(interpelação n.º 19/XII/4.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A agricultura é uma das áreas económicas em que a distribuição da riqueza produzida é mais escandalosa e os preços pagos à produção são disso exemplo.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes ao mês de outubro registam decréscimos de 67% no preço da batata, de cerca de 8% no preço do azeite a granel, de 9% no preço dos hortícolas frescos e de 2% no preço das plantas e flores. O exemplo da batata, paga a 5 cêntimos/kg, é gritante; de resto, muitos agricultores decidiram não a retirar da terra. O leite continua a ser pago abaixo da média europeia e os efeitos do embargo russo e do fim das quotas poderão ser desastrosos.
Em relação aos pequenos frutos, como o mirtilo, que tanto tem servido de propaganda na instalação de jovens agricultores, as explorações estão comprometidas. Muitos produtores assumiram nem fazer a colheita e a estrutura de comercialização refere que o excesso de produção está a esmagar os preços. O Ministério só diz que o problema decorre da exclusiva vontade e orientação produtiva dos proponentes dos projetos de investimento.
A distribuição dos apoios através da política agrícola comum (PAC) continua desigual: 5% dos agricultores recebem 70% das ajudas.
Com a obrigatoriedade de inscrição dos pequenos agricultores nas finanças, foram mais de 15 000 os agricultores que deixaram de apresentar candidaturas. Desde 2010, com este Governo, perderam-se 93 700 empregos na agricultura.
No Alqueva, perante o maior investimento público de sempre na agricultura, têm vindo a prosperar largamente a monocultura intensiva, os grandes grupos económicos e as multinacionais, como a Sovena e a Syngenta, um modelo económico que não teve reflexos na empregabilidade, nos salários ou na fixação de população. Pelo contrário, tem vindo a intensificar-se um modelo de salários baixos e de precaridade.
Nas pescas, os preços em lota são, na sua maioria, abaixo de 1 €, sendo comum haver preços de 35, de 15 e até mesmo de 7 cêntimos. Em 2013, o preço médio dos peixes marinhos foi de 1,46 €, tendo reduzido face ao ano anterior, contudo, nas vendas ao consumidor os preços não descem abaixo de 4 €. O PCP já propôs o estudo da cadeia de valor, determinando margens médias. A proposta foi aprovada em 2012, mas o Governo continua sem a respeitar.
A relação entre a produção e a distribuição é asfixiante para os produtores. A Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia (PARCA), enquanto mecanismo de intervenção, não impediu que os preços na produção continuassem a descer. Um estudo do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral refere que, na distribuição de valor criado ao longo da cadeia, os agricultores ficam com 10% e o comércio com 75%.
A grande distribuição tem, em Portugal, 75% do mercado. O Grupo Jerónimo Martins teve, entre janeiro e setembro de 2014, resultados líquidos de 237 milhões de euros; a SONAE aumentou os seus lucros quase 50% nos primeiros nove meses do ano.
Pode até ter aumentado a produção, mas em matéria de distribuição da riqueza o País está pior. A riqueza produzida pelo País no setor primário tem vindo a concentrar-se e só com outro governo e outras políticas esta realidade poderá ser invertida.