O ritmo vertiginoso com que estão a ser revelados aspectos da situação no BES e no respectivo grupo, com o seu indisfarçável percurso de fraudes, especulação, corrupção e domínio tentacular na sociedade portuguesa, confirmam, não só a justeza das posições do PCP contra os processos de privatização da banca comercial, mas sobretudo o perigo que constituiu para os interesses nacionais, o processo de reconstituição monopolista de que o BES e o GES são particular expressão.
Há muito que se percebeu que o Governo, o Banco de Portugal e demais estruturas e entidades públicas continuam, a ocultar a verdadeira dimensão do problema, a encobrir responsabilidades no plano político e financeiro e a esconder as possíveis consequências para a economia nacional, para os trabalhadores e para o país que a situação no BES e no GES possa envolver. No fundo, quer uns quer outros, temem o juízo do povo português sobre a política de direita, sobre as orientações e decisões de sucessivos governos – do PS, PSD e CDS – que deram cobertura a situações como as do BPN e do BPP e que agora envolvem um dos maiores grupos económicos do país.
O PCP não se conforma com este “jogo do empurra”. Recusando o envolvimento dos recursos nacionais para dar cobertura aos buracos do banco e à continuação da especulação financeira, o PCP considera que é preciso apurar até às últimas consequências não só a situação real em que o banco e o grupo se encontram, mas sobretudo, os responsáveis pela situação que se está a viver que não se esgotam, naturalmente, na figura de Ricardo Salgado.
1. A queda de um símbolo da política de direita
Elevado a figura de proa do poder económico nacional, há hoje, perante a degradação pública da sua imagem de que a detenção efectuada esta semana é só mais um episódio, quem queira esquecer os preitos de vassalagem a Ricardo Salgado como aquela que lhe foi atribuída pelo ISEG em Julho de 2013 de Doutor Honoris Causa, entregue pelo respectivo Director! Mas a queda do GES/BES é um símbolo exemplar da falência da política de direita levada a cabo por sucessivos governos do PSD, CDS e PS. Uma síntese da política que conduziu o País ao desastre em que se encontra.
Da política de privatizações que permitiu a reconstituição e o “engordar” do Grupo Espírito Santo. Grupo que tinha sido um dos suportes da ditadura fascista e que as nacionalizações do 25 de Abril tinha liquidado. Como afirmava o Primeiro-Ministro A. Guterres os grupos Económicos monopolistas reconstituídos iriam ser “os elementos racionalizadores das transformações económicas do país, da modernização e de um novo modelo de especialização”!
Da política de adesão ao euro, com a financeirização da economia e a especulação financeira e imobiliária, com o negócio do crédito, endividando-se no estrangeiro e emprestando em Portugal - com o Euro, a banca comercial passou a ter o monopólio da “criação” de moeda no país - com a livre circulação de capitais, e uma dita “internacionalização”, que em geral se reduziu à criação de sociedades offshores sediadas em paraísos fiscais, para evasão fiscal e lavagem de dinheiro e a multiplicação em cascata de holdings sem qualquer fiscalização ou supervisão.
Da política de predação das PME's e sectores produtivos, através da aposta nos sectores não transacionáveis – protegidos da concorrência externa e assumindo posições monopolistas/oligopolistas no mercado interno e o apoio do Estado, nomeadamente por via das privatizações (inclusive sob a forma de concessões), liberalização de mercados públicos, benefícios fiscais e captação de fundos comunitários, com investimentos e/ou aquisição de activos na saúde, energia, autoestradas, telecomunicações, turismo, entre outros.
Da política de promiscuidade e subordinação do poder político, através da “circulação/vaivém” de dezenas de quadros entre os altos cargos das administrações e dirigentes dos grupos e os lugares superiores do aparelho de Estado, nomeadamente ministros e secretários de Estado (pelo BES/GES terão passado cerca de três dezenas de quadros que vieram a figurar em governos do PS, PSD e PSD-CDS e outros cargos públicos (deputados destes mesmo partidos por exemplo), pela presença e pressão directa sobre o poder político como sucedeu com a intervenção de Ricardo Salgado assumindo a coordenação dos principais banqueiros nacionais na reclamação em Abril de 2011 da intervenção da Troika estrangeira em Portugal, e até mesmo pela participação em algumas das reuniões do Conselho de Ministros.
