Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Reunião Plenária

Este episódio dos certificados de aforro é só demasiado flagrante de uma política ao serviço da banca

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Senhor Presidente
Senhoras e senhores deputados,

Os aumentos de centenas de euros nas prestações da casa são a face mais visível e inquietante dos enormes prejuízos que os portugueses estão a sofrer com esta política de aumento rápido dos juros decretada pelo Banco Central Europeu.

As pessoas vivem cada vez pior, vai cada vez uma parte maior do salário para a prestação da casa, e muitos estão em risco de deixar as suas casas, sem que o Governo faça nada para alterar esta situação.

Mas se Portugal é um dos países em que a população mais sofre com a política de juros do BCE, é também um dos países em que a banca mais ganha com estes aumentos dos juros.

Segundo o Banco de Portugal, o aumento da margem financeira que decorre da diferença entre os juros pagos (aos depositantes) e os juros cobrados (aos devedores) aumentou em Portugal 9,5 vezes mais do que na média da zona Euro. 

Os bancos pagam cerca de 1% em média, nos depósitos a prazo; menos de metade dos 2% da média da zona Euro. 

E ganham muito mais com os aumentos das prestações dos créditos do que noutros países, em que a maior parte dos créditos é em taxa fixa. 

A banca está a ganhar dos dois lados, de forma desproporcional, e por isso os 5 maiores bancos apresentaram lucros de 2.500 milhões de euros em 2022, e continuam em 2023 a aumentar os seus lucros. 

Esta desproporção acontece nas barbas do Banco de Portugal, que se comporta como mero observatório de mercado; e nas barbas do Governo, que nada faz, e quando faz, é para beneficiar ainda mais a banca. 

O fim da série E dos Certificados de Aforro insere-se num longo caminho de submissão aos grandes interesses, e muito em particular à banca, que junta PS, PSD, CDS, IL e Chega.

Um longo caminho que tem episódios conhecidos de todos, e onde a direita não se distingue do PS nas opções de favorecimento da banca. 

No Novo Banco, da resolução fraudulenta do Governo PSD/CDS à privatização ruinosa do Governo PS, foram quase 9 mil milhões de euros de dinheiro dos portugueses, para depois entregar o Novo Banco de mão beijada a um fundo abutre que se prepara para o vender, depois de sangrar o erário público. 

No Orçamento para 2023, o Governo PS – com os votos favoráveis de PSD e IL – retirou qualquer prazo ao reporte de prejuízos fiscais. 

Calha bem que um dos sectores com maior capacidade de transportar lucros ou prejuízos de uns anos para os outros seja precisamente a banca; e logo o Novo Banco fica com a capacidade de abater os seus prejuízos ao longo das próximas décadas.

Há ainda o curioso caso da conversão de créditos fiscais associado aos ativos por impostos diferidos, mecanismo criado pelo PSD e o CDS em 2014 e mantido pelo PS. 

Mais um brilhante negócio. Desde 2021, por conta de mais de 660 milhões de euros em créditos fiscais, o Estado passou a ter cerca de 12% do Novo Banco. 

Mas esses 12% abatem apenas à participação de 25% do Fundo de Resolução.

A Lone Star ficou na mesma, com 75% do banco. 

Grande negócio, proporcionado pela privatização! 

Outro grande negócio da banca têm sido as comissões bancárias. 

Quando os juros estavam próximos de zero ou negativos, a banca dizia que precisava de aumentar comissões para poder ser rentável. 
Agora, que os juros sobem em flecha, não só não as reduziram, como continuam a aumentar estes custos que muitas vezes não correspondem a qualquer serviço. 

Quando o PCP trouxe à AR propostas para limitar estas comissões, a medida foi rejeitada com votos contra de PS, PSD, IL e abstenção do CH. 

Portanto, não são de estranhar as visíveis hesitações de PSD, Chega e IL, na reação a esta notícia da suspensão dos certificados de aforro. 

Por um lado, a vontade de desancar no governo é grande; 

Mas por outro, não conseguem esconder a umbilical relação entre estas forças políticas e os interesses da banca.

Senhoras e senhores deputados,

A banca mandou e o Governo obedeceu. 

Com os Certificados de Aforro a pagar 3,5% e os depósitos próximos de zero, muitos portugueses passaram as suas poupanças da banca para os certificados. 

A banca diz, e é verdade, que tem muita liquidez, e que é por isso que não paga mais pelos depósitos… mas estava a ficar incomodada com a perda de clientes.

Perante esse incómodo, tinham duas hipóteses: ou aumentavam os juros que pagam aos depositantes, abdicando de uma parte dos seus lucros para “segurar clientes”; ou faziam pressão para que estes Certificados acabassem. 

Claro que foram para a segunda hipótese, e o Governo mais uma vez não desiludiu os grandes interesses: prontamente, acabou com a Série E, e criou uma nova, que tem como limite máximo 2,5%.

Ora, o que se exigia era o contrário: era não só manter este instrumento de pressão à banca, mas também acrescentar outros mecanismos para fazer subir a remuneração dos depósitos. Por exemplo, mobilizando o banco público, a CGD. 

A Caixa deve baixar as comissões bancárias.
 
Deve baixar o spread sobre o crédito à habitação e dar o exemplo nas renegociações. 

Deve aproximar-se da média da zona Euro na remuneração dos depósitos. 

Não basta pedir um esforçozinho, como fez o Presidente da República. 

O Governo deveria dar orientações, enquanto acionista único, para que a Caixa seja um instrumento para condicionar todo o mercado bancário, e não para imitar as práticas da gestão privada.

Mas em vez disso, temos PS e PSD em uníssono a dizer que o Governo não se deve meter nas opções de gestão da Caixa. 

O longo caminho de submissão dos governos aos interesses da banca tem muitos episódios, que mancham o PS, mas também os partidos à sua direita. 

Este último episódio dos certificados de aforro é só demasiado flagrante de uma política ao serviço do grande capital, dos lucros milionários à custa da população que carrega aos ombros os juros do BCE, de uma banca que quer mostrar que manda no país e de um Governo que obedece, mostrando mais uma vez para que serve esta maioria absoluta, e mostrando também que, à direita, não há uma alternativa que sirva o país.

 
 

 

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