Exposição de motivos
A redução dos preços nos transportes públicos e o alargamento do passe social intermodal a todas as carreiras de todos operadores de toda a região metropolitana de Lisboa, objetivo pelo qual o PCP se bateu durante mais de duas décadas, foi um avanço de um significado inegável para a vida concreta das populações, na sua mobilidade, na sua qualidade de vida, com tarifários mais justos e acessíveis, beneficiando as crianças e jovens, os reformados, pensionistas e idosos e a população em geral. A replicação desta medida para a região metropolitana do Porto, materializada no Andante, contribuiu ainda mais para o significado deste importante avanço.
Esta medida assume um alcance e uma dimensão histórica, não só para as condições de vida das populações, como nos ganhos concretos para o País em termos estruturais, ambientais, económicos, na gestão dos seus recursos, incluindo recursos financeiros – na promoção do transporte público e diminuição do uso do transporte individual, combatendo de forma eficaz problemas como as emissões de gases poluentes, o congestionamento urbano, a dependência energética – tornando evidente a oportunidade e os benefícios que poderiam ter resultado para o País caso esta medida tivesse avançado logo em 1997, quando o PCP a propôs.
A importância desta medida é tornada evidente desde o primeiro momento pelo seu impacto no publicitado aumento dos títulos vendidos, quer do Navegante na região de Lisboa (cerca de 150 mil novos passes até setembro de 2019, face ao período homólogo de 2018), quer no Andante na região do Porto (mais de 14 mil novos títulos), assegurando a mobilidade, a custo acessível, a milhares de cidadãos.
Ganha assim um valor e atualidade, reforçados, o objetivo para no futuro se avançar no sentido da gratuitidade do transporte público, na abrangência nacional desta gratuitidade e no reforço do serviço assegurado.
O PCP tem vindo a intervir e a lutar para criar condições concretas, desde logo no financiamento, aumentando a verba prevista para assegurar que a redução dos preços nos transportes se possa tornar realidade por todo o país. Foi esse o sentido da proposta do PCP, relativamente ao programa de apoio à redução tarifária nos transportes públicos no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, que ao ser aprovada permitiu esse alargamento a todo o território.
Na sua intervenção o PCP procurou garantir que nas áreas metropolitanas o passe social intermodal e o andante continuassem no futuro, com mais abrangência e preços mais baixos. De igual modo apresentou propostas para reforçar as verbas para assegurar que estas medidas pudessem chegar ao terreno em todas as Comunidades Intermunicipais. E finalmente, procurou salvaguardar as medidas que permitam a justa distribuição de recursos entre as empresas de transportes – para impedir mais “rendas excessivas” para grupos económicos privados.
O caminho até agora traçado no âmbito do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART) nos transportes públicos e os benefícios já conseguidos impõe que se tomem medidas para que estas opções sejam concretizadas e mantidas para o futuro. Para tal é necessário acautelar o financiamento dos custos operacionais e de investimento, que continuam a ter que aumentar e ser compensados, sem que isso imponha, no futuro próximo, aumentos nos preços ao público. Sendo certo que a solução de financiamento do PART adotada para 2019 não garante a sua concretização no futuro, já a Contribuição de Serviço Rodoviário, que garantiu em 2018 um volume de receitas de 689 milhões de euros e que no 1.º Semestre de 2019 apresenta já um valor superior a 331 milhões de euros, pode constituir um elemento concreto para a base de financiamento deste Programa para o futuro, sendo proposta do PCP que um terço da verba obtida seja aplicada ao PART (cerca de 225 milhões de euros), continuando os restantes dois terços a ser transferidos para a IP.
Com o presente Projeto de -Lei, o PCP propõe a redução da CSR, no valor correspondente ao que passa a ser realizado por via da Contribuição de Serviço Público de Transportes Públicos, permitindo de forma célere estabelecer um mecanismo duradouro de financiamento do PART. Esta proposta assegura que não haja quaisquer aumentos de carga fiscal, mantendo o montante total das taxas nos valores atuais – mas direcionando uma parte dos recursos para o transporte público com o financiamento do PART.
A redução proposta para a CSR não compromete as necessidades de financiamento da IP que exigem desde logo duas respostas imediatas: por um lado uma abordagem séria, rigorosa e com coragem política ao problema das PPP rodoviárias, que interrompa o ciclo vicioso de despesa pública num negócio ruinoso para o Estado e para o interesse público; e por outro lado uma política de financiamento que garanta a estabilidade, a previsibilidade, a perspetiva futura de investimento e desenvolvimento nas infraestruturas – sem ignorar a necessidade, que o PCP sublinha desde a primeira hora, de reverter a aberrante e desastrosa fusão EP/REFER.
No quadro atual do País, a prioridade não pode ser os pagamentos diretos às PPP rodoviárias, devendo antes assentar na promoção do transporte público e na continuidade para o futuro de um regime tarifário mais favorável.
Não podemos ignorar que o acréscimo de procura e utilização dos transportes públicos, que era em si mesmo um objetivo desta medida da redução tarifária, vem gerar a necessidade de um reforço da oferta de transporte, com mais disponibilidade, qualidade, regularidade. Esse reforço da oferta obriga a um investimento sério, não só nas infraestruturas e frotas, mas desde logo na contratação dos trabalhadores necessários nas diversas áreas.
