Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Os direitos ganham-se e perdem-se. Mas nada está perdido para todo o sempre"

Camaradas e Amigos

Estamos perante mais um salto qualitativo na ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. O Governo avançou com uma proposta que visa golpear a contratação colectiva por via da aceleração da sua caducidade a par da proposta de prolongar o roubo do pagamento pelo trabalho extraordinário prestado.

As ameaças que comportam as alterações à legislação laboral por iniciativa do governo, em particular a que se refere à contratação coletiva, está longe de ser um ato isolado, ou tão só mais uma exigência ou consequência do pacto de agressão imposto pelas troikas nacional e estrangeira. Mais do que uma consequência da poliítica de direita ele insere-se no objetivo do Governo e dos seus mandantes: Aumentar a exploração e o empobrecimento dos trabalhadores.

Insere-se na ofensiva de cortes nos salários, pensões e reformas, de férias, feriados e horas extras no aumento dos impostos, no ataque ao direito ao emprego e à segurança no emprego, na liquidação de instrumentos coletivos que consagram direitos, no enfraquecimento da própria organização dos trabalhadores e da sua unidade. O capitalismo, num quadro de crise estrutural aproveita a sua própria crise para tentar impor esse aumento da exploração, no confronto sempre atual de interesses de classes antagónicas, da própria luta de classes que continua a ser uma questão central na época que vivemos.

No nosso país houve uma revolução. A revolução de Abril que conduziu a transformações económicas e sociais profundas e de onde emergiram direitos sociais e laborais que acabaram por ter uma ampla e qualificada consagração na Lei Fundamental a Constituição da República.

Acolhimento e consagração que não foi dádiva dos legisladores, antes o reconhecimento duma realidade conquistada e criada de facto pelos trabalhadores e pela sua luta, pela sua luta organizada nos sindicatos e comissões de trabalhadores a partir da empresa e dos locais de trabalho.

É a partir do ato e do processo de Abril que se avançou imenso. Mas não foi ponto de partida. A luta de gerações inteiras de trabalhadores que os antecederam foram os obreiros dos alicerces da construção do edifício jurídico- constitucional em particular a legislação laboral.

Não foi o legislador que inventou ou criou o direito à greve, à ação reivindicativa e à contratação coletiva, à organização sindical.
Teve o mérito de os reconhecer e consequentemente dar força legal aos trabalhadores, mais força na medida em que sabemos que mais vale ter a lei do nosso lado do que contra nós.

Condição importante, sem dúvida, mas insuficiente. O que se conquistou pela ação, pela luta e até por negociação não se garante eternamente por decreto. O capital, os seus executantes políticos, numa se conformaram com as parcelas de domínio perdido conquistadas pelos trabalhadores e resultantes de uma relação de forças conjunturalmente favorável.

Assim, durante mais de três décadas, no processo de recuperação e restauração capitalistas a questão dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores foi sempre um alvo a abater perante a lógica e a natureza do capitalismo que faz da exploração a condição fundamental para alcançar o supremo objetivo do lucro.

Nesse processo a ofensiva não foi só política económica e social mas também ideológica exercitando o divisionismo. Ideológica anunciando e decretando o fim da luta de classes, o desvalor da luta organizada e das suas organizações, um capitalismo apresentado como o fim da história, irradiando pelos poderosos meios que detem a ideologia das inevitabilidades, do conformismo e da resignação, criando uma nova fraseologia adjectivada de modernidade, flexibilidade, de competitividade que traduzido significa precaridade, desregulamentação, destruição de direitos, afinal velhos métodos de exploração. Procurando dividir as gerações de trabalhadores. Dividindo os trabalhadores em conformidade com o seu vínculo laboral mas particularmente dividindo os trabalhadores da Administração Pública do sector privado, atacando à vez, procurando igualizar por baixo os seus direitos e os seus salários.

É isso que a troika estrangeira manda fazer.E isso que a troika nacional acordou e é isso que este Governo tenta executar. Um Governo socialmente isolado e desgastado no confronto com os trabalhadores e a sua luta mas que, em fuga para a frente, com os dias contados, sabe no entanto que quanto mais destruir mais difícil torna a recuperação dos direitos.

É neste quadro que temos de travar o nosso combate e de saber articular a ação e a luta de massas com a ação institucional.

Temos de ir às origens, aos destinatários que estão ameaçados nos seus direitos, ao local onde se dá o confronto e o desfecho do conflito – à empresa e ao local de trabalho, esclarecer e mobilizar os trabalhadores não tanto para que nos passem a credencial de representantes dos seus interesses e direitos, mas ganhá-los para que sejam eles próprios protagonistas da luta em defesa desses interesses e direitos que são seus.

Nunca houve negociação de contrato ou convenção coletiva com resultados positivos que dependesse tão só da capacidade dos negociadores.

Tal como é abstruso que um representante ou uma organização de trabalhadores vá para uma negociação para perder direitos!
O elemento decisivo e determinante foi sempre, quando a negociação foi sustentada na ação reivindicativa, na mobilização e luta dos trabalhadores, a partir das empresas e dos sectores e no quadro da luta mais geral.

Esta perspetiva, esta opção de fundo que constitui lição e ensinamento do movimento operário e sindical tem uma grande atualidade e é inseparável da luta institucional e tendo em conta as propostas do Governo de alteração à legislação laboral.

O PCP tendo disso plena consciência dá uma atenção fundamental à organização partidária nas empresas e locais de trabalho.

E, também no que ao PCP se refere, os trabalhadores sabem que podem contar connosco, com a denúncia, o combate e a proposta do Grupo Parlamentar. Temos a consciência da importância da Constituição Laboral que dirimindo o conflito de interesses entre o direito do trabalho e os do poder económico faz uma opção clara do lado dos trabalhadores devendo a Lei estar em conformidade com a Constituição.

Mas a Constituição não se defende e efetiva por si própria.

São precisas forças políticas e sociais que o façam. E que lutem por isso, como faz a CGTP-IN, designadamente com a convocação de uma grande manifestação nacional para o próximo dia 10 de Julho.

Não esquecendo nunca que é lá, onde estão os trabalhadores, lá onde se eleva a consciência, lá onde se libertam a energias e surgem novos lutadores, lá na empresa, no local de trabalho, que as coisas se decidem.

Sim! Os direitos ganham-se e perdem-se. Mas nada está perdido para todo o sempre

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