Encontro Nacional do PCP sobre a situação da Educação em Portugal -Interv. de abertura - Jorge Pires

Encontro Nacional do PCP sobre a situação
da Educação em Portugal
Interv. de abertura de Jorge Pires, membro da Comissão
Política do CC do PCP

Camaradas e Amigos convidados,

A realização deste Encontro Nacional, que teve na sua preparação
cerca de quatro dezenas de reuniões em praticamente todo o país,
sobre a situação da Educação em Portugal, num quadro
de profunda crise neste sector, reveste-se da maior importância, não
só pelo contributo que pode dar no apetrechamento do Partido de uma análise
objectiva da relação causa efeito desta crise, mas sobretudo na
definição de um conjunto de propostas fundamentais para a saída
da crise, na procura de um novo rumo para a Educação em Portugal.

Hoje vamos reflectir sobre a crise que afecta a escola e o sistema educativo,
crise que se vem prolongando no tempo, que se situa em questões como
a deficiente rede escolar, na falta de equipamentos, quer em quantidade, quer
em qualidade, nas insuficiências de organização, nas aprendizagens
e nas formações, mas também se situa nos valores e no prestígio
da escola.

Não se trata por isso de uma crise conjuntural, mas sim uma crise estrutural.

Mas ela é estrutural sobretudo porque, não é possível
ultrapassar a enorme contradição entre a escola que os portugueses
e o país precisam e desejam, e as políticas que têm sido
adoptadas pelas classes dominantes do sistema capitalista em Portugal.

Crise que tem entre as suas principais causas, a insistência por parte
dos sucessivos governos, (como um camarada dizia numa reunião as diferenças
situam-se por vezes apenas no “embrulho” em que essas políticas
são apresentadas), em políticas educativas de direita que desde
há muito afrontam a Constituição da República, que
consagra a educação como um direito universal dos cidadãos,
nomeadamente nos seus artigos 74º, 75º e 77º, artigos que garantem
a igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar, da obrigatoriedade
do Estado criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino,
que cubra as necessidades de toda a população “ e o direito
de participação dos professores e alunos na gestão democrática
das escolas, respectivamente.

Políticas, que sustentam as teses de “menos Estado melhor Estado”,
que aplicadas na educação, significam desresponsabilização
do Estado da sua função social na área da formação,
privatização do ensino e elitismo no acesso e a diminuição
da qualidade das aprendizagens.

É neste quadro de crise, de acentuação da ofensiva de
matriz neoliberal, caracterizado pelo aumento das preocupações
de cada vez mais portugueses, pelo clima de indignação, frustação
e pessimismo relativamente ao futuro, a exigir uma maior intervenção
do nosso Partido no sentido de uma maior clarificação das causas
e na identificação dos responsáveis políticos, pela
situação que se vive neste sector, que se realiza este nosso Encontro
Nacional.

Um Encontro que sendo do PCP e tal como é frequente no nosso Partido,
foi aberto a outros amigos que connosco aceitam intervir na defesa da democratização
da educação, na defesa de um sistema educativo ao serviço
do país e dos portugueses, na defesa do Ensino Público, Gratuito
e de Qualidade para todos.

O direito de decidir sobre as orientações que melhor servem o
Partido, que é dos militantes, não impede que na fase de construção
dessas orientações, percurso que é feito de forma participada,
se procure com frequência, como é o caso, incluir as opiniões
de outros que connosco aceitam de livre vontade intervir em torno de objectivos
que nos são comuns, e por isso saudando a participação
de todos neste Encontro, faço-o com particular simpatia a todos os que
não sendo militantes do PCP, aqui estão connosco a contribuírem
com a sua experiência e saber.

Esta é uma prática que tem que ver com a natureza do nosso Partido
e sobretudo com a convicção que temos de que, na nossa luta de
todos os dias, a unidade na acção tem de ser construída
tendo na sua génese a capacidade de ouvir com respeito efectivo, aprender
com opiniões diferentes, que eventualmente até podem ser discordantes
das nossas. Esta é uma forma de estar entre nós, mas também
na nossa relação com os outros.

