Começo por renovar o agradecimento pela vossa generosa presença, bem como pelos valiosos contributos que aqui trouxestes.
No PCP, estamos a fazer um percurso, participado, de construção do Programa Eleitoral , em que se insere esta audição. São 14 audições públicas realizadas ou a realizar. São mais de três dezenas de encontros com associações, organizações, ordens profissionais, sindicatos e outras estruturas. Processo que se iniciou no dia 28 de Fevereiro no Encontro Nacional do PCP, que contou com milhares de participantes e que há-de culminar a 7 de Julho, com a apresentação formal do Programa.
Programa que será, e assim queremos que seja, obra dos trabalhadores, do povo e também da pequena e média agricultura. Obra que queremos que cada um, cada homem e mulher que trabalham a terra, faça também sua.
Os objectivos e os eixos essenciais do programa eleitoral foram esta semana apresentados, pelo Secretário Geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
Face à situação em que o País hoje se encontra, de destruição do aparelho produtivo, de degradação da situação económica e social, de acentuada dependência, o PCP aponta cinco eixos em torno dos quais construirá o seu Programa:
- A afirmação de um Portugal livre e soberano;
- Assegurar a construção de um país desenvolvido e solidário;
- A assunção de um Estado ao serviço do Povo;
- Assegurar um País coeso e equilibrado
- A afirmação de um Portugal Livre e Democrático.
Eixos que se desenvolvem e dão corpo a um programa patriótico e de esquerda capaz de dar solução aos problemas do país, e que tenha como objectivos:
- uma política económica ao serviço dos trabalhadores e do povo, baseada no crescimento económico, no desenvolvimento da produção nacional e no pleno emprego;
- valorizar o trabalho e os trabalhadores, objecto e condição do desenvolvimento e do progresso social;
- assegurar o bem estar dos portugueses com mais saúde e protecção social;
- inscrever a educação, cultura e a investigação na construção do futuro;
- respeitar a Constituição da República Portuguesa, na defesa e valorização do regime democrático, na garantia dos direitos dos cidadãos e de uma justiça democrática;
- ter a soberania e a cooperação como elementos centrais da afirmação de um portugal justo e desenvolvido numa Europa de países iguais em direitos e num mundo de paz.
Eixos e objectivos que comprovam, à saciedade, que o país não está condenado à triste sina do rotativismo entre PS, PSD e CDS em que mudam os condutores, muda por vezes a velocidade e o ritmo da condução, mas e que a direcção é sempre a mesma, a direcção do desastre e das dificuldades para os trabalhadores, para o povo e para o país.
Eixos e objectivos que demonstram que há uma política alternativa, que o país não está condenado à alternância em que se muda alguma coisa para que o essencial fique na mesma.
Decidimos fazer esta audição nas instalações do ISA, Instituto Superior de Agronomia, e fizemos bem. Assim pudemos confirmar as dificuldades por que passam as Instituições de Ensino Superior, e designadamente a Formação em Agricultura, a braços, por um lado, com o estrangulamento orçamental por parte dos sucessivos Governos e, por outro lado com a cada vez menor procura por parte dos jovens portugueses.
Agradecendo desde já a disponibilidade do ISA para acolher esta iniciativa, queremos dizer que olhamos para esta escassez de candidatos ao Ensino Superior nas áreas agrícolas, como uma consequência das políticas de direita dos últimos anos.
Estamos a pagar com “língua de palmo” o desprezo a que foi votada a nossa agricultura, e particularmente a teoria que singrou no “reinado” de Cavaco Silva, hoje Presidente da República que diz defender as experiências de sucesso, de que não era necessário produzir, que era mais barato comprar fora. Estamos a sofrer as consequências da entrada da então CEE em Portugal e dos apoios milionários para arrancar vinha ou olival, para não se produzir, para não mobilizar as terras.
