Projecto de Lei N.º 739/XIV/2.ª

Estabelece medidas de redução do número de alunos por turma visando a melhoria do processo de ensino-aprendizagem

Exposição de motivos

I

De acordo com o artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), cabe ao Estado efetivar “as condições para que a Educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais”.

Este dever tem sido desrespeitado de forma flagrante por sucessivos governos que, apostando numa política de desmantelamento da Escola Pública Democrática e do seu papel, aprofundaram medidas de degradação das condições de organização pedagógica e de funcionamento. Tal refletiu-se muito negativamente nas condições de aprendizagem e na própria qualidade do ensino.

Recorde-se a política do Governo PSD/CDS, que encerrou escolas públicas, esbanjou dinheiro público com colégios privados, promoveu a dualidade de ensino e as vias vocacionais, impondo o aumento do número de alunos por turma.

O caminho que foi iniciado na anterior legislatura de redução do número de alunos por turma foi claramente insuficiente e demorado por parte do Governo PS, havendo demasiadas respostas por dar. O PCP apresentou sucessivas propostas para levar a redução do número de alunos por turma mais longe, apresentando medidas que teriam sido ainda mais importantes tendo em conta o atual contexto do surto epidémico.

Os objetivos de desenvolvimento dos alunos previstas na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) são incompatíveis com turmas nas quais o professor não tem condições objetivas de acompanhar próxima e atempadamente o processo de aprendizagem específico de cada um dos alunos, quer seja na educação pré-escolar, quer seja no ensino básico ou secundário.

Ao longo destes anos, têm-se generalizado situações de aumento da carga burocrática do trabalho docente e de negação de condições para um ensino individualizado, conforme consagra a LBSE, que afetam docentes dos diferentes níveis e graus de ensino e educação. A própria diferenciação pedagógica é comprometida, sendo muito mais difícil combater o insucesso escolar, o abandono e de promover a inclusão.

Também do ponto de vista humano e pedagógico, às exigências que se colocam à Escola Pública devem corresponder os meios e as condições adequados. A capacidade de acompanhamento de cada aluno, o relacionamento com as famílias dos estudantes, por parte dos professores, tem uma relação direta com a dimensão das turmas que lecionam e com o número total de estudantes com que trabalham.

A continuação de uma política de empobrecimento dos recursos materiais e humanos da Escola coloca os professores numa posição cada vez mais frágil perante o papel que lhes cabe cumprir e representa um desgaste ainda mais acentuado no âmbito dos fatores que caracterizam o desempenho do papel docente. A tudo isso correspondem efeitos na eficácia pedagógica das escolas e na equidade e igualdade dos estudantes no acesso, fruição e frequência da Escola Pública.

“Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”, pode ler-se no artigo 74.º da CRP. No entanto, a política educativa seguida pelos sucessivos governos tem colocado em causa este direito, com base em objetivos economicistas e programáticos assentes numa estratégia de desresponsabilização do Estado, com tradução numa desfiguração do papel da Escola Pública, criando espaço fértil para a progressiva privatização e “empresarialização” deste importante pilar da democracia.

A escola pública de qualidade deve responder sempre aos objetivos da inclusão, garantindo efetivamente a igualdade de oportunidades para todos.

II

O PCP considera que o ensino presencial tem uma centralidade e uma importância no processo de ensino-aprendizagem que não é substituível por experiências à distância, opinião sustentada na consideração de que o papel dos professores na sala de aula, é imprescindível no acompanhamento dos alunos.

O PCP não discordou da decisão tomada em março, face às circunstâncias conhecidas, de encerrar as escolas e de adotar um modelo de ensino à distância, por via da internet e ou da televisão. Entretanto, a avaliação negativa dos resultados verificados, nomeadamente o facto de mais de 30% dos alunos não terem tido acesso aos conteúdos emitidos e a impossibilidade de os professores ministrarem uma parte dos programas, mostram que o que se impõe é garantir a consolidação do modelo de ensino presencial.

O PCP defende que a consolidação do ensino presencial passa pelo reforço inequívoco da Escola Pública e por mais investimento; pela contratação dos auxiliares de ação educativa de acordo com as necessidades das escolas e não de rácios completamente desajustados à realidade; por contratar os professores em falta, não apenas para suprir as falhas como para recuperar défices criados com o ensino à distância no ano letivo anterior; contratar mais assistentes técnicos e outros técnicos especializados, bem como a melhoria do parque escolar. É fundamental reforçar os apoios aos alunos e isso só é possível com o reforço do número de profissionais a todos os níveis.