Exactamente porque temos esta prática, não nos revemos, na acusação
genérica, que ouvimos da boca do Presidente da CONFAP, de que segundo
ele, “os directórios políticos”, estou a utilizar
a sua própria expressão, só desestabilizam as escolas.
Foi mais ou menos assim, que ele disse num fórum organizado por uma rádio
nacional sobre os problemas da colocação de professores, acusação
que foi feita, sem que, em nenhum momento tivesse identificado a origem dos
problemas da abertura do ano lectivo, nas políticas do Ministério
da Educação e nos seus responsáveis.

Certamente que não me está a ouvir, mas não quero deixar
de afirmar aqui neste nosso Encontro, que quer seja no espaço escola,
quer seja na Assembleia da República ou nas autarquias locais, os militantes
do PCP intervêm sempre com sentido de responsabilidade, articulando a
sua intervenção política de massas com a sua intervenção
institucional, formulando propostas para a resolução dos problemas,
sempre ao lado daqueles que são penalizados pelas políticas de
direita, mas nunca abdicando de enquadrar essa intervenção na
luta mais geral por uma “Democracia Avançada no Limiar do Século
XXI”, parte integrante do programa do PCP.

“Democracia Avançada” onde se integra a escola que o PCP
defende e que se distingue dos projectos, que quer a direita, quer o PS em alternância,
têm vindo a concretizar, partidos que como todos sabemos ocupam as cadeiras
do Ministério da Educação, há já 28 anos.

São muitas as diferenças que distinguem o nosso projecto educativo
dos outros, mas há uma que creio ser decisiva na afirmação
das diferenças. É que a escola que o PCP defende, é a escola
que tem por fim formar o aluno e a aluna enquanto homem e mulher independentemente
da ocupação que vierem a ter após a saída da escola
e não a escola que forma o indivíduo em função dos
interesses do grande capital, a escola que reproduza à saída as
mesmas desigualdades da entrada.

Nem sempre esta a coincidência de objectivos entre a política
de direita para este sector e os objectivos do poder económico, são
entendidos por uma parte daqueles que acabam por se transformar nas próprias
vítimas dessa coincidência. Sintomático desta intromissão
crescente do poder económico em decisões relevantes para o funcionamento
do sistema educativo, não só no plano nacional, mas já
no plano transnacional, é o anúncio feito pela Ministra do Ensino
Superior da implementação já a partir do ano lectivo de
2005/2006, de um conjunto de medidas inscritas na declaração de
Bolonha, matéria que terá aqui no nosso Encontro um tratamento
específico.

A actual maioria de direita tem procurado desvalorizar a escola pública
com um conjunto de medidas que não contribuem, antes pelo contrário
para que aumente a qualidade das suas respostas. São os cortes sucessivos
no financiamento, a falta de investimento nas condições de trabalho
de alunos, professores e pessoal não docente, ou a criação
de focos de instabilidade como aconteceu com a colocação de professores,
medidas que têm como objectivo imediato a fragilização do
ensino público e promoverem o ensino privado.

Ensino privado que vêm aumentar os privilégios e subsídios
concedidos pelo Governo, chegando ao ponto de desrespeitarem o próprio
quadro legal.

Por mais ingénuas, desarticuladas e tontas, que possam parecer as opiniões
dos nossos governantes sobre questões concretas, como tem vindo a acontecer
com a Ministra da educação, ou ainda recentemente, com a afirmação
no mínimo ridícula do Primeiro Ministro de que um conjunto de
professores com horário 0, podiam ir acessorar, certamente em termos
administrativos, os juízes, elas enquadram-se sempre numa linha de desvalorização
do ensino público e como tal devem ser entendidas sob pena de se centrar
a luta em questões laterais, como a incompetência da Ministra,
quando a questão central é a luta em defesa da Escola Pública,
Gratuita e de Qualidade para todos.