Estamos a viver no rescaldo das inúmeras dificuldades de milhares de pequenos e médios agricultores que, do Algarve ao Minho se vêm forçados a abandonar as explorações, o que os sucessivos Governos viram como sinais de modernidade, mas que os seus filhos e netos vêm como exemplo do que não querem.
A nós não nos iludem com os maiores olivais do mundo, com incrementos de ocasião nas exportações, com novas explorações de frutos vermelhos ou de cogumelos da moda.
Não rejeitamos nenhum desses fenómenos, mas conhecemos o país como um agricultor conhece os calos das mãos, e continuamos a contactar com os produtores de leite que estão na eminência de fechar as explorações, caso o preço continue a baixar, em consequência do fim das quotas leiteiras, sem que o Governo dê sinais de aceitar as nossas propostas para os defender.
E falamos com os produtores de arroz cuja produção teve uma brutal quebra em consequência da periculária, para quem este Governo não tem uma medida excepcional para que possam, de novo lançar sementes à terra.
E sabemos dos milhares de pequenos agricultores que se recusaram a inscrever-se nas finanças, ficando impedidos de vender meia dúzia de ovos ou de alfaces, e dos outros que assim que lá foram “caçados”, ficaram sem pensões de reforma e outros apoios sociais.
E recebemos Conselhos Directivos de Baldios que o governo quer espoliar da sua propriedade ancestral, que nem o fascismo conseguiu eliminar.
E contactamos com os produtores de gado que viram as áreas elegíveis para o pastoreio diminuir radicalmente e que vão ser excluídos de uma parte dos apoios comunitários, por opção deste governo.
E andamos por essas aldeias cada dia mais despovoadas, esbulhadas que foram dos serviços públicos, dos transportes, dos apoios, depois dos gloriosos dias da Revolução de Abril, que lhes garantiu o direito a água, a electricidade, as estradas e caminhos, a escola pública, o posto médico.
E conhecemos o sentir das gentes do Douro face a este escândalo nacional que significa a entrega, pelo Governo PSD/CDS do património da Casa do Douro a uma instituição criada à pressa, um autêntico frete do Governo a uma das Confederações que nunca ali teve implantação, a CAP. Sem receio de sermos desmentidos, sempre se pode dizer que acabaremos este mandato, sem saber se é a CAP que manda no Ministério da Agricultura, se é o Ministério que manda na CAP.
PSD e CDS vão apresentar-se com três ou quatro ideias sobre a agricultura, cavalgando no sorriso afável e simpático da Ministra que vai a todas, a saber:
O Governo pagou a tempo e horas aos agricultores. Partindo da situação de desastre em que o anterior Governo deixou os pagamentos, não era difícil fazer melhor. Mas registe-se que, no que toca aos investimentos nacionais, designadamente o pagamentos às Organizações de Produtores Pecuários, pela sanidade animal, e às Associações Apícolas, e às organizações que gerem equipas de Sapadores Florestais, os atrasos são constantes.
O Governo criou o regime da pequena agricultura, em que os pequenos agricultores recebem 500€ de ajuda. Mas diga-se que a opção do Governo foi a de não levar esta ajuda aos 1000€ como propunha o PCP e que essa iniciativa se segue ao abandono de milhares de pequenos agricultores do sistema. E que este é o Governo que decidiu não majorar os primeiro hectares das explorações, ou instituir o plafonamento das ajudas. Este Governo não é amigo dos pequenos agricultores.
O Governo contribuiu para melhorar a balança comercial no sector agro-alimentar. Na verdade, em áreas essenciais, como os cereais ou a carne de bovino, tal não aconteceu. A ideia de garantir o equilíbrio da balança comercial em valor, defendida por este governo, não resolverá nunca as principais dependências alimentares do nosso país!
