Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Audição Pública «O estado da ciência em Portugal»

O estado da ciência em Portugal

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A realização da audição que agora está a terminar, integra-se no Roteiro da Ciência e Tecnologia que o PCP está a realizar e que abrange um conjunto de visitas a centros de investigação, como as já realizadas ao Instituto Gulbenkian de Ciência e à Cátedra Energias Renováveis da Universidade de Évora.

Audição que traça o retrato que se vive no sector, as profundas dificuldades com que se confrontam os seus trabalhadores, as reais potencialidades que existem para avançar, bem como a justeza e a urgência das nossas propostas.

Não é possível dar combate aos défices estruturais que o País enfrenta sem a modernização do aparelho produtivo.

E não é possível a modernização do aparelho produtivo sem um grande investimento e aposta no Sistema Científico e Tecnológico Nacional. Esta é uma aposta de presente e de futuro, é também um garante da nossa soberania.

Como temos afirmado não existe no nosso País uma política científica nacional, nem um quadro consistente de estratégia política estável e permanente de prioridades temáticas e de financiamento, sendo a situação do sector marcada por políticas avulsas e desconexas.

O PCP defende que o Estado deve definir uma política científica que tenha em conta as necessidades nacionais, nas várias esferas da actividade económica e social. Uma política de Ciência e Tecnologia que atenda às necessidades e especificidades da economia nacional e do desenvolvimento social.

Ora, não há aposta em ciência e tecnologia que possa assentar, tal como é hoje a prática, e aqui ficou bem demonstrado, em subfinanciamento e na precariedade laboral, elementos que são marcas da política de décadas e de sucessivos Governos, do PS, do PSD, com e sem CDS. Marcas também do actual Governo de maioria absoluta do PS que, com os instrumentos todos nas suas mãos, opta por levar por diante uma política contrária aos interesses do desenvolvimento do País.

Aliás, é significativo que PSD, IL e mesmo o Chega tenham visíveis dificuldades em atacar as opções de fundo do PS, concentrando a sua aparente oposição em casos e fazendo disso o alfa e o ómega da sua intervenção. De facto não há, no que é essencial ao serviço do grande capital, opções diferentes entre todos eles.

A estratégia em Portugal é baseada no mercado. Não há uma estratégia que pense o País relativamente àquilo que é importante. Veja-se o exemplo do Sector Ferroviário.

Quando foi conhecido o “novo paradigma para a ciência”, o mesmo da União Europeia no Programa Horizonte 2020, dissémos que o objectivo era destruir toda a investigação que não consideravam ser do interesse do mercado e da grande indústria.

O objectivo era claramente concentrar o financiamento da investigação científica nos grupos económicos e financeiros, em detrimento do desenvolvimento económico e social do País.

O mesmo acontece com o estrangulamento das Instituições do Ensino Superior que procuram financiamento junto dos estudantes e das suas famílias, situação que faz com que muitos abandonem precocemente o curso.

É assim em todos os serviços públicos e áreas de intervenção directa do Estado, e a ciência e tecnologia não são excepção.

Política de falta de investimento que tem levado a uma desvalorização do papel dos laboratórios do Estado, no domínio da inovação e divulgação tecnológicas e de promoção de serviços altamente especializados, que o sector privado não está em condições de prestar de todo, em condições de qualidade e de custos tão favoráveis. O Estado deve ser o principal cliente dos laboratórios do Estado, como acontece nos países desenvolvidos.

A revitalização e reorganização da rede do sistema de laboratórios do Estado passa pela recomposição e alargamento; clara definição das respectivas missões; adopção do contrato-programa com o Estado como base de financiamento; autonomia de gestão administrativa e financeira e de selecção e recrutamento de pessoal.

Insistimos que é fundamental tomar consciência da importância para o País de dispor de um Laboratório Nacional do Medicamento, tal como foi aprovado no OE 2020, por proposta do PCP, e que a situação vivida durante a epidemia Covid-19 confirmou.