Camaradas,

Nos objectivos deste Encontro não está apenas a análise
da situação da educação em Portugal. Vamos também
aqui debater um conjunto de propostas que estão formuladas no documento
base, propostas de grande alcance político e pedagógico que poderão
ser traduzidas em futuras iniciativas legislativas.

Não temos certamente propostas para todos os problemas com que o nosso
sistema de ensino se confronta hoje e sobretudo, como Partido responsável
que somos, não fazemos propostas sem que estejamos convictos da sua validade
e sem uma discussão profunda que encontre os argumentos necessários
à sua sustentabilidade.

A discussão vai certamente encarregar-se de mostrar diferenças
de opinião e atrasos na discussão em algumas matérias,
mas o Encontro também tem o objectivo de abrir novos espaços de
avaliação e formulação de novas propostas.

No centro do confronto político e ideológico que se tem vindo
a travar em matéria educação e ensino, está uma
questão central, que diferencia o nosso projecto dos projectos da direita
e do próprio PS, que é o facto de defendermos uma escola que forme
os alunos na perspectiva do trabalho, mas que simultaneamente os forme para
a cidadania, para uma participação na vida política e social,
o “homem total” como dizia Marx e não aquela que resulta
da mercantilização da educação atribuindo-lhe um
valor de troca, para desta forma sustentarem a tese neoliberal, de que quem
quer saúde paga, quem quer educação paga e como o nosso
secretário geral gosta de dizer, se não queres pagar impostos
torna-te rico.

Para nós comunistas, o direito à educação e ao
ensino é assegurado por uma política que assuma a educação,
a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento
integrado do nosso país; que atenda à multiplicidade e diversidade
dos processos educativos e formativos contemporâneos e as dimensões
a que estes necessitam de dar resposta; que considere o conjunto da população
portuguesa e desenvolva um sistema de educação permanente que
integre e equilibre a educação inicial com o ensino e a formação
contínua dos adultos.

Uma política que assegure um ensino da mais alta qualidade para todos
os portugueses e que seja um factor de elevação do nível
cultural da população, da formação integral da pessoa
humana e de afirmação da cidadania plena e criadora numa sociedade
democrática.

Direito à educação que é assegurado por um sistema
educativo que valorize o ensino público, democraticamente gerido e dotado
de objectivos, estruturas e programas e meios financeiros e humanos que permitam
o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso
educativo a todos os portugueses.

Projecto político que defende a existência de uma escola em transformação,
para o desenvolvimento e a modernização, para a emancipação
cultural e a pedagogia democrática, para a educação permanente;
uma escola apoiada na sua função cultural.

Uma política que olha para o investimento na educação
não como um investimento considerado na lógica capitalista, mas
um investimento na humanização da vida.

Camaradas

Tal como é referido no projecto de Resolução deste Encontro,
a expressão mais aguda desta crise, está naquele que é
certamente o maior problema do nosso sistema educativo, que é o facto
de Portugal só ser ultrapassado a pouca distância por Malta, nas
mais elevadas taxas de insucesso escolar e abandono precoce. Tal como poderão
verificar numa consulta aos dados estatísticos distribuídos nas
vossas pastas, a percentagem de portugueses entre os 25 e 64 anos que completou
o ensino secundário passou de 19,9 em 92 para 20,6 em 2002, enquanto
por exemplo a Grécia passou de 36,6 para 52,7 e a Espanha de 24 para
41,6.

Quanto ao abandono precoce nos jovens entre os 18 e os 24 anos, Portugal passou
de 50% para 40,4 em 2003, enquanto a Espanha passou de 40,4 para 29,8 e a Grécia
de 25,2 para 15,3. Mas se observarmos alguns dados recentemente publicados pela
U.E., já com a consideração dos 25 países, temos
por exemplo que o nível de escolaridade dos jovens em 2002 em Portugal
era de 43,7, enquanto na Eslovénia era de 90 e a Eslováquia de
94%. E que relativamente ao abandono precoce no secundário, em Portugal
era de 48%, enquanto na Eslováquia e na República Checa era de
5% , na Polónia 8 e na Dinamarca 9%.