O Governo contribuiu para a instalação de milhares de jovens agricultores. Não se percebe porque é que o Governo não responde ao PCP, quando lhe perguntamos qual a taxa de mortalidade dessas explorações. E quais são as causas da elevada mortandade de projectos que, quantas vezes passam de sonho dos seus promotores, para pesadelos quando não conseguem fazer face aos compromissos, pelo esmagamento dos preços à produção.
Bem como fica por explicar como é que desde 2009 tenham desaparecido 13% das explorações agrícolas em Portugal. 13,4%, repita-se e sublinhe-se! Ou que o peso dos agricultores até 45 anos fosse de 10% em 2009, e hoje, até 40 anos sejam apenas 4,5%.
O Governo renegociou a PAC com êxito. Diga-se que esse êxito não chega aos pequenos agricultores. Vamos manter a injusta distribuição das ajudas e os apoios a quem não produz!
O Governo constituiu a PARCA. Fraco troféu, que, ao fim destes anos pouco produziu e assiste impávida e serena à atitude agressiva das grandes superfícies sobre os produtores.
Por seu lado o PS, apresentou já o seu programa. Nenhuma mudança fundamental. Nenhuma ruptura com o que vem de trás. É aliás muito significativo, que sobre duas Leis que o PS votou contra na AR, a da destruição da Casa do Douro e as alterações à Lei dos Baldios, cuja verificação da constitucionalidade o PS suscitou junto do Tribunal Constitucional, este Partido não assuma o compromisso de as rever!
Ora Portugal necessita de ruptura. De uma nova política agrícola que tenha como primeiro objectivo abastecer a nossa população com produtos saudáveis e assim elevar os níveis de autoabastecimento e promover a soberania alimentar do país, não deixando de aproveitar as nossas condições climáticas para produzir e exportar primores, o que contribua para o equilíbrio da balança alimentar.
De facto, a política do governo do PSD / CDS, mas igualmente dos anteriores Governos, tenham sido daqueles partidos ou do PS, em diversas combinações, tem sido a de utilização intensiva e esgotante dos solos e de delapidação dos recursos naturais, para satisfação dos interesses dos grandes proprietários, muitos deles estrangeiros e do agro-negócio capitalista nacional e internacional, levando ao aumento brutal da concentração da terra e da riqueza.
Governo que, submisso à UE e à PAC, mas também por vontade própria, tem eliminado os mecanismos de regulação dos mercados, em que o fim das cotas leiteiras é o mais recente exemplo; aceita que haja ajudas comunitárias sem obrigação de produzir; tem imposto cada vez maiores dificuldades aos pequenos e médios agricultores; tem facilitado a especulação nos preços dos factores de produção e forçado a baixa dos rendimentos de quem trabalha a terra; tem permitido a florestação de terras de uso agrícola para satisfação dos interesses da indústria da celulose; tem imposto legislação que, articulada entre si, tem arruinado centenas de milhares de explorações da Agricultura Familiar: novas e mais pesadas exigências fiscais e da segurança social, novas regras restritivas para produzir e aceder às ajudas, a eucaliptização indiscriminada, o roubo dos baldios, a destruição da Casa do Douro, etc, etc...
O que o país precisa é de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, também na agricultura.
Uma política que tenha nos pequenos e médios agricultores a força essencial para o alargamento da produção, a base fundamental para o povoamento das nossas serras e aldeias, a garantia do aproveitamento das terras incultas. Que faça a opção clara por estes, nos apoios comunitários, na legislação a publicar.
Desde já, e sem prejuízo do que, adiante se venha a inserir no Programa Eleitoral, afirmamos que é indispensável:
Uma política agro-pecuária e florestal que, assente na utilização sustentável do solo e dos recursos naturais, contribua para a redução das regiões em risco de desertificação, para a recuperação e preservação de espécies agrícolas e florestais e raças autóctones, para a defesa da biodiversidade e dos ecossistemas.