A redução do número de alunos por turma é mais do que nunca essencial. Numa altura em que se impõem rigorosas medidas sanitárias, tal como o distanciamento físico, a redução efetiva do número de alunos por turma é uma das medidas com mais urgência para se travar a propagação da COVID 19.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

  1. A presente lei regula a constituição de turmas nos estabelecimentos de educação e ensino no âmbito da escolaridade obrigatória.
  2. A presente lei aplica-se, nas respetivas disposições:
    1. Aos agrupamentos de escolas e às escolas não agrupadas da rede pública;
    2. Aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contrato de associação;
    3. A outras instituições de educação e ou formação, reconhecidas pelas entidades competentes, designadamente às escolas profissionais privadas.

Artigo 2.º

Constituição de turmas

Na constituição das turmas devem prevalecer critérios de natureza pedagógica, em respeito pelas especificidades previstas nos projetos educativos das escolas ou agrupamentos.

Artigo 3.º

Estabelecimentos de educação pré-escolar

  1. Nos estabelecimentos de educação pré-escolar a relação deve ser de 19 crianças para um docente.
  2. Quando se trate de uma turma homogénea de 3 anos de idade, o número de crianças por turma não pode ser superior a 15.
  3. As turmas que integrem alunos apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, são constituídas por um número máximo de 15 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.

Artigo 4.º

Constituição de turmas no 1.º ciclo do ensino básico

  1. As turmas do 1.º ciclo do ensino básico são constituídas por um número máximo de 19 alunos.
  2. As turmas integradas nos territórios educativos de intervenção prioritária as turmas são constituídas por 17 alunos.
  3. As turmas que integrem alunos com apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, são constituídas por um número máximo de 15 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.
  4. Sem prejuízo do previsto no número seguinte, as turmas do 1º ciclo do ensino básico são constituídas por alunos de um ano de escolaridade.
  5. Excecionalmente as turmas de 1.º ciclo do ensino básico podem ser constituídas por mais de que um ano de escolaridade, desde que sejam sequenciais e respeitem um máximo de dois anos de escolaridade por turma.
  6. No caso previsto no número anterior, as turmas são constituídas por um número máximo de 12 alunos.
  7. Cabe aos órgãos pedagógicos do agrupamento de escolas ou escolas não agrupadas a decisão fundamentada da criação de turmas com mais do que um ano de escolaridade.

Artigo 5.º

Constituição de turmas do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico

  1. As turmas do 5.º ao 9.º ano de escolaridade são constituídas por um número máximo de 20 alunos.
  2. As turmas integradas nos territórios educativos de intervenção prioritária as turmas são constituídas por 18 alunos.
  3. Nos 7.º e 8.º anos de escolaridade, o número mínimo para a abertura de uma disciplina de opção do conjunto das disciplinas que integram as ofertas de escola é de 10 alunos.
  4. As turmas de 2.º ciclo que integrem alunos apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, são constituídas por um número máximo de 15 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.
  5. As turmas de 3.º ciclo que integrem apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, são constituídas por um número máximo de 17 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.
  6. Do 5.º ao 9.º ano, cada docente não poderá lecionar, simultaneamente, mais de cinco turmas, num limite máximo de 120 alunos, nem mais de três níveis.
  7. Não sendo possível respeitar o previsto no número anterior, por motivos devidamente justificados, o docente tem uma redução da componente letiva correspondente a 1 hora por cada disciplina, programa ou turma que ultrapasse o definido.

