Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"O estado da floresta em Portugal é fruto do desinvestimento do governo"

Sr. Presidente,

A Sr.ª Ministra da Administração Interna já respondeu sobre o facto de a Sr.ª Ministra da Agricultura não estar presente, referindo, que, no entanto, estava presente o Sr. Secretário de Estado da Agricultura. Mas a verdade é que a responsabilidade política pelas florestas é da Sr.ª Ministra e não do Sr. Secretário de Estado.

Quando o Governo decidiu ficar sem Secretário de Estado das Florestas, o que nos disseram foi: «Ter as florestas na alçada da Sr.ª Ministra é uma valorização das florestas; as florestas saem valorizadas nesta matéria».

Pois aqui está: quem temos agora aqui para discutir a questão das florestas é o Sr. Secretário de Estado da Agricultura. Contudo, há um conjunto de questões que gostaríamos de colocar sobre esta matéria e, como a Sr.ª Ministra abriu a possibilidade de o Sr. Secretário de Estado responder, espero que a Agricultura possa responder a estas matérias.

A primeira questão tem a ver com o novo Programa de Desenvolvimento Rural, o PDR, e é a seguinte: que avaliação foi feita da aplicação dos fundos comunitários para a floresta? É que, se observarmos aquilo que têm sido os quadros comunitários no âmbito do financiamento da floresta, reparamos que, desde 1990, foram aplicados mais de 1000 milhões de euros de fundos públicos na floresta. Só nos últimos dois quadros comunitários de apoio foram aplicados 400 milhões de euros na floresta. Contudo, nos últimos 13 anos, correspondentes aos dois últimos quadros comunitários de apoio, arderam, em média, 138 000 ha, enquanto que nos anteriores 13 anos tinham ardido, em média, 102 000 ha, ou seja, houve um aumento da área média ardida.
Por outro lado, os incêndios abrangendo uma área ardida superior a 200 000 ha ocorreram nos últimos anos, pois entre 1980 e 2000 não tinham acontecido.

Em termos do número de postos de trabalho, registam-se menos 160 000 postos de trabalho na floresta.

O valor acrescentado bruto da floresta no valor acrescentado bruto nacional também tem vindo a diminuir, nestes últimos anos.

Assim sendo, há aqui uma entrada de fundos públicos para as florestas, mas isso, depois, não tem reflexo naquilo que são os resultados.

Por isso, pergunto que avaliação foi feita e se estes números são tidos em conta naquilo que é a definição de um quadro de financiamento para o setor florestal.

Ainda neste âmbito e com importância na área da agricultura, e relativamente àquilo que constava da resolução — e o Governo, nos documentos que enviou para discussão hoje, apresenta a questão do cumprimento da resolução da Assembleia da República —, há duas matérias que deveriam ser cumpridas na área das florestas, que me parecem muito importantes e relevantes e que não estão indicadas como tendo sido concluídas ou em vias de ser cumpridas. Uma primeira é o cadastro florestal, o qual tem uma importância muito grande nestas matérias de controlo de gestão e no global da problemática dos incêndios, e sobre a qual o Governo diz que nada foi feito.

Uma segunda diz respeito a um estudo de avaliação e valorização da biomassa, mas também não é feita qualquer referência a que tenham sido dados alguns passos neste sentido.

Eram estas as minhas questões.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Há um conjunto de questões que entendemos que não pode deixar de ser colocado neste debate.

Primeiro, começo por dizer que a Sr.ª Ministra falou num conjunto de evoluções e fez alguma comparação entre condições climatéricas, mas o que se passou com as condições climatéricas de 2014, que felizmente ocorreram, é que não permitiu testar se, efetivamente, as opções tomadas foram as mais corretas ou não. E a evolução nestas matérias, como sabem, não tem sido muito positiva.

Entendemos que a rede nacional de postos de vigia era uma matéria que precisava de ser aqui trazida. Durante muito tempo, houve desinvestimento, houve indefinição relativamente a esta matéria. A resolução da Assembleia da República aponta no sentido de definições mais claras, mas não refere a execução por parte do Governo.

Relativamente aos equipamentos de proteção individual, o Sr. Secretário de Estado disse que nunca tantos foram distribuídos como até agora, mas a questão mais concreta que tinha sido colocada era a de saber quantos foram distribuídos e, mais importante que tudo, saber qual a percentagem de bombeiros que vão para o teatro de operações e que estão protegidos.

Ainda sobre os bombeiros, era importante tentarmos esclarecer um problema que tem sido colocado recorrentemente, que é o problema da sua reforma. O que acontece é que só podem ser bombeiros até aos 65 anos, mas só se podem reformar aos 66/67 anos, o que origina um hiato com problemas para as corporações e para os bombeiros.

Por último, relativamente às questões que o Sr. Secretário de Estado da Agricultura colocou, gostaria de dizer o seguinte: sobre o que foi a evolução do PRODER durante o governo do PS certamente que poderemos acompanhar o Sr. Secretário de Estado nas críticas que faz. Aliás, o Sr. Secretário de Estado referiu que a execução, em termos destas matérias, era muito baixa, mas não contou tudo, não disse o que os senhores fizeram para melhorar a execução. É que aquilo que os senhores fizeram para melhorar a execução quando chegaram ao Governo foi tirarem 150 milhões de euros ao PRODER florestal. Foi isso que aconteceu, Sr. Secretário de Estado!

Também não respondeu à questão do cadastro rústico, que é uma matéria importante.

Era igualmente importante percebermos o Fundo Florestal Permanente…

O Fundo Florestal Permanente teve cerca de 7 milhões de euros de saldo e, por exemplo, na área dos baldios, os planos de utilização continuam sem ser aprovados e sem receber o financiamento, e são importantes em termos de gestão florestal.

