Sr. Presidente, O elevado número de participantes e a origem diversificada dos mesmos e das organizações que representam e bem assim a riqueza dos debates e das propostas e conclusões formuladas e adoptadas no decorrer dos trabalhos sobre os principais temas da actualidade, afirmaram o Fórum Social Mundial de Porto Alegre como uma expressão sem paralelo dos movimentos sociais e, em geral, da sociedade civil mundial, como bem referiu o secretário geral das Nações Unidas; e confirmaram o evento, especialmente, como um marco determinante e incontornável na procura de soluções para os tremendos desafios e dramas com que se confronta a humanidade nos dias de hoje, nos planos económico, social, ambiental ou cultural e na construção de uma real alternativa ao modelo neoliberal. Concretizado uma vez mais no Brasil mas desta vez coincidindo com a eleição e a tomada de posse de Lula da Silva como presidente deste país - e sendo certo que o mesmo foi um dos seus grandes impulsionadores -, o Fórum Social Mundial foi naturalmente marcado por esses factos e pelo que eles representam de abertura de novas e mais promissoras perspectivas e, especialmente, pelo que eles consubstanciam uma nova atitude de clara ruptura dos cidadãos com o status quo prevalecente nos últimos tempos. A necessidade de dar corpo a uma nova ordem mundial – afirmada pelo presidente Lula em Porto Alegre e também em Davos – foi a tónica dominante de Porto Alegre e representa, sem dúvida, o grande desafio do momento. Para tanto e como aí se sublinhou, é indispensável dar novo impulso e novos contornos às Nações Unidas. Como indispensável é alterar, reformar e adequar profundamente os métodos e as orientações fundamentais nomeadamente de alguns dos instrumentos decisivos da ordem actual, como sejam o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou Organização Mundial de Comércio. Entretanto e ocorrendo num momento em que se desenha a absurda intervenção norte-americana no Iraque, o Fórum Social Mundial, soube, de forma clara e em consonância com a vontade da larga maioria da opinião pública mundial, afirmar de forma inequívoca a rejeição duma tal guerra. Como soube, em geral, exortar à resolução política dos conflitos e, em particular, condenar a ocupação da Palestina por Israel e afirmar a necessidade e a urgência de aplicação das respectivas decisões das Nações Unidas e de retomar as negociações e os acordos firmados; afirmar a indispensabilidade de uma solução não militar para o conflito que ocorre na Colômbia; e rejeitar e condenar as tentativas de impor soluções para a situação venezuelana à margem e em desrespeito da Constituição do país ou que não tenham em conta a vontade popular repetidamente afirmada. Porto Alegre não foi, assim e muito longe disso, um mero contra-ponto crítico de Davos. Ele constitui-se nestas suas três edições como um pilar essencial na construção de uma real alternativa ao modelo neoliberal, que Davos em larga medida representa; modelo esse que está na inequivocamente ligado às situações de injustiça social, de iniquidade, de clivagem e de crise que hoje vivemos. Por isso mesmo e enquanto Porto Alegre cresce e se afirma, Davos esgota-se e enreda-se nas contradições que são inerentes ao modelo que defende e representa e nas consequências negativas que o mesmo gera. Aqui se procuraram soluções para a crise que se perpetua e enraíza; mas sem êxito, já que não se têm em conta e muito menos se analisam as causas profundas que estão na sua génese. Centraram-se as atenções na retoma do crescimento económico, mas esqueceram-se a importância a necessidade duma equitativa distribuição da riqueza que o mesmo determina. E, especialmente, omitiram-se as consequências negativas que o neoliberalismo vem determinando nomeadamente em termos de aprofundamento da clivagem norte-sul, do aumento da pobreza no mundo, de degradação ambiental. Não admira, assim, que o discurso do presidente Lula em Davos tenha constituído uma verdadeira "pedrada no charco". E esperamos que será bastante mais que isso.