Artigo 6.º

Constituição de turmas no Ensino Secundário

  1. Nos cursos científico-humanísticos e nos cursos artísticos especializados, nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, no nível secundário de educação, as turmas são constituídas por um número máximo de 22 alunos.
  2. Nos estabelecimentos de ensino integrados nos territórios educativos de intervenção prioritária, as turmas são constituídas por um número máximo de 20 alunos.
  3. Nos cursos do ensino artístico especializado, o número de alunos para abertura de especialização é de 8.
  4. O reforço nas disciplinas da componente de formação específica ou de formação científico-tecnológica, decorrente do regime de permeabilidade previsto na legislação em vigor, pode funcionar em qualquer número de alunos, desde que respeitem os máximos previstos na presente lei.
  5. As turmas que integrem alunos com apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, são constituídas por um número máximo de 17 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.
  6. No ensino secundário cada docente não poderá lecionar, simultaneamente, mais de cinco turmas, num limite máximo de 120 alunos, nem mais de três níveis.
  7. Não sendo possível respeitar o previsto no número anterior, por motivos devidamente justificados, o docente tem uma redução da componente letiva correspondente a 1 hora por cada disciplina, programa ou turma que ultrapasse o definido.

Artigo 7.º

Cursos Profissionais do 3.º Ciclo e Ensino Secundário

  1. Nos cursos profissionais, as turmas são constituídas por um número máximo de 20 alunos, exceto nos Cursos Profissionais de Música, de Interpretação e a Animação Circenses, de Intérprete de Dança Contemporânea e de Cenografia, Figurinos e Adereços, da Área de Educação e Formação de Artes do Espetáculo, em que o limite máximo é 14 alunos por turma.
  2. Nos estabelecimentos de ensino integrados nos territórios educativos de intervenção prioritária, as turmas são constituídas por um máximo de 18 alunos, exceto nos Cursos Profissionais de Música, de Interpretação e a Animação Circenses, de Intérprete de Dança Contemporânea e de Cenografia, Figurinos e Adereços, da Área de Educação e Formação de Artes do Espetáculo, em que o limite máximo é 14 alunos por turma.
  3. As turmas dos cursos profissionais, que integrem alunos apoiados com medidas de suporte à aprendizagem ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia das instituições, são constituídas por um número máximo de 15 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.
  4. É possível agregar componentes de formação comuns, ou disciplinas comuns, de dois cursos diferentes numa só turma, desde que respeitado os números máximos previstos no presente artigo.

Artigo 8.º

Ensino Recorrente

  1. Nos cursos científico-humanísticos é criada, nos estabelecimentos de ensino que para tal disponham de condições logísticas e de modo a proporcionar uma oferta distribuída regionalmente, a modalidade de ensino recorrente, cujas turmas são constituídas por um número máximo de 22 alunos.
  2. As turmas que integrem alunos apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes, no quadro da autonomia dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, são constituídas por um número máximo de 17 alunos, não podendo incluir mais de 2 alunos nestas condições.

Artigo 9.º

Disposições comuns à constituição de turmas

  1. O desdobramento das turmas ou o funcionamento de forma alternada de disciplinas dos ensinos básico e secundário e dos cursos profissionais é autorizado nos termos definidos em legislação e ou regulamentação próprias.
  2. A constituição ou a continuidade, a título excecional, de turmas com número superior ao estabelecido nos artigos 3.º a 8.º carece de decisão deviamente fundamentada do conselho pedagógico.

Artigo 10.º

Homologação da constituição de turmas

  1. Compete à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, de acordo com o previsto na lei e sob proposta das entidades previstas no n.º 2 do artigo 1.º, homologar a constituição das turmas no âmbito da rede de oferta educativa e formativa.
  2. Compete, ainda, à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares proceder à divulgação da rede escolar pública, com informação sobre a área de influência dos respetivos estabelecimentos de educação e de ensino.
  3. A informação prevista no número anterior deverá ser facultada até ao dia 30 de maio de cada ano e divulgada nos sítios.

Artigo 11.º

Norma Transitória

  1. O previsto na presente lei é de aplicação progressiva, tendo por base, entre outros, os seguintes critérios:
    1. a) Turmas do primeiro ano de cada ciclo de ensino, designadamente os 1.º, 5.º e 7.º anos do ensino básico e o 10.º ano do ensino secundário;
    2. b) Turmas que sejam constituídas por alunos apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão;
    3. c) Turmas em que o nível de insucesso escolar, no último ano letivo, tenha sido superior à média nacional;
    4. d) Turmas do ensino pré-escolar;
  2. O Governo regulamenta no prazo de 30 dias, após a publicação da presente da lei, o disposto no número anterior.

Artigo 12.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos no ano letivo seguinte à sua publicação.