Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

"Os direitos das mulheres são uma conquista da democracia e um dos seus pilares fundamentais"

Debate de urgência sobre violência de género
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A violência sobre as mulheres é uma incontestável violação dos direitos humanos.
Esta violência exprime-se na esfera pública e privada, liga-se à relação homem/mulher na família, estende-se à esfera económica e produtiva e à violação de direitos fundamentais.
Em março de 1989, o PCP apresentou uma iniciativa legislativa sobre proteção de mulheres vítimas de violência, aprovada por unanimidade, dando corpo à Lei n.º 61/91.
À data, afirmámos que, e passo a citar: «as razões da violência que se abate sobre o sexo feminino, encontramo-las numa organização familiar ditada por interesses puramente económicos que instituiu a desigualdade na família e que transpôs para o próprio Estado o modelo dessa organização, baseada no direito ao abuso do poder e no dever de obediência, por parte dos oprimidos, entre os quais se situam também, como é óbvio, muitos homens.
Este flagelo não se reduz a uma questão privada de relações entre os sexos. É, pelo contrário, uma importante questão política, como questão política é o problema geral de promoção da igualdade, sem a qual a democracia ficará inacabada».
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, vivemos tempos de empobrecimento forçado de largas camadas da população, tempos de retrocesso civilizacional, em especial para as mulheres e crianças. Tempos de retrocesso onde germinam seculares formas de exploração e violência: violência doméstica, exploração na prostituição, tráfico de seres humanos, assédio moral e sexual no local de trabalho, discriminações salariais, violação dos direitos de maternidade e paternidade, mutilação genital feminina, entre outras.
Três anos de aplicação do pacto da troica, subscrito por PS, PSD e CDS e aplicado pelo atual Governo, tiveram impactos brutais no desmantelamento das funções sociais do Estado, da segurança social pública, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública.
Portugal ratificou diversos instrumentos internacionais de combate à violência. Não obstante os passos que têm sido dados, hoje, o País é mais desigual, um número crescente de pessoas vive abaixo do limiar da pobreza, as mulheres continuam a ser vítimas de violência, sem garantias de uma efetiva prevenção, proteção e ressocialização.
Para o PCP, é fundamental assegurar medidas de prevenção das causas da violência doméstica, que conjuga fatores culturais e de ordem económica e social.
Para o PCP, é incontestável a necessidade de intervir ao nível dos valores éticos e culturais que continuam a marcar comportamentos e atitudes, e não é menos verdade que esse combate não terá sucesso se não for acompanhado por uma ação governativa que combata as causas e fatores que persistem em colocar as mulheres numa situação de vulnerabilidade económica e social a este fenómeno: a pobreza, o desemprego, a precariedade, a exclusão do acesso a direitos básicos, os fatores psicossociais, porque aprofundam as desigualdades e atacam as pessoas nos seus mais elementares direitos.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Secretários de Estado,
Srs. Deputados:
Reconhecemos a importância de medidas específicas que foram tomadas no domínio do combate à violência doméstica, tráfico de seres humanos e mutilação genital feminina.
No entanto, gostaria de mencionar algumas das preocupações que mantemos, designadamente, quanto: à necessidade de reforçar respostas de inclusão social para as pessoas prostituídas; ao reconhecimento da exploração na prostituição como uma violação dos direitos humanos; à insistência da separação entre vítimas de tráfico e de exploração na prostituição como forma de dificultar o combate efetivo a este flagelo; e às dificuldades de acesso ao apoio judiciário e a outros apoios sociais.
Se há unanimidade em considerar que a violência doméstica é inaceitável, já sobre os mecanismos concretos para a combater e erradicar entendemos que é preciso ir muito mais longe, designadamente no que diz respeito à garantia das funções sociais do Estado e às suas condições de exercício em igualdade e qualidade para todas as pessoas.
Para o PCP, é determinante prevenir, combater e erradicar a violência nas suas múltiplas expressões, nas suas causas mais profundas e, ao mesmo tempo, adotar medidas específicas em cada uma das suas vertentes.
Este combate deve ter como pano de fundo o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, designadamente quanto à igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres no casamento, ao direito à integridade física e moral, à garantia do cumprimento dos direitos sexuais e reprodutivos, ao direito à proteção jurídica e ao acesso aos tribunais para a defesa dos direitos, ao direito ao trabalho com direitos e ao direito ao salário igual para trabalho igual.
Para o PCP, é urgente a adoção de políticas transversais que garantam um acesso público e universal à saúde, ao planeamento familiar, ao emprego, à educação, ao aumento dos salários, ao direito ao trabalho com direitos, ao reforço da proteção social, ou seja, estes são elementos necessários ao verdadeiro combate às causas da violência sobre as mulheres.
Para o PCP, o combate a todas as formas de violência sobre as mulheres é um combate do regime democrático, porque é uma conquista do regime democrático os direitos das mulheres.
Por isso mesmo, os direitos das mulheres constituem um pilar fundamental da nossa democracia, pelo que esta não é uma luta de campeonatos e de bandeirinhas, é uma luta de civilização.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • Prostituição