O euro não pode ser desligado do processo de integração capitalista da Europa. Não constitui uma peça à parte, ou um apêndice mais ou menos independente. O euro foi e é uma peça chave destinada a retirar poder e soberania aos estados nacionais perante os mercados, ou seja, o grande capital europeu e mundial.
O euro representa uma questão de grande actualidade. Estudando o euro, permite nos desmascarar a natureza deste processo de integração, desmontando mitos destinados a apresentar o euro como um passo indispensável ao nosso avanço civilizacional. Quem já não ouviu o argumento do euro como elemento essencial para garantir a paz e até evitar uma nossa guerra na Europa?
Em jeito de introdução, direi que o euro assenta em duas falácias: a primeira é a neutralidade da moeda e a segunda são os mercados. A neutralidade da moeda é filha da escola de Chicago e é fundamental para se entender toda a arquitetura do euro. De acordo com esta escola, a moeda é neutra, tratando-se apenas de um mero equivalente destinado a facilitar as trocas. Com base neste princípio, a política monetária representa uma função meramente técnica, apolítica, e deve ser deixada ao cuidado de um banco central completamente independente cuja única função é produzir moeda na razão exacta das necessidades da economia. Qual o indicador desta necessidade? A inflação que deve ser mantida abaixo dos dois porcento. Com todos intendem isto não corresponde minimamente à realidade. O BCE há muito que ultrapassou o seu mandato puramente técnico, tendo transformado na eminência parda da União Europeia. O BCE, com os seus próceres, manda efetivamente nas políticas dos estados nacionais, determinando inclusivamente a queda de governos como foi o caso em Itália. A neutralidade da moeda por outro lado nunca foi demonstrada. Ao contrário, uma política monetária expansionista em períodos de crise é fundamental para relançar a economia e evitar recensões prolongadas. Basta olhar à nossa volta para se perceber a importância de uma política monetária ao serviço do povo e do desenvolvimento da economia. Esta política monetária do euro, serviu de factos os interesses da Alemanha, mas não serviu nem serve os nossos interesses.
A segunda falácia é a dos mercados. Os mercados que estão no código genético desta União europeia, servem para justificar tudo e todos, mesmo que virados do avesso. Partindo do princípio que os mercados até têm algumas virtudes, podemos até combater o euro atribuindo-lhe uma clamorosa falha de mercado. Com efeito, antes do euro, o mercado monetário encarregava se de atribuir um valor às moedas nacionais de acordo com os fundamentos das respetivas economias. Se um país entrava em desequilíbrio nas suas contas externas, a moeda desvalorizada reequilibrando a balança comercial. Com o euro, este mecanismo acabou. Ontem, tal como hoje a propósito do mercado europeu de capitais, a UE, onde há preços diferentes que decorrem do funcionamento do mercado, sentencia uma fragmentação. Nesta caso, as virtudes do mercado já não lhe interessam... Adiante, dizia eu que, com o euro, Portugal entrou em desequilíbrio nas suas contas externas, porque o que de facto interessava era importar o que antes produzíamos. No entanto, uma vez que deixamos de ter moeda, não só não houve depreciação, como o euro apreciou mais de 100%, ajudando a derreter ainda mais os nossos setores de bens transacionáveis.
A caminhada para o euro é conhecido. Trata se de uma velha reivindicação do capital europeu que ganha consistência com o tratado de Maastricht e mais tarde com o pacto de estabilidade em 1997. A crise econômica e financeira de 2007 acabou por contribuir de forma decisiva para mais um tenebroso salto qualitativo em 2012-2013 com a publicação de uma série de diplomas destinadas a condicionar ainda mais a soberania dos estados nacionais na condução das suas políticas orçamentais. Apesar de sabermos que as contas públicas estavam mais ou menos controladas em 2007, e que o crescimento das dívidas soberanas foi causado principalmente pela necessidade de injetar fundos públicos no sistema bancário evitando falências em cadeia, a verdade é que esta crise serviu para justificar erradamente a insuficiência do pacto de estabilidade e a necessidade a novas e mais exigentes regras de governação econômica.
Não cabe aqui uma descrição detalhada do conjunto vasto de regulamentos e diretivas aprovadas em 2012 e 2013, os pacotes dois e seis, o tratado orçamental o pacto euro mais etc. Apenas irei resumir alguns aspectos que me pareceram os mais gravosos. Do lado da ação preventiva temos um alargamento sem precedentes de indicadores que passam a ser monitorizados através de um novo e mais amplo mecanismo de vigilância macroeconômica.
Do lado corretivo temas as multas que passam a ser automática não necessitando de aprovação prévia por parte do conselho. Finalmente temos um calendário completo onde as medidas de vigilância passam a preencher o chamado semestre europeu ao longo do qual os estados nacionais submetem propostas para os seus orçamentos nacionais que necessitam sempre do visto prévio da comissão antes de serem aprovados pelas assembleias nacionais.
Conforme tivemos oportunidade de verificar hoje através das várias intervenções, o euro representa muito mais do que uma simples moeda destinada a facilitar as trocas e a mobilidade dentro do espaço da união europeia. Com efeito, não é possível separar o euro moeda de todo o enquadramento legal e institucional que lhe está subjacente. Não podemos estar a favor do euro e simultaneamente rejeitar o conjunto de amputações à nossa soberania associado a uma moeda única cuja gestão é feita à medida da economia alemã e que implica a perda da nossa soberania monetária e a sujeição do nosso país à ditadura dos mercados.
Por isso defendemos a ruptura com esta União Europeia. Uma ruptura que é parte integrante de uma política patriótica e de esquerda e onde emerge a renegociação da dívida como ponto de partida. Romper com as exigências do pacto de estabilidade, do tratado orçamental e de toda a governação econômicas, representa outro passo fundamental que visa preparar o país para uma eventual saída do euro, seja por decisão própria seja por imposição externa. Finalmente, e como terceiro eixo fundamental, nada disso será possível sem o controlo público do sistema financeiro, sendo esta uma questão de grande actualidade cuja necessidade entra pelo olhos dentro. São estas três condições necessárias mas não suficientes que devem estar devidamente integradas numa alternativa política patriótica e de esquerda que só o PCP está em condições de oferecer ao país e aos portugueses.