Por último, o Sr. Secretário de Estado falou no PDR e nas medidas de agilização e de chegada de dinheiro à floresta. Mas a questão tinha sido a seguinte: depois de mais de 1000 milhões de euros para a silvicultura nos diferentes quadros comunitários, a floresta arde mais, há menos empregos, o peso da floresta na riqueza nacional é menor. O Sr. Secretário de Estado não diz que conclusões é que o Governo tira disto e era importante que se tirassem algumas conclusões nesta matéria.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:

Os incêndios florestais são um drama, com implicações sociais, ambientais, económicas e financeiras, que vai devastando o nosso País de tempos a tempos. E não os podemos desligar de um conjunto de opções políticas de investimento público, de cumprimento de responsabilidades, de ordenamento do território e até de modelo económico aplicado ao desenvolvimento do setor produtivo primário.

Para o PCP, discutir os incêndios florestais tem duas abordagens distintas. Uma, que não sendo a principal é a que tem maior visibilidade, é a do combate em si. Esta fase será tanto mais extensa, preocupante, problemática e, infelizmente, até mortal quanto menos cuidada e pior gerida estiver a floresta.

Sobre a capacidade de intervenção dos corpos de bombeiros, a Sr.ª Ministra desfiou o rol de coisas boas que o Governo tem feito. A verdade é que, no último ano, houve problemas sérios e o Governo não ficou bem na fotografia. Se corrigiu e introduziu alterações que se venham a verificar eficazes, não o sabemos, porque, felizmente, as condições meteorológicas em 2014 ajudaram a que não se fizesse esse teste, e nisto não há nada de novo. Se olharmos para os últimos 10 ou 20 anos foram sempre as condições meteorológicas favoráveis a contribuir para resultados menos maus e nunca as medidas políticas concretas.

Fazemos esta discussão quando abundam as notícias sobre corporações sem meios e sobre bombeiros com poucas condições para trabalhar — um bocadinho diferente da realidade relatada aqui dentro. Muitos erros se cometeram ao longo dos anos, muitas vezes com obrigação de recuos, mas sempre para procurar novos caminhos enviesados.

O PCP sempre contestou o facto de o País não ter meios aéreos de combate próprios. Os modelos encontrados fizeram ganhar milhões à custa das contas públicas, para verificarmos que, quando eram necessários, às vezes, não havia resposta. O Governo compreendeu que é necessário ter aviões próprios, veremos agora que modelo de gestão encontrará.

A extinção do corpo da Guarda Florestal, cujas competências e capacidade de atuação não foram completamente assimiladas pela GNR, é outro exemplo de erro cometido. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sente a sua falta, o PS já se arrepende de o ter extinguido, o PSD diz que foi um erro, mas, quando o PCP propôs a retoma desse corpo, dentro da GNR, tanto um quanto o outro votaram contra.

A outra abordagem que tem de ser feita sobre a problemática dos incêndios florestais é a da política florestal. E, nesta matéria, como em matéria de política agrícola em geral, o Governo tem vindo a tomar as decisões políticas favoráveis aos grandes interesses instalados, aos quais submete tudo o resto, incluindo o interesse nacional.

Não será por acaso que este Governo quebrou um consenso que ao longo dos anos se tinha conseguido nesta Casa, legislando sem ouvir ninguém. Ninguém, não, pois, em matéria florestal, percebe-se que o Governo ouve, representa e protege os interesses das celuloses. À conta disso, promoveu a lei de eucaliptização do País, cujos dados sobre a evolução das espécies plantadas já demonstram o seu objetivo — avanço indiscriminado do eucalipto.
Isto tem implicações nos incêndios florestais? Claro que tem! Promover a monocultura de uma espécie florestal — está provado pela vida! — é promover os incêndios florestais.

Outra medida ao gosto das celuloses é o ataque aos baldios, descaracterizando-os, abrindo a possibilidade ao comércio jurídico e facilitando a sua extinção. Baldios que são elementos fundamentais para a fixação de populações no interior do País. Este é outro problema efetivo.

Sem pessoas nos territórios que cultivem as margens das ribeiras, que intercalem os campos cultivados com as parcelas florestais os incêndios têm espaço aberto para a sua progressão.

Mas o Governo promove os modelos económicos de concentração, de aumento de escala, de agricultura industrial, que não precisam das pessoas no território, e tudo isto terá implicações nesta problemática.

Outra coisa que o Governo não faz é mexer no negócio da madeira. O preço a que a madeira é paga determina as espécies que se cultivam e, hoje, a rentabilidade é quase exclusiva do eucalipto. Por isso, os pinhais e os montados recuam, enquanto o eucalipto avança. Não há incentivos para a plantação de madeiras nobres ou abastecimento de outros setores, senão o da pasta de papel.

A existência de um duopólio no negócio da madeira tem tudo a ver com os baixos preços. São os baixos preços que conduzem ao abandono das parcelas e à não realização de medidas de gestão.

O Governo, que, de princípio, não se queria meter no assunto, deixando a sua resolução para os mercados, já assume que é necessária essa intervenção e anunciou uma PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar) para as florestas. Mas, se tiver tanto sucesso como teve com a PARCA para as relações entre a produção e a distribuição, bem continuará o País a arder!

A floresta é um bem importante para o nosso País. Para que não arda, tem de ser valorizada e tem de criar valor que estimule a sua correta gestão. As políticas florestais têm de dar resposta a este propósito, e até agora não o fizeram. Sem esta opção, muito concreta, podem investir-se todos os milhões disponíveis no combate, que a floresta acabará sempre por arder.

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