Uma política que reconheça, valorize e apoie a Agricultura Familiar (mais de ¾ das explorações agrícolas), criando medidas no PDR2020 e linhas de crédito específicas para esta vasta camada da população agrícola, que faça o plafonamento e a modulação das ajudas comunitárias, atribuídas exclusivamente a quem produz.
Uma política que garanta a concretização das obras hidro-agrícolas necessárias em todo o país, bem como a manutenção das obras já existentes.
Uma política que respeite o direito ao uso e fruição dos Baldios pelos seus compartes e que, defendendo a propriedade da terra dos pequenos e médios agricultores e privilegiando-os no acesso a terras disponíveis para redimensionamento e valorização das suas explorações, promova a Reforma Agrária nos campos do Sul, entregando terras a quem as queira trabalhar.
Uma política que melhore o rendimento dos agricultores na cadeia de valor (hoje o agricultor recebe 10% do que o consumidor paga), contrariando a acumulação de capital e as margens de lucro do agro-negócio da indústria e da distribuição.
Uma política de dinamização das economias locais e regionais, fomentando a aproximação entre produtor e consumidor, com medidas de apoio ao associativismo agrícola, à criação de estruturas associativas para armazenamento e transformação das produções locais, de implementação de mercados locais para venda directa, que lhes dê primazia no fornecimento às cantinas locais de escolas, serviços de saúde, ipss, quartéis, etc..
Uma política que contrarie o uso intensivo e super intensivo da terra com monoculturas e a compra de terras, por grandes empresas do agro-negócio internacional, que promova a reestruturação fundiária e o redimensionamento das explorações e a diversificação produtiva, particularmente nos campos do sul.
Uma política de dinamização regional que contrarie a fuga das populações e dos agricultores, com a reabertura de estruturas de ensino, saúde, etc., de promoção do agro-turismo e do turismo rural, que divulgue a qualidade dos nossos sabores, cultura e tradições, que torne atractiva a fixação das populações nas suas regiões de origem.
Uma política que restitua ao Ministério da Agricultura as suas funções de apoio à actividade produtiva, com a recuperação de campos de ensaio, laboratórios e banco de germoplasma, com extensão de serviços e técnicos para um acompanhamento de proximidade.
Uma política patriótica de defesa da agricultura, dos agricultores, dos consumidores e da economia nacional, que não seja submissa aos interesses da EU, que defenda os nossos interesses na PAC e em acordos internacionais, rejeitando o TTIP, actualmente em negociação, que recompense o trabalho dos agricultores.
E neste quadro, apontam-se três medidas urgentes
Primeira - A criação de um estatuto específico para a agricultura familiar, com medidas ao nível da Segurança Social, fiscalidade, rendimento dos pequenos e médios agricultores, incidindo particularmente nos preços à produção, custos dos factores de produção e escoamento dos produtos. A questão do preço é, sempre o afirmámos, a questão basilar da produção. Se os preços forem compensadores, os agricultores deitarão as sementes à terra e cuidarão delas com os cuidados que elas exigem!
Segunda - Exigir uma verdadeira Reforma da PAC, que garanta a soberania alimentar dos povos, consagrando mecanismos de regulação dos mercados, designadamente com a manutenção de um sistema de quotas leiteiras e de direitos de plantação da vinha. Uma reforma da PAC que garanta uma mais justa distribuição das ajudas entre países, produções e produtores.
Terceira - Revogação da legislação ofensiva dos direitos dos pequenos e médios agricultores e dos compartes, designadamente as alterações à Lei dos Baldios, as regras da fiscalidade, a lei da arborização e rearborização, e da entrega da Casa do Douro aos privados. À proficiência deste governo a legislar, teremos que contrapor a determinação em revogar essas malfeitorias.
Sim, há outros caminhos para a agricultura nacional.
Sim, há forças para percorrer esses caminhos.
E o PCP, aqui está, assumindo-se uma vez mais disponível para percorrer esses caminhos, assumindo todas as responsabilidades que o povo português lhe queira atribuir.