Não podemos ignorar que persistem na aplicação do PART necessidades e problemas que exigem uma resposta concreta, em particular no que diz respeito às ligações entre regiões, com os tarifários nessas ligações a não refletir ainda adequadamente as reduções que desde o início defendemos, sem discriminações. Não só o Governo, enquanto autoridade de transportes com competência no sector ferroviário, não tomou as medidas necessárias para garantir o financiamento dessa redução tarifária, como por outro lado há uma “poupança” do Governo que se torna deficitária para o sistema de transportes, quando as verbas que eram aplicadas nos passes 4_18, sub_23 e Social+ deixaram de ser transferidas (e só na AML essa verba reduzida ascende a 17 milhões de euros por ano que deixaram de ser transferidas).
Não podemos ignorar ainda que, no atual processo da designada “descentralização”, o Estado se está a demitir de comparticipar os custos do transporte escolar ficando os municípios, em exclusivo, com essa responsabilidade a que acresce o crescente esforço financeiro dos municípios na concretização do próprio PART. A presente proposta do PCP visa permitir também uma resposta a este problema, ao salvaguardar que o aumento de verba a aplicar no OE não signifique um aumento automático e obrigatório de despesa na comparticipação dos municípios, comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas (tendo em conta a percentagem de comparticipação mínima obrigatória definida no PART).
A posição do PCP é profundamente contrária ao modelo que ficou consagrado no Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros. Este não é o modelo mais adequado para o regime de organização e financiamento que se impõe como justo e necessário, mesmo no quadro normativo que veio a dar origem ao atual PART. Aliás, o PCP não só rejeitou firmemente a proposta de lei do anterior governo PSD/CDS que deu origem a esse lamentável regime jurídico consagrado na Lei 52/2015 de 9 de junho, como apresentou uma iniciativa que propunha alterações profundas a esse regime.
Entretanto, importa lembrar que, à luz da lei em vigor, é o Governo a Autoridade de Transportes para vários modos de transporte, o que reforça a necessidade de que a Assembleia da República contribua para uma solução integrada destes problemas.
A presente proposta do PCP visa, assim, contribuir para um quadro legal que desde já permita assegurar que a redução tarifária, tal como foi alcançada nos termos do PART e a ser garantida pelo Estado, não seja votada em cada ano em função dos debates orçamentais, mas que antes seja estabelecida de uma forma plena e estável em força de Lei.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei.
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o regime de financiamento do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos transportes públicos, com vista à manutenção futura da redução tarifária e do aumento de oferta nos transportes públicos.
Artigo 2.º
Financiamento
- É criada pela presente lei a Contribuição de Serviço Público de Transportes Públicos, adiante designada por CSPTP.
- A CSPTP resulta da diminuição da Contribuição para o Serviço Rodoviário, apurada nos termos da Lei n.º 55/2007 de 31 de agosto.
- A CSPTP constitui uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
- A receita da CSPTP é consignada ao financiamento do Programa de Apoio à Redução Tarifária, previsto no Artigo 234.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, adiante designado por PART.
- O acesso ao financiamento do PART nos transportes públicos está sujeito à comparticipação das autoridades de transporte, nos seguintes termos:
- Em 2020, uma comparticipação mínima de 5 % da verba que lhes for transferida pelo Estado;
- Em 2021 e anos seguintes, uma comparticipação mínima de 10 % da verba que lhes for transferida pelo Estado.
Artigo 3.º
Incidência e valor
- A CSPTP incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, e sobre o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos.
- O valor da contribuição de serviço público de transporte público é de (euro) 29/1000 l para a gasolina, de (euro) 37/1000 l para o gasóleo rodoviário e de (euro) 41 /1000 l para GPL auto.
- A revisão ou atualização do valor da CSPTP faz-se por portaria conjunta, nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, e é precedida de parecer da AML, da AMP e da ANMP, não devendo concorrer para o aumento do preço dos combustíveis.
Artigo 4.º
Liquidação e cobrança
- A contribuição de serviço público de transporte público é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.
- Os encargos de liquidação e cobrança, incorridos pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, são compensados através da retenção de uma percentagem de 1% do produto da contribuição de serviço público de transporte público.
Artigo 5.º
Titularidade da receita
- Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o produto da CSPTP constitui receita própria do Fundo Ambiental, devendo ser distribuído pelo conjunto das Autoridades de Transporte para financiamento do PART.
- A receita referida no número anterior deve ser distribuída em cada ano pelas Autoridades de Transporte tendo em conta a aplicação de critérios relacionados com a complexidade do sistema de transportes, o volume de utilizadores de transporte público, o tempo médio de transporte e necessidade de reforço do serviço público de transporte público, critérios esses a estabelecer por Portaria.
Artigo 6.º
Alteração à Lei n.º 55/2007 de 31 de agosto
O número 2 do Artigo 4º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«2 - O valor da contribuição de serviço rodoviário é de (euro) 58/1000 l para a gasolina, de (euro) 74/1000 l para o gasóleo rodoviário e de (euro) 82 /1000 l para GPL auto.»
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a aprovação da Lei do Orçamento de Estado seguinte à sua publicação.