A maioria dos trabalhadores em Portugal não consegue esticar os ordenados para chegar ao fim do mês com salário, quanto mais para pagar os seus encargos, muito menos para acudir a uma aflição.
Grande parte dos trabalhadores não encontra espaço, nem forças, para uma vida familiar e social normal, atormentada em horários profundamente desregulados por trabalho por turnos e nocturno injustificiados e muito desgastantes.
A grande parte dos trabalhadores é imposto o trabalho suplementar que lhes subtrai tempo indispensável ao seu próprio descanso, ao convívio com a família e com os amigos, à justa fruição dos tempos livres e de actividades culturais, cívicas e desportivas, e está longe de ser devidamente remunerados.
Há, há décadas, um rolo que comprime os direitos de quem produz a riqueza, que aprofunda injustiças e desigualdades, que exige mais produção, a ritmos mais intensos, maior desregulação dos horários e custos mais baixos.
Esse rolo compressor tem estado nas mãos, ora do PS, ora do PSD, ora do PSD/CDS, forças estas de que dirigentes do Chega e da Iniciativa liberal fizeram parte, e que, juntos ou à vez decidiram normas injustas contra os trabalhadores.
Assim como, juntos ou à vez, bloquearam a reposição de direitos como o princípio do tratamento mais favorável, a revogação da caducidade das convenções colectivas, a regulação do trabalho nocturno e por turnos, ou a reposição dos valores devidos pelo trabalho suplementar.
Mas, senhores deputados, está na hora de mudar de política e este é o momento, derradeiro nesta legislatura, para dar ao trabalho a centralidade que merece e para reconhecer aos trabalhadores o direito à elevação das condições de vida que justamente reclamam.
Esta é a oportunidade para, especialmente o PS, emendar a mão e viabilizar os projectos de lei que o PCP volta a apresentar.
Que prestação de contas apresentará o PS aos trabalhadores, depois de ter passado várias legislaturas a frustrar as legítimas expectativas de quem trabalha e depois de ter desperdiçado uma maioria absoluta que deveria ter usado para mudar o rumo e o conteúdo das suas opções, tendo escolhido, pelo contrário, impor uma mal agenda do trabalho digo que, na verdade, está pejada de indignidades?
Hoje, o PS e a direita têm oportunidade de repor o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador – tal como propomos.
É necessário que as convenções colectivas consagrem regras mais favoráveis do que as do Código do Trabalho e não sejam um instrumento ilegítimo para impedir avanços;
É urgente que garantir que os contratos individuais – tão do agrado do patronato – possam sobrepor-se sobre a regulamentação colectiva apenas quando e se estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador.
É hoje que o PS tem a oportunidade de recuar face à sua obstinada recusa – que não justificou na discussão das alterações ao Código do Trabalho – em revogar o regime da caducidade da contratação colectiva, como o PCP propôs e propõe – o projecto de lei n.º 965.
É necessário garantir que as convenções sejam negociadas sem pressões e sem o cutelo da sua caducidade, que sejam subscritas pelos sindicatos e pelo patronato quando estiverem devidamente negociadas e que se mantenham em vigor até serem substituídas por outros instrumentos livremente negociadas.
É necessário garantir que os direitos decorrentes das convenções continuam a aplicar-se aos trabalhadores, mesmo depois de caducados.
As convenções, senhores deputados, são o instrumento nobre na regulação das relações de trabalho e tem de ser alcançado numa base de efectiva negociação e não imposto e diminuído em direitos essenciais.
Há quem diga que o número de convenções depositadas tem estado a aumentar, mas omite que muitas delas foram subscritas sob chantagem patronal, frequentemente com menos direitos em termos de valor real do trabalho, do direito ao descanso, do regime das folgas, desregulando horários, diminuindo o valor do trabalho nocturno e do trabalho aos dias de descanso ou feriado.
Entre muitos outros exemplos, é conhecido o caso do Acordo de Empresa da Petrogal, que chegou a caducar apesar da suspensão dos avisos de caducidade decretada pelo Governo, mas foi assinado um AE que não repôs a totalidade dos direitos.
Estes problemas remetem para outra proposta, visando fixar o trabalho nocturno entre as 20 horas e as sete horas do dia seguinte, limitar o recurso ao sistema de turnos 3 X 8, estabelecer um descanso rotativo, a realização de exames médicos regulares, reconhecer o direito à reforma antecipada e a saída do regime de turnos após 20 anos de trabalho, nem como a fixação de um subsídio de turno justo.
Tais problemas remetem também para a urgência da reposição dos valores do trabalho suplementar, com o acréscimo de 50% na primeira hora e 75% nas horas seguintes em dia útil; e de 100% em dia de descanso ou feriado, assim como a garantia do descanso compensatório remunerado.
O trabalho suplementar pode ser usado pelas empresas em certas circunstâncias, mas não servir para desregular o trabalho nem para forçar a trabalhar, por sistema, mais horas do que são devidas. É um abuso a que urge por cobro.
Fiel à sua natureza de classe, de partido ao serviço dos trabalhadores e do povo, o PCP está do lado certo. O PS, o PSD, o Chega e a Iniciativa Liberal poderão dizer o mesmo?
É hora de mudar de política – e é altura de confrontar os que praticaram sempre as mesmas políticas contra quem trabalha e vive sufocado com a precariedade.