Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Estatuto do Gestor Público

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
O PCP deixou sempre claro, aliás, até em anteriores legislaturas, que não é aceitável a desigualdade salarial criada pelo Estatuto do Gestor Público, que permite salários milionários apenas para um número reduzido de quadros. Por isso mesmo, o PCP é contra o Estatuto em vigor. Da mesma forma, a solução encontrada pelo Governo atual não merece o acordo do PCP. Portanto, é necessário que seja criada uma moldura salarial nova, o que não sucede pela simples revogação da medida do atual Governo. O regime do gestor público em vigor, determinado pelo Governo PSD/CDS, agravou injustiças e assimetrias que já se vinham sentindo em Portugal no que toca à distribuição salarial. Olhando para a estatística dos salários em Portugal, vemos com clareza que o rendimento do trabalho representa uma fatia cada vez menor do total do PIB e, por oposição, os lucros, as rendas e os juros representam uma fatia cada vez maior. Ou seja, cada vez menos riqueza é distribuída aos trabalhadores. Mas, apesar disso, os salários mais elevados de Portugal não param de crescer a um ritmo desmesurado e isso sente-se particularmente nas dezenas de indivíduos mais ricos: os 10% mais ricos da população ganham acima de 2000 euros, mas os 1% mais ricos ganham acima de 5000 euros, os 1000 mais ricos, em Portugal, ganham acima de 58 000 euros e os 100 mais ricos ganham acima de 175 000 euros, e estou a falar de valores mensais. A curva de ganhos em Portugal é, pois, fortemente assimétrica. Assim, a política de remunerações do Estado não deve acompanhar mas combater essa tendência e contribuir para uma mais justa distribuição da riqueza. É por isso que o PCP não apoia o Decreto-Lei, aprovado
pelo Governo PSD/CDS, que fixa como limite para o vencimento de um gestor público o valor recebido pelo próprio na média dos últimos três anos em exercício. Ora, o Governo PS legislou no sentido de não aplicar esse valor como limite aos administradores da Caixa e o PCP, como deixou sempre claro, também não apoia, nem aceita, essa opção. Este debate pode, pois, constituir uma oportunidade para fixar limites salariais aos gestores públicos e aos gestores privados, mas também pode ser utilizado apenas como uma manobra política, um número do PSD e do CDS, que, limitando-se à demagogia sobre o assunto, procuram atingir a Caixa Geral de Depósitos em pleno processo de recapitalização. Se PSD e CDS querem limitar-se a revogar o decreto-lei do Governo, deixando tudo como estava antes, fica claro que pretendem apenas esse segundo objetivo, usar a demagogia como instrumento político, permitindo que os rendimentos do trabalho continuem a ser distribuídos de forma profundamente assimétrica, que os gestores públicos continuem a receber salários que são obscenos quando comparados com os dos trabalhadores que dirigem. Se, pelo contrário, os vários grupos parlamentares estiverem disponíveis para aprovar as propostas apresentadas pelo PCP para aplicar limitações aos vencimentos quer no público quer no privado, para indexar as remunerações ao salário de Primeiro-Ministro e para contribuir para uma redução real das assimetrias salariais, então, o debate de hoje pode resultar numa melhoria das condições de vida dos trabalhadores em geral. Se podemos compreender que PSD e CDS continuem a pretender agravar as desigualdades salariais, não podemos aceitar, todavia, que o Governo venha libertar de limites legais os vencimentos dos administradores da Caixa num momento em que todos os restantes trabalhadores estão sujeitos a fortes limitações e cortes salariais.
A simples revogação do decreto-lei não resolve, porém, o problema de maneira nenhuma, a resposta tem de ser, pois, a de aprovar as propostas que o PCP aqui traz, limitar os vencimentos, distribuir mais justamente a riqueza produzida e disciplinar a política salarial do Estado e das entidades privadas.

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