Projecto de Lei N.º 28/XV/1

Determina a cessação de vigência do regime de concessão da nacionalidade portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal em 1496

(10.ª alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro que aprova a Lei da Nacionalidade)

Exposição de motivos

Através da Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho, a Assembleia da República alterou a Lei da Nacionalidade com o objetivo de permitir a aquisição da nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal em 1496.

Foi assim aditado um novo n.º 7 ao artigo 6.º da referida lei, dispondo que “o Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.”

Os requisitos dispensados nas alíneas b) e c) do n.º 1 dizem respeito à obrigatoriedade de residência em Portugal e ao conhecimento da língua portuguesa.

Esta alteração legislativa teve origem no Projeto de Lei n.º 373/XII do Partido Socialista apresentado em março de 2013 ao qual se juntou, com idêntico objetivo, o projeto de lei n.º 394/XII, do CDS-PP, apresentado no mês seguinte.

Estes projetos de lei foram apresentados com o propósito de promover a reparação histórica dos descendentes de judeus sefarditas de origem portuguesa pelas perseguições que esta comunidade sofreu entre a decisão de expulsão tomada durante o reinado de Dom Manuel I e a extinção da Inquisição após a Revolução de 1820.

A Lei Orgânica n.º 1/2013 foi aprovada por unanimidade tendo em conta a generosidade dos seus propósitos e sem que houvesse a consciência – importa reconhecê-lo – nem do número de potenciais abrangidos nem do real impacto que a sua aplicação poderia ter em matéria de aquisição da nacionalidade portuguesa.

Quando, em 2019, foi aberto um processo de alteração da Lei da Nacionalidade através da apresentação de diversas iniciativas legislativas visando, entre outros aspetos, o alargamento da relevância do jus soli na atribuição da nacionalidade originária, foi apresentada pelo Partido Socialista, na especialidade, uma proposta no sentido de limitar o alcance da aplicação da Lei Orgânica n.º 1/2013.

Tal proposta foi justificada pela evidência de um manifesto abuso na concessão da nacionalidade portuguesa a dezenas de milhares de cidadãos, na sua esmagadora maioria sem qualquer relação com Portugal, mas que, invocando a sua descendência de judeus sefarditas de origem portuguesa, obtinham a nacionalidade portuguesa, a troco de dinheiro e por mera conveniência.

Foi na altura publicamente denunciado o facto da facilidade na atribuição da nacionalidade portuguesa ser publicitada por agências de viagens em Telavive que ofereciam os seus préstimos para esse efeito e de haver suspeitas do facilitismo com que a comunidade israelita do Porto certificava a descendência de judeus sefarditas para os efeitos previstos na lei.

Nas audições realizadas, os próprios Ministros dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva) e da Justiça (Francisca Van Dunen) referiram o facto de haver um manifesto abuso do regime legal estabelecido em 2013 que se estava a traduzir inclusivamente num fator de grave desprestígio para Portugal, designadamente junto dos demais países da União Europeia.

Importa referir que em Espanha, a lei de reparação histórica que foi aprovada, de sentido idêntico à que foi aprovada em Portugal em 2013, teve um período de vigência limitado no tempo, pelo que já não vigorava aquando da discussão ocorrida em Portugal em 2019 e 2020.

A proposta apresentada pelo PS não determinava a cessação de vigência do regime aprovado em 2013. Limitava-se a mitigar a possibilidade da sua utilização abusiva, fazendo depender a sua aplicação da existência de uma “efetiva ligação à comunidade nacional”.

Essa simples possibilidade suscitou a oposição expressa dos grupos parlamentares do BE, do CDS-PP e do PAN. O PSD apresentou uma proposta própria que também propunha a mitigação do âmbito de aplicação da lei n.º 1/2013 através da verificação de diversos requisitos de ligação à comunidade nacional. O PCP manifestou sempre a sua disponibilidade para votar favoravelmente propostas no sentido de pôr fim aos abusos que se estavam a verificar na aplicação da lei n.º 1/2013.

A contestação pública a qualquer alteração à lei de 2013, vinda de sectores ligados às comunidades israelitas portuguesas e de personalidades ligadas ao Partido Socialista, fez com que o PS tenha retirado formalmente a sua proposta em maio de 2020 e com que tenha sido rejeitada a proposta do PSD pelos votos contra do PS e do BE.

Assim, a possibilidade de mitigação dos abusos cometidos ao abrigo da Lei Orgânica n.º 1/2013 foi remetida para futura alteração ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, a qual só se verificou em março de 2022, depois de muita água ter corrido sob as pontes.

Com efeito, a notícia de que um cidadão com dupla nacionalidade russa e israelita, de nome Roman Abramovic, tinha adquirido também a nacionalidade portuguesa ao abrigo da Lei n.º 1/2013, sem ter qualquer ligação que se conheça à comunidade nacional, fez desencadear a curiosidade pública e mediática, até aí praticamente inexistente, sobre os abusos que poderiam ser cometidos – e que já teriam sido cometidos – ao abrigo das possibilidades legais de concessão da nacionalidade portuguesa a reais ou supostos descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal.

Acresce que, mais recentemente, responsáveis da comunidade israelita do Porto foram constituídos arguidos por suspeitas de corrupção na certificação de descendência sefardita para efeitos de obtenção da nacionalidade portuguesa.

Quase nove anos passados sobre a entrada em vigor da Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho, que teve como propósito a reparação histórica de injustiças cometidas entre 1496 e 1820 sobre a comunidade judaica, é tempo de determinar a cessação de vigência desse regime legal que, a manter-se em vigor na presente data, já não se traduz na reparação de injustiças, mas antes, num meio de obtenção da nacionalidade portuguesa por mera conveniência por quem não em qualquer ligação à comunidade nacional, deixando atrás de si um lastro de suspeitas de corrupção e de desprestígio internacional do nosso país.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina a cessação de vigência do regime legal de aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de descendentes de judeus sefarditas portugueses instituído pela Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho, procedendo à 10.ª alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade.

Artigo 2.º

Norma revogatória

É revogado o n.º 6 do artigo 7.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2021, de 14 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 194/2033, de 23 de agosto, e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, 2/2018, de 5 de julho e 2/2020, de 10 de novembro.

Artigo 3.º

Entrada em vigor

  1. A presente lei entra em vigor no dia imediato à sua publicação.
  2. Os requerimentos de concessão de nacionalidade portuguesa apresentados ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação atual, que se encontrem pendentes, são apreciados nos termos constantes do artigo 24.º-A do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 43/2013, de 1 de abril, 30-A/2015, de 27 de fevereiro, 71/2017, de 21 de junho e 26/2022, de 18 de março.
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