Intervenção de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Apresentação do livro «Dossier TAP: Resistindo às privatizações»

Este livro é uma denúncia e uma contribuição para a luta que hoje precisamos de travar contra a privatização da TAP

Ver vídeo

''

Caros camaradas, estimados amigos,

Permitam-me, em nome do PCP e da Editorial Avante!, agradecer a todos a vossa presença nesta sessão pública de apresentação do livro “Dossier TAP – Resistindo às privatizações”. Esta é a primeira de várias iniciativas que se seguirão em vários pontos do País com destaque para uma nova apresentação que faremos no princípio de Setembro, na Festa do Avante!

A ideia de um livro sobre a TAP, sobre o seu papel na vida económica do País e os impactos de sucessivas decisões que impediram o seu desenvolvimento já vem detrás, muito antes da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão política da TAP que amanhã culminará na Assembleia da República. 

Uma ideia que foi ganhando corpo à medida que um valioso conjunto de informação foi sendo disponibilizada e entregue ao Parlamento e que, no fundamental, confirmou suspeitas, alertas, denúncias e teses que o PCP foi formulando ao longo de muitos anos de intervenção política em defesa desta importante e estratégica empresa portuguesa. Acresce que, apesar da atenção mediática que esta CPI despertou, essa atenção focou-se na maioria dos casos em lateralidades, resvalando para um terreno onde, como dizemos no livro, ”a direita parlamentar e o PS se podem digladiar sem questionar o que os une: a submissão aos grandes grupos económicos e à sua ideologia, hoje chamada neoliberal”. 

Na verdade, este livro sobre a TAP é também uma denúncia e uma contribuição para a luta que hoje precisamos de travar contra a sua privatização. 

Privatização que o Governo PS decidiu pôr em marcha mandatando o actual ministro que tutela a companhia para a preparar. Como fomos dizendo ao longo destes meses, João Galamba ainda é ministro do actual Governo, não por um qualquer finca pé, mas porque tem em mãos a tarefa de privatizar a TAP. Um objectivo que une PS, PSD, CDS, Chega e IL, e que tem tido por detrás uma das mais impressionantes campanhas de intoxicação da opinião pública contra a TAP. Um objectivo  que é também impulsionado por uma UE ao serviço dos monopólios, e que encontrou na pandemia e no plano de reestruturação que impôs à TAP a oportunidade para acelerar o processo de concentração do sector à escala europeia, com a entrega da TAP a uma das multinacionais que na Europa dominam cada vez mais o sector. Uma privatização que, como tantas vezes o PCP foi denunciando, é um crime económico contra os interesses nacionais, um crime que os trabalhadores e o povo português não podem permitir que se concretize. 

Como se pode ler ao longo das cerca de 150 páginas do livro, a TAP tem resistido e sobrevivido aos diferentes processos de privatização a que foi sujeita nas mais de sete décadas de existência.

Nasceu pública, mas foi privatizada por Salazar confirmando as opções do fascismo em matéria de política económica e é com a revolução de Abril que a TAP volta na sua totalidade ao Estado e renasce. No processo contra-revolucionário que se seguiu, as privatizações desempenharam um papel central, com a TAP sempre debaixo de fogo. 

Destaca-se a tentativa de entrega da TAP à Swissair, um processo que se não tivesse sido derrotado, teria conduzido a TAP à mesma falência para onde caiu esta companhia aérea suíça. 

Destaca-se ainda o mais recente processo de privatização realizado nas costas do povo português, por um governo política e eleitoralmente derrotado, o Governo PSD/CDS. Uma privatização que o Governo PS, apesar de ter todas as condições para a reverter integralmente, prolongou mantendo os privados a gerir uma empresa maioritariamente detida pelo Estado.  

A TAP enfrentou e enfrenta até aos dias de hoje uma gestão cuja principal missão foi e é a da preparação da privatização. 

Ao longo do livro denunciamos os sucessivos golpes dados à TAP com o objectivo de degradar a sua saúde financeira, a sua missão, a sua imagem junto do povo português. Em múltiplas situações a TAP foi usada para servir interesses privados. 

Foi assim quando se aventurou na compra da VEM, transferindo a manutenção da sua frota para o Brasil, um negócio ruinoso que provocou um rombo de mais de mil milhões de euros. 

Foi assim, quando a TAP foi usada para dar a mão a Ricardo Salgado e ao BES adquirindo a Portugália anos antes do estoiro deste banco com as conhecidas consequências para o povo português. 

Foi assim quando foi obrigada pela União Europeia a desfazer-se da assistência em escala, privatizando, nacionalizando  e reprivatizando a SPDH. 

Foi assim quando foi vendida a alguém  - David Nielman - que comprou a TAP com o dinheiro da própria TAP e a utilizou para pagar assessorias jurídicas, para favorecer a Azul de que também era proprietário, para remunerar escandalosamente administradores e directores, ao mesmo tempo que impunha cortes salariais draconianos e despedimentos a milhares de trabalhadores. 

Foi assim, nos últimos anos, em que a propriedade era pública, mas as suas opções, a sua forma de actuação estava alinhada com o que de pior se conhece na gestão privada. Aliás, o caso Alexandra Reis, que esteve na origem da última Comissão Parlamentar de Inquérito, em que esta recebeu uma indemnização de 500 mil euros, revela no fundo que a TAP estava a ser gerida como são geridos outros grupos económicos em que os privilégios e mordomias dos seus administradores e accionistas são um escândalo. 

