha, desempenhando simultaneamente um papel essencial na prevenção da doença.

As necessidades concretas dos cidadãos, neste âmbito, centram-se e orientam-se na prestação de cuidados na doença e promoção da saúde, com padrões de qualidade que não podem ficar dependentes do fantasma do “crescimento descontrolado das despesas públicas em saúde”.

A questão da despesa pública com a saúde não se resolve com a municipalização da gestão dos centros de saúde, que mais tarde ou mais cedo passarão para as mãos dos grupos económicos da saúde que há muito aspiram a ter uma rede de cuidados primários que encaminhe doentes para as suas unidade hospitalares.

No Serviço Nacional de Saúde que o PCP defende, “Universal, geral e gratuito”, a Administração Pública assume ao mesmo tempo a função prestadora de cuidados e a função financiadora e reguladora, o que permite o planeamento orientado para as necessidades reais das populações e não, como defendem os arautos da política de direita que defendem um sistema de saúde em que os custos, na perspectiva da maximização do lucro devem ser limitados ao mínimo básico. Foi assim que nasceu a ideia dos seguros de saúde no final do século XX, com Portugal a atingir, já hoje, mais de 2,6 milhões de portugueses com seguro individual de saúde. Dificuldades que são a consequência mais visível da política de direita na saúde da responsabilidade de PS, PSD e CDS.

O continuado ataque promovido por sucessivos governos PS, PSD e CDS ao SNS, tem assumido formas muito diversas de subfinanciamento, descoordenação, fragmentação e privatização de serviços e unidades: com perda de direitos e garantias dos seus profissionais, levando ao afastamento de muitos deles, quer para os grupos privados do negócio da doença, quer para o estrangeiro; aumento dos custos para as famílias; agravamento das doenças crónicas e a provável degradação a curto e médio prazo, a não ser parada esta ofensiva, dos macro indicadores de saúde, em particular as taxas de mortalidade geral e específica das doenças crónicas.

Problemas que não têm origem na epidemia, mas que se agravaram neste último ano e meio.

Hoje ouve-se e lê-se com frequência, vindo da parte dos que defendem o primado do privado na saúde, que o SNS não está em condições de combater a Covid-19 e acompanhar todos aqueles que sofrem de outras patologias e fazem-no sobretudo a pensar na oportunidade de negócio para os grupos económicos.

Mas hoje, passados quase 16 meses desde o início da epidemia, e quando é reconhecido pela grande maioria dos portugueses o papel insubstituível do SNS e dos seus profissionais no combate à Covid, perguntamos o que teria acontecido se a grande maioria dos portugueses estivessem dependentes de um seguro de saúde e da prestação de cuidados nas unidades privadas que, quando a epidemia atingiu maior gravidade, diminuíram ou fecharam mesmo a actividade?

A persistência da epidemia coloca a necessidade de respostas urgentes aos problemas. Uma resposta que, rejeitando medidas restritivas como regra, crie as condições para dinamizar as actividades económica, social, cultural e desportiva.

Medidas que não podem estar dependentes apenas de critérios epidemiológicos, em que pequenas oscilações em relação ao número de incidências determinam o confinamento, o desconfinamento e o volta a confinar, numa sucessão de opções erradas que estão a criar grandes dificuldades nos planos económico e social, quando hoje uma das poucas certezas existentes sobre a epidemia e a sua evolução é que a solução mais sólida e mais eficaz no combate à doença é a vacinação.

E por isso perguntamos. Como é possível que no actual quadro epidémico, em que a intervenção prioritária deve ser no sentido de garantir a segurança sanitária do povo português, objectivo no qual a vacinação assume um papel decisivo, a União Europeia e o Governo português mantenham uma postura de rejeição à aquisição diversificada de outras vacinas já reconhecidas pela OMS, o que está a fazer com que o processo de vacinação esteja a acumular sucessivos atrasos?

O PCP insiste na necessidade de vacinar todos e rapidamente; testar a partir da definição rigorosa de critérios; fazer o rastreio dos novos casos e dos contactos por estes estabelecidos.

Medidas que reclamam do Governo, para além da aquisição de outras vacinas, a contratação de mais profissionais com o objectivo de permitir o pleno funcionamento dos centros de vacinação existentes e de outros a criar; contratação de mais profissionais dos mais de 500 em falta na estrutura de saúde pública a fim de garantir o rastreio de novos casos.

Defender o SNS é inverter esse caminho que tem sido seguido, recuperando o sentido democrático, universal e solidário da sua matriz original.

Uma luta que temos de travar com o PCP, com todas as forças progressistas e de esquerda, com o apoio do povo e dos trabalhadores.

Por uma saúde melhor. Por um futuro melhor. Por um País melhor.