Conhece-se ainda mal de que forma o desenvolvimento da crise do capitalismo (com particular incidência no plano financeiro), que desde 2008 está instalada em Portugal, agravou ou aprofundou anteriores descapitalizações e saques a favor da família e outros accionistas, investimentos mal dimensionados, e resultados negativos com o crescente jogo da especulação financeira e imobiliária e “erros” de gestão. No entanto, com a secagem da liquidez na zona euro e a entrada de Portugal em profunda recessão económica, os fracos resultados económicos das empresas do Grupo e um já enorme endividamento, obrigaram a uma espiral de contração de novas dívidas de curto prazo a juros mais elevados – apesar do financiamento do BCE de mais de 10 mil milhões de euros a 1% - em geral intermediadas pelo BES, e que foram fazendo crescer uma bolha que agora rebentou. Bem se pode dizer que o GES, BES incluído, andou a viver acima das suas possibilidades…
O desmoronamento estrondoso do império económico e financeiro Espírito Santo – falência em série das empresas e holdings do GES, com pedidos de protecção de credores e expulsão da Bolsa, e os graves problemas do Banco (BES) – é não apenas o ruir de um poderoso grupo económico-financeiro e decadência de uma dinastia de oligarcas todo-poderosos, mas sobretudo a descredibilização total da política de recuperação capitalista e monopolista levada a cabo nos últimos 38 anos por PS, PSD e CDS! Não deixa de ser digno de registo e risível, que um dos campeões da supremacia da gestão privada face à gestão pública, da não intervenção do Estado nos negócios privados, tenha acabado de mão estendida a pedir ao Estado português uma ajudinha pública de 2,5 mil milhões de euros!
É também mais uma insofismável demonstração do “falhanço” absoluto da engrenagem institucional dos reguladores e supervisores, montada pelo neoliberalismo, que só actuam quando as “comadres se zangam e se sabem as verdades” e/ou quando o desastre atingiu uma dimensão tal que já não é possível ocultá-lo! Mas essas entidades foram “inventadas” para isso mesmo, para, absolvendo o poder político das suas responsabilidades de defesa do interesse público, criar a ilusão de que o interesse público ou nacional pode ser garantido, quando os seus sectores estratégicos estão ao serviço dos interesses dos monopólios!
2. A urgência de um apuramento rigoroso dos responsáveis pela situação e as necessárias medidas para proteger os trabalhadores, a economia e o País
Os impactos do afundamento do GES, pelo volume do seu balanço, pelos inúmeros sectores e empresas que constituem o Grupo, pelo considerável número de trabalhadores que directa (mais de 23 mil) e indirectamente podem ser afectados, pela exposição de bancos como a CGD e outros, pelas possíveis consequências ao nível de muitos pequenos aforradores, investidores e muitas pequenas e médias empresas, que se somam aos problemas financeiros do BES pela sua exposição às dívidas incobráveis do Grupo, tornam indiscutíveis, blindado ou não o Banco a estes efeitos, os riscos sistémicos da situação em Portugal.
O PCP reafirma a sua exigência de um rigoroso apuramento das causas e responsabilidades legais, económicas e políticas da situação, a necessidade de uma rápida e pormenorizada inventariação das previsíveis consequências dos estilhaços das falências e perdas do GES e BES, ao nível dos postos de trabalho, pequenas e médias empresas, e outros impactos na economia nacional, nomeadamente em bancos e grandes empresas expostas às dívidas do Grupo, incluindo empresas e instituições públicas como a Caixa Geral de Depósitos.
Mas ao mesmo tempo que reitera a necessidade dos poderes públicos procurarem tanto quanto possível limitar danos e salvaguardar o interesse público e a economia nacional, o PCP insiste que o princípio básico e ponto de partida dessa intervenção, deve ser o de impedir qualquer gasto de dinheiros públicos nesse processo, e bem pelo contrário, assegurar que os prejuízos serão ressarcidos pelo património e recursos da família Espírito Santo e demais accionistas institucionais.
3. Cumplicidade, passividade e impotência de reguladores, supervisores, auditores e poder político
As audições na Assembleia da República e as declarações das entidades reguladoras e supervisoras – Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários - e de membros do Governo, nomeadamente do 1º Ministro sobre estas questões, evidenciam uma postura de profunda hipocrisia política, que põe a nu cumplicidades e passividade, face ao que devia ter sido uma intervenção atempada, antes que se avolumassem os problemas e rebentasse a crise! Foram necessárias vir a público as denúncias e os confrontos entre accionistas, as fraudes contabilísticas e o conhecimento de investigações judiciais, para que se decidissem a agir, com muitos meses, para não dizer anos, de atraso.