Segundo o Eurostat, em Portugal, o investimento em ciência, em termos da despesa per capita de investigador Equivalente a Tempo Integral, no sector não-empresarial, é significativamente inferior à média da UE.

Estamos distantes do financiamento necessário e indispensável à ciência, à investigação e tecnologia, mas acima de tudo ao País, a que acresce a falta de pessoal técnico de apoio à investigação.

Falar hoje das condições de trabalho dos trabalhadores científicos, quer se trate de investigadores, quer de pessoal técnico profissional de apoio às actividades de investigação, é falar da situação de precariedade que se vem agudizando de há uma década a esta parte, atingindo com particular gravidade os bolseiros de investigação mais jovens e menos jovens.

Hoje cerca de 75% dos investigadores têm vínculos precários.

Face a esta realidade o Governo, argumentando com a  necessidade de acabar com a precariedade na ciência, o que faz é promover a proliferação de bolsas em ambiente não académico. Ou seja, mão de obra barata, altamente qualificada, paga pelo Estado, que muda de contrato de bolsa em contrato de bolsa.

Este caminho de sujeitar indiscriminadamente os trabalhadores às bolsas de investigação não é compatível com a valorização do trabalho científico, nem contribui para suprir necessidades permanentes dos Laboratórios Associados, Laboratórios do Estado, Instituições de Ensino Superior Público, que produzem trabalho, imaterial e material. Esta é uma condição estruturante para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional e para o desenvolvimento do País, tal ficou bem evidente durante a pandemia, com o enorme esforço despendido pelos investigadores portugueses.

Os bolseiros sentem, particularmente, por um lado o desinvestimento na ciência e por outro as amarguras e as dificuldades da vida em geral e estão a perder poder de compra  desde 2002, com uma perda acumulada de salário que varia entre os 19% e os 28%, consoante o tipo de bolsa. A cada 5 meses, perdem um mês de salário. Há ainda que ter bem presente e não esquecer que ao receberem bolsa apenas durante 12 meses, ao invés de 14, há uma perda de salário anual correspondente a 14%, valor que receberiam caso estes trabalhadores tivessem direito a um contrato de trabalho, como defende o PCP.

O Ministério e a FCT decidiram, no início de Fevereiro, actualizar as bolsas de investigação em 55 euros. Um aumento longe sequer de corresponder à inflação, ou seja os bolseiros continuam a perder poder de compra de forma visível.

É preciso ter ainda em conta que há investigadores contratados com bolsas de iniciação científica bem abaixo do SMN. Apertar o Sistema científico e tecnológico, é a palavra de ordem, e assim é também no corte das propinas no estrangeiro, subsídios de viagem e de participação em conferências, redução do tempo de estadia no estrangeiro para bolsas mistas e bolsas nacionais, com tudo o que isso pressupõe de dificuldades adicionais aos bolseiros de investigação científica. 

O Governo PSD/CDS já tinha acabado com o subsídio de execução gráfica da tese, transformou o subsídio anual para idas a congressos em subsídio único por bolsa e reduziu o período/financiamento das estadias no estrangeiro, sendo que a  falta destes apoios limita grandemente a possibilidade de participação em conferências.

Existem muito poucas organizações nacionais fora da tutela da Ciência que atribuam este tipo de apoios e mesmo instituições ou sociedades científicas estrangeiras que ainda o fazem, a verdade é que, frequentemente, limitam os subsídios a doutorandos ou outros investigadores que trabalhem nas universidades desses países, deixando grande parte das vezes de fora bolseiros.

É urgente repor estes apoios aos bolseiros, não o fazer é manter a situação que, na prática, impede a ida a congressos para apresentação de trabalhos  no plano internacional com a importância que assumem na vida profissional de um investigador.