Tudo isto feito nas costas do povo português, em que centenas de decisões foram escondidas e metidas debaixo do secretismo e confidencialidade de documentos que deveriam ser públicos, com um papel crescente de consultoras externas e escritórios de advogados, principescamente pagos com os dinheiros da TAP.       

Em toda a denúncia que fazemos no livro há ainda um outro aspecto que gostaríamos de destacar. Para o PCP não basta garantir a propriedade pública da TAP. A rejeição da privatização implica em paralelo a exigência de gestão pública ao serviço do povo e do País. O funcionamento da CPI deixou patente o quanto a gestão pública da TAP se comportou como o pior da gestão privada — movida apenas pelos resultados financeiros, opaca, com salários obscenos para os administradores e a máxima exploração para os trabalhadores. Numa gestão pública que se guie pelos valores de Abril, o Estado não se comporta como mais um accionista privado. 

É que a gestão pública é mais do que propriedade pública. Gestão pública é fazer corresponder os objectivos da empresa com os interesses do País. É valorizar os trabalhadores e as suas condições de trabalho. É investir no desenvolvimento da companhia em vez de sacar o máximo de lucro no menor tempo possível. É ser rigoroso com a gestão dos dinheiros públicos garantindo que a sua aplicação obedece a necessidades e critérios de interesse público. Sim, a TAP pode e deve ser pública e pode e deve ser gerida como uma empresa pública. 

Como afirmamos no livro, impedir uma nova privatização da TAP é possível, como o foi noutros momentos da vida da empresa!

Os defensores da privatização apresentam sempre o seguinte quadro: a privatização da TAP é inevitável, e o PCP opõe-se a ela por razões ideológicas. Como sempre, a ideologia dominante disfarça-se a si própria de «lei natural», «bom senso», «constatação independente e livre» enquanto matiza como «ideológica», ou seja, despidas de racionalidade, as opções que servem outros interesses de classe.

Como chamamos a atenção no livro, “a base para esta ilusão é a defesa — profundamente ideológica — da inexistência da luta de classes, ou pelo menos, do papel antagónico dos interesses de trabalho e capital. Porque só iludindo a existência desse antagonismo, só iludindo o carácter central desse antagonismo para compreender as dinâmicas da nossa sociedade, o capital consegue atrair para a defesa das suas posições as classes e camadas que objectivamente por elas são prejudicadas.”

Mas essa privatização não é inevitável. É uma opção que serve interesses concretos e de classe. E nesse sentido é profundamente ideológica.

Só que corresponde à ideologia que justifica, alimenta e engrossa os privilégios da grande burguesia. Aquilo que nos dias de hoje se chama a ideologia neoliberal. No PCP também temos uma visão ideológica. Mas ela assenta numa visão do mundo, num projecto político, que toma partido pelos trabalhadores, pelo povo, pelos interesses nacionais. É essa a visão que afirmamos neste livro e que inscrevemos na política patriótica e de esquerda que propomos ao povo português.

Caros camaradas, estimados amigos,

Este livro resulta de um trabalho colectivo e é assumido pelo PCP. Teve contudo, na sua preparação, a contribuição de um alargado conjunto de camaradas que reuniram informação e deram corpo e conteúdo ao que se sistematizou e escreveu. Entre esses camaradas, é meu dever destacar a contribuição do Manuel Gouveia, do Pedro Massano e do Bruno Dias, membros da Comissão para os Assuntos Económicos do PCP e que se empenharam na elaboração do que aqui se apresenta. 

Queremos fazer deste livro um instrumento, uma arma se quiserem, contra a privatização da empresa. Temos a plena consciência de que essa não é, nem será uma luta fácil. 

Implica desfazer mentiras e mitos que todos os dias são projectados. Implica enfrentar o Governo PS e a maioria absoluta que o suporta, denunciando a sua disponibilidade para entregar, sempre pela esquerda, mais uma empresa estratégica ao capital estrangeiro. 

Implica fazer frente às forças e projectos reaccionários, incluindo os sucedâneos do PSD e CDS, o Chega e IL, cuja demagogia não conhece limites e nos  procura fazer crer que o País precisa de se livrar da TAP o mais rapidamente possível. 

Implica enfrentar as regras da União Europeia, que apenas permitem a intervenção do Estado e a capitalização da empresa quando é para a privatizar.

Implica lutar pela reversão de outras privatizações, como a da ANA- Aeroportos, da qual a TAP é a principal cliente e exigir a construção do novo Aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete.

E implica ainda, a partir de uma empresa que está capitalizada, que está a recuperar os níveis de operação anteriores à pandemia, contratar e valorizar os salários dos trabalhadores, investir na empresa, desenvolvê-la. No fundo, dar-lhe asas, para que esta se assuma como um factor de desenvolvimento nacional.

Nessa luta o PCP não só não está sozinho como conta com a compreensão e a disponibilidade de muitos outros democratas e patriotas. Desde logo os trabalhadores da TAP, mas também de muitos homens e mulheres que não aceitam que o País vá ficando cada vez mais dependente, mais periférico, mais submetido a interesses que não são seus. 

Lutar por uma TAP pública é também lutar por um Portugal com futuro. É esse o compromisso que assumimos com este livro.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Central
  • Edições Avante!
  • TAP