A recusa em responder a questões essenciais nas audições parlamentares, a não entrega de documentação, nomeadamente dos resultados da avaliação realizada com os ditos “testes de esforço” em 2011 e 2012, que supostamente garantiam a solidez financeira de todos os bancos nacionais, a evidente cumplicidade que se mantém até hoje com os ainda principais accionistas, com a família Espírito Santo e responsáveis do desastre BES/GES na nomeação da nova e actual administração para o BES, a opacidade de muitas decisões, são factores que agravam as responsabilidades de alguns desses decisores públicos.
O Governo PSD/CDS procura lavar as mãos como Pilatos, pela assumpção de uma pseudoneutralidade não intervencionista face a negócios privados. Como se não andasse há 3 anos a deitar a mão por baixo ao grande capital português (e estrangeiro). Não só por profundas alterações gerais na legislação laboral, por generosos benefícios fiscais e vultuosas dádivas financeiras, de que as menores não foram a oferta gratuita das golden shares do Estado de grandes empresas de bens e serviços essenciais como a Portugal Telecom. Como se não tivesse ordenado o frete da CGD na cedência da sua posição à brasileira Camargo Correia na CIMPOR, ou a intervenção da CGD na salvação do Grupo Mello, na OPA da BRISA, e mesmo, quando ainda tinha a Golden Share na PT, a cedência por esta de empréstimos ao GES/Rioforte, num percurso – onde se envolvem actualmente cerca de 940 milhões de euros - que não começou em 2014, mas em 2001!
E já para não falar, dos cerca de 6 mil milhões de euros do empréstimo da Troika e que foram gastos para “recapitalizar” bancos privados portugueses. Posição de um governo de farsa, pois não há qualquer incompatibilidade entre uma intervenção pública para defesa do interesse público e a não utilização do dinheiro dos contribuintes para suportar essa decisão! Aliás a defesa do interesse público reclama é uma intervenção que garanta que os buracos abertos no banco e no grupo serão de facto cobertos com o gigantesco património acumulado pelos principais accionistas ao longo de décadas.
4. Outra política é necessária, também para o sector bancário, também para responder aos problemas provocados no GES e BES
Um país, a sua economia, não podem ficar reféns, dos problemas de um grupo económico privado quaisquer que sejam a sua origem. Muito menos, como no caso do GES/BES, quando todos os indícios apontam para significativas ilegalidades, graves decisões empresariais, uma gestão de risco elevado, inaceitáveis comportamentos éticos e em confronto com a Lei.
O PCP considera que o Estado português, e os seus Órgãos de Soberania, têm toda a legitimidade para intervir e defender o interesse público e o interesse nacional, nomeadamente avaliando todas as dimensões das causas e responsabilidades dos factos ocorridos no GES e BES.
O povo português e os órgãos de soberania têm o direito constitucional imprescritível de apurar a situação e impedir a transferência de prejuízos privados para o povo português e procurar limitar os possíveis danos na economia nacional. Mas cabe-lhe também o escrutínio do papel das entidades reguladoras e de supervisão e a fiscalização dos actos (ou da inacção) do Governo.
Na verdade, não se pode dizer que estas entidades nada aprenderam com o BPN. Mas de facto, enquanto a banca e o sector financeiro persistirem nas mãos dos grupos económicos, enquanto o povo português, não recuperar, por via da intervenção do Estado o controlo público sobre o sector financeiro, esta e outras situações como as do BES continuarão a surgir.
O afundamento do GES e BES, é ainda um momento oportuno para uma profunda reflexão sobre o sistema financeiro de que o País precisa para o seu desenvolvimento, com crescimento da produção nacional, emprego e melhor distribuição da riqueza. O actual não cumpre manifestamente esses requisitos. Como o PCP há muito reclama e propõe, o crédito, a criação de moeda e outras operações financeiras, são para as sociedades de hoje bens públicos essenciais, pelo que ganha redobrada actualidade a exigência do controlo público do sistema financeiro.
Face à inquietação e até incredibilidade de muitos democratas e patriotas ao assistirem a este processo no BES e no GES, ao verificarem o contínuo cortejo de corrupção, especulação e apropriação de dinheiros públicos, que sofrem na pele as consequências de uma política que rouba salários, pensões e direitos ao povo para transferir colossais fortunas para os grupos económicos e financeiros, o PCP reafirma a necessidade de intensificar a luta pela demissão deste governo e pela convocação de eleições antecipadas, que abra caminho a uma ruptura com a política de direita, com uma alternativa patriótica e de esquerda, colocando os valores de Abril no futuro de Portugal.