Há poucos meses a Ministra afirmou que pôr todos os cientistas no quadro mataria a ciência. Faz lembrar a outra Ministra que afirmava que aplicar a lei em vigor das reformas destruiria a Segurança Social, para seis meses depois se ver, por força da luta, obrigada a desdizer tudo o que tinha dito e aplicar aumentos, ainda que limitados e insuficientes, nas reformas e pensões.

Sabemos o que a casa gasta e como são hipócritas as declarações que vamos ouvindo, assim como as lágrimas de crocodilo pela situação dos cientistas e investigadores.

O que mata a ciência é a precariedade laboral, é a falta de estabilidade laboral, é o subfinanciamento.

O que mata a ciência é a situação de precariedade de 4000 investigadores, a grande maioria dos trabalhadores deste sector, e que nos próximos meses e anos correm o risco de ficarem no desemprego.

Ainda no passado dia 18 reunimos com investigadores abrangidos pelo decreto-lei 57, que prevê a abertura de concurso para investigadores com vínculo precário, e sobre o qual o Governo não dá qualquer resposta. Nesta, como outras matérias, o Governo, tão zeloso com o cumprimento de normas e critérios, nomeadamente externos e que põem directamente em causa a nossa soberania, é o primeiro a não cumprir com o que a lei prevê.

Se ainda houvesse quem estivesse iludido com as reais intenções do Governo, aí está a prática, e a política concreta, para dissipar todas as dúvidas.

E há ainda quem se surpreenda com a elevada emigração que se faz sentir entre os jovens, os licenciados, os investigadores e com tudo o que isso implica de desaproveitamento de conhecimento, vontade e capacidades.

É preciso consagrar as carreiras de investigador, docente ou técnico superior, integrando, nomeadamente, todos os trabalhadores bolseiros, pondo fim ao Estatuto do Bolseiro de Investigação. É uma medida justa para os actuais bolseiros, é uma proposta decisiva para suprir as necessidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional.

Este é o caminho a trilhar e até lá é necessária, e de forma imediata, a actualização extraordinária do valor de todas as bolsas, de forma a recuperar, no mínimo, o poder de compra perdido.

Como já sinalizámos, é urgente a reposição do subsídio anual para a participação em missões e ida a congressos, a remoção dos limites impostos para as propinas e períodos no estrangeiro, assim como a actualização anual dos subsídios para actividades de formação complementar, de trabalhos em reuniões científicas, para inscrição, matrícula ou propinas, viagem e instalação, tendo em conta a actualização do valor da Retribuição Mínima Mensal Garantida.

É determinante, a bem de cada um e do sistema científico nacional, o fim das propinas, taxas e emolumentos, nomeadamente as taxas de doutoramento.

Propusemos esta medida na AR, PS e PSD votaram contra, IL absteve-se. A nossa iniciativa foi chumbada, mas a sua necessidade e actualidade estão mais válidas que nunca.

Da política de direita, da alternância, da mudança de caras para manter as mesmas políticas, da berraria e dos votos tácticos para iludir divergência onde, em tudo o que é essencial, só existe convergência, não podemos esperar outra coisa.

Pois o que se impõe é mudar de rumo, é a política patriótica e de esquerda.

O PCP não desiste destes profissionais, não desiste deste conhecimento, vontade e empenho, o PCP não desiste dos investigadores e da ciência e tecnologia.

Não só não desiste como coloca todo este património no centro da sua acção, como instrumento estruturante e fundamental para o desenvolvimento do País e para o aumento da produção nacional.

E há tanto potencial, há tanta vontade e empenho. Temos visto com os nossos olhos no quadro do roteiro da ciência que estamos a levar por diante.

Há tanto que está a ser feito e há tantas condições para se fazer.

Há vontade, há gente disponível, há conhecimento, há condições e gosto em aprofundar e estudar, então, se assim é, há que dar condições à ciência, há que dar espaço à tecnologia, há que investir hoje para colher amanhã.

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