Sendo certo que a educação não pode ser reduzida a dados
estatísticos, ou isoladamente a outro elemento qualquer, estes são
números que elucidam bem a gravíssima situação que
temos em Portugal e que exigem rapidamente um conjunto de medidas e objectivos
definidos no tempo, sob pena do nosso País se atrasar irremediavelmente
no seu desenvolvimento.

Medidas que não podem passar por operações de Marketing
político, como aconteceu ainda recentemente com a apresentação
do Plano de Prevenção do Abandono Escolar apresentado com pompa
e circunstância pelo Governo de Durão Barroso. Foi o próprio
Conselho Nacional de Educação que escreveu no seu parecer, que
“Ao privilegiar o anúncio mediático do ataque ao problema,
apresenta-se um documento não isento de ambiguidades, quer quanto à
sua natureza, quer quanto às suas finalidades, sem uma avaliação
sólida das intervenções e programas já desenvolvidos
entre nós e tributário de uma perspectiva centralizadora, no método
e nas soluções apontadas. Esqueceu-se, sobretudo, a participação
e o envolvimento prévios de actores fundamentais, sendo difícil
não discernir uma reacção mais ou menos generalizada de
alguma indiferença, um certo sentimento de descrença e o cepticismo
com que o Plano foi recebido.”

Foi neste quadro, de enorme gravidade social e com a consciência de que
podemos dar um importante contributo, recolocando de formas séria este
problema na agenda política, que decidimos anunciar-vos em primeira mão,
o lançamento, ainda durante o mês de Novembro, de uma iniciativa
promovida pelo nosso Partido, que irá culminar com a apresentação
durante o próximo mês de Março, antes do período
de férias da Páscoa, de um Plano de Combate ao Insucesso Escolar
e ao Abandono Precoce.

Durante os próximos quatro meses serão organizadas um conjunto
de iniciativas de auscultação e debate com todos os actores fundamentais
que intervêm no processo educativo, não esquecendo que este é
e cada vez mais um problema de toda a sociedade e que esta deve ser envolvida
na sua resolução.

Pode dizer-se que o insucesso escolar, pela sua extensão e por aqueles
que penaliza, tende a ser hoje na prática, o meio privilegiado de selectividade
social no acesso à escola, que anteriormente era desempenhado quase exclusivamente
por factores de ordem económica.

Camaradas,

A educação e o sistema de ensino assumem uma importância
fundamental, não apenas para o indivíduo mas também para
a sociedade. A importância das questões educativas advém
do papel determinante que o sistema escolar desempenha na formação
da juventude, no processo científico e tecnológico e na formação
dos quadros técnicos e intelectuais, necessários ao desenvolvimento
independente do País.

Estas são razões suficientes para que o PCP reforce a sua intervenção
nesta área estruturante da sociedade portuguesa. Outros camaradas virão
a esta tribuna abordar temas específicos do nosso sistema educativo,
mas também da organização e intervenção partidária
e por isso não me vou alongar muito. Apenas referir que a nós
comunistas cabe-nos a importante tarefa da transformação revolucionária
da sociedade e para isso é fundamental que nos transformemos em agentes
activos dessa transformação. O caminho é organizarmo-nos
mais e melhor, potencializando os colectivos partidários naquilo que
de melhor eles têm, que é a sua vida democrática, a análise
e criação colectiva na procura das melhores soluções
para o País e os portugueses.

Como alguém escreveu um dia, “ é o Homem que com a sua
consciência, a sua acção e a sua luta determina o curso
da história. Os Homens são obreiros das transformações
sociais”.

 

 

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