Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial
(apreciação parlamentar n.º 64/XII/3.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O PCP requereu a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 133/2013 e promoveu o agendamento deste debate em Plenário, porque as opções políticas que o Governo pretende consagrar e impor através deste diploma são de uma enorme gravidade e têm de ser claramente rejeitadas.
É nesse sentido que apresentamos, neste momento, um projeto de resolução propondo que a Assembleia da República determine que este Decreto-Lei deixe de estar em vigor.
Estamos perante um diploma que, contrariamente ao que apresenta, não é um regime jurídico com os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, é, antes, uma espécie de «manual de instruções» para o desmantelamento do setor empresarial do Estado, para a destruição das funções económicas e sociais do Estado e para o assalto aos salários, aos direitos e às condições de vida dos trabalhadores destas empresas.
Este Decreto-Lei incorpora um novo ataque à contratação coletiva das empresas públicas e locais, visando impor uma nova redução da massa salarial destes trabalhadores, nomeadamente procurando reduzir o valor pago no subsídio de refeição, nas ajudas de custo, no trabalho extraordinário e no trabalho noturno.
Em algumas empresas e categorias profissionais a aplicação do articulado da lei resultaria numa redução de cerca de 30 a 40% dos rendimentos reais desses trabalhadores, pois trata pela mesma medida o que não tem a mesma organização do tempo de trabalho, nem a mesma penosidade, nem a mesma exigência técnica, nem o mesmo percurso de negociação coletiva. Aliás, é preciso que fique bem claro que aquilo que está em causa nesta discussão não é menos que o respeito e o cumprimento de princípios essenciais do Estado de direito.
O Governo considera que, em nome da santíssima troica, pode passar por cima do que quiser, incluindo toda a regulamentação coletiva de trabalho, em violação flagrante, consciente e assumida face ao espírito e à letra da Constituição da República, mas também em violação do que foi acordado, da palavra dada, do contrato assinado.
Mas o próprio Governo e as administrações de muitas empresas públicas já reconheceram que o Decreto-Lei não pode ser cumprido. E assumiram esse compromisso. E diversas empresas públicas já assumiram que não vão cumprir (total ou parcialmente) o conteúdo do famigerado artigo 18.º deste Decreto-Lei.
Não nos venham falar em rigor na gestão das empresas! É que o problema da falta de transparência está ligado à destruição dos mecanismos que permitiam o controlo de gestão por parte dos trabalhadores, que, aliás, foram os primeiros a alertar para infames situações de gestão ruinosa (ou mesmo corrupção) que aqui abordámos, como foi o caso da venda de sucatas na rede ferroviária ou os milhares de milhões de euros perdidos em contratos swap.
O que este Decreto-Lei representa é uma gravíssima ofensiva e um passo mais no caminho, que o Governo insiste em trilhar, de reconfiguração do Estado e das suas funções sociais e económicas, sempre com a mesma regra: Estado mínimo para os trabalhadores e para o povo, Estado máximo para os grandes grupos económicos e financeiros.
É urgente e indispensável travar este caminho e é urgente que a Assembleia da República delibere para que este Decreto-Lei deixe de estar em vigor, cumprindo o seu papel de órgão de soberania, na defesa do interesse nacional, na defesa dos trabalhadores e do povo, na defesa do Estado de direito.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Começo por propor aos Srs. Deputados que da próxima vez que vierem aqui falar de honestidade intelectual prolonguem esse raciocínio e pratiquem essa atitude no debate.
Queria pedir os Srs. Deputados que nos dessem um exemplo — só um, para amostra! — de uma empresa de metropolitano ou de transportes públicos da Europa que dê lucro com as receitas dos bilhetes. Façam favor! O exemplo de uma empresa europeia, ou de um país americano, que dê lucro com as receitas dos bilhetes e que não tenha uma contribuição do Estado para garantir a sua função económica e social dessas empresas!
A seguir, os senhores vão falar da Navegação Aérea de Portugal (NAV Portugal) e da gestão de tráfego aéreo e vão dizer muito bem do sector público e dos trabalhadores do sector público, mas vão esquecer-se do que estão a dizer agora: que é preciso roubar os trabalhadores desta forma e traí-los, como estão a fazer com este Decreto-Lei!
Os senhores vêm aqui falar do grave problema de endividamento das empresas públicas! Nós perguntamos: quem é que o criou?! Foram os trabalhadores?! Foram os utentes?! Ou foram os administradores que os senhores nomearam?!
Ou foram os Governos do PSD, do PS e do CDS, ao longo de quase 38 anos?! Essa é que é a questão, Srs. Deputados!
É ou não verdade que as empresas públicas estão mais endividadas agora, dois anos e meio depois de o vosso Governo ter tomado posse?! É ou não verdade?!
É ou não verdade que já foram milhares e milhares de euros, milhões e milhões de euros, em swaps, para as empresas do grande capital?!
Não era preciso nada disto para responder ao problema do endividamento, Srs. Deputados! Alguém acredita que, para reforçar o controlo financeiro e o papel do IGCP, era preciso trair os trabalhadores e roubá-los desta maneira?!
Sr.ª Presidente, antes de terminar, queria apenas dizer que lamentamos que o PS, apesar de ter dito que não acompanha o n.º 4 do artigo 18.º deste Decreto-Lei (também era só o que faltava), tenha afirmado que existe, do ponto de vista estratégico, um consenso quanto àquilo que este Decreto-Lei trouxe de novo. É precisamente do ponto de vista estratégico que este Decreto-Lei e esta política exigem um forte combate e uma firme rejeição.
E esta é, mais uma vez, a demonstração das razões fortes que o povo tem, nomeadamente, os trabalhadores, para necessitar, urgentemente, que este Governo seja derrotado de uma vez por todas.