Exposição de motivos
A acessibilidade aos cuidados de saúde por parte dos utentes é bastante difícil, que decorre de crescentes limitações, que são consequência em grande medida, de uma política profundamente desumanizada que não tem assegurado o adequado financiamento aos serviços públicos de saúde e que decide medidas com implicações clínicas a partir de decisões orçamentais. Na base destas opções está a lógica economicista da gestão da saúde que se projeta nas decisões que têm vindo a ser tomadas de encerramento de serviços de proximidade, na privatização de serviços, na promiscuidade crescente entre o público e o privado, nos compromissos com grandes grupos privados da saúde e que tem tido como consequências a transferência de parte significativa da prestação de cuidados para os grupos privados, a degradação da qualidade dos serviços prestados e o aumento dos custos para as famílias.
Os portugueses já pagam hoje – para além dos impostos – 27,4% dos custos totais com a saúde, o valor mais elevado da União Europeia. A causa desta situação resulta da transferência dos custos da saúde para os utentes, com os elevados custos das taxas moderadoras, a não garantia do transporte de doentes não urgentes a todos que dele necessitam para aceder à saúde, os elevados custos com medicamentos e tratamentos e até dos custos da deslocação em virtude do encerramento e da concentração de serviços públicos de saúde, isto, num contexto de baixos salários e de baixas pensões dos trabalhadores e dos reformados.
Às dificuldades de acesso decorrentes do pagamento das taxas moderadoras soma-se as sucessivas alterações aos critérios de atribuição dos transportes não urgentes de doentes.
Desde 2010 que sucessivos Governos da política de direita introduziram alterações legislativas na atribuição dos transportes não urgentes, designadamente o cumprimento cumulativo dos critérios da justificação clínica e da insuficiência económica, condição única para o acesso ao transporte. Alterações que inviabilizaram e continuam a inviabilizar o acesso de muitos portugueses aos cuidados de saúde.
Em outubro de 2015, com a nova correlação de forças da Assembleia da República, foram tomadas medidas positivas, designadamente, na condição de isenção, sendo atribuído o transporte a doentes com Incapacidade igual ou superior a 60 %; a menores com doença limitante/ameaçadora da vida, mas muito ténues, no sentido de melhorar o acesso dos utentes ao transporte não urgente. Pese embora estas alterações, um estudo divulgado recentemente revelou que no ano de 2017 houve 2 milhões de portugueses que faltaram a consultas, porque não conseguem pagar os custos com os transportes.
O PCP insiste na necessidade da atribuição do transporte não urgente a todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde que dele necessitem, garantindo que o mesmo se faça a título gratuito, bastando que dele careçam por motivos clínicos ou económicos, para consultas, exames ou tratamentos, independentemente do período de duração, pelo que, apresenta a presente iniciativa legislativa.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
A presente lei assegura o transporte não urgente de doentes a todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Artigo 2º
Isenção de encargos com transporte não urgente
O transporte não urgente de utentes que seja instrumental à realização da prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados.
Artigo 3º
Condições de isenção de encargos
- O SNS assegura na totalidade os encargos com o transporte não urgente prescrito aos utentes sempre que a situação clínica o justifique ou por carência económica.
- O SNS assegura, nos termos do presente artigo os encargos com o transporte não urgente dos doentes que necessitem impreterivelmente da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, e independentemente do número de deslocações mensais.
- As situações de prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada nos termos referidos nos números anteriores deverá ser objeto de prescrição única.
Artigo 3.º
Transporte não urgente
Para efeitos do presente projeto de lei, considera-se transporte não urgente o transporte de doentes associado à realização de uma prestação de saúde e cuja origem ou destino sejam os estabelecimentos e serviços que integram o SNS, ou as entidades de natureza privada ou social com acordo, contrato ou convenção para a prestação de cuidados de saúde com o SNS, nas seguintes situações:
- Transporte para consulta, internamento, cirurgia, tratamentos, exames complementares de diagnóstico e terapêutica;
- Transporte para a residência do utente após alta de internamento ou da urgência.
Artigo 4º
Comprovação das condições
As situações clínicas são comprovadas por médico do SNS, no momento da prescrição do transporte, sendo esta registada no processo clinico do utente.
Artigo 5º
Norma Revogatória
É revogado o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 113/2011 de 29 de novembro.
Artigo 6º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente lei, publicando a respetiva portaria no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 7º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.