1. A coberto e a pretexto do Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS assinaram com o FMI e a União Europeia, o governo tem em curso na continuidade de orientações e opções adoptadas ou tentadas em momentos anteriores, um salto qualitativo na ofensiva contra o poder local democrático. Um ataque que significaria, a ser levado até ao fim, uma completa descaracterização dos elementos mais progressistas e avançados do poder local, a liquidação do que ele representa enquanto conquista de Abril.
Um ataque dirigido para asfixiar financeiramente o poder local impondo não apenas a redução dos serviços que as autarquias prestam às populações mas também uma forma indirecta de roubar recursos e meios que lhes seriam devidos. Um projecto de liquidação da autonomia administrativa do poder local que dá a dimensão exacta do modelo que o governo ambiciona impor assente na transformação das autarquias em meras dependências da administração central, desprovidas de meios e competências, à maneira do antigamente.
Um projecto de agressão ao poder local que, afrontando a Constituição da República Portuguesa é, na sua essência, um programa de agressão ao país, às populações e às suas condições de vida, indissociável da liquidação de direitos e de serviços públicos essenciais que a política de direita vem prosseguindo, condenando ao declínio muitos concelhos e freguesias.
2. O processo de liquidação das freguesias é parte integrante desta ofensiva contra o poder local e desta agressão às populações. Empobrecimento democrático, destruição de emprego público, enfraquecimento da representação dos interesses e aspirações das populações que a presença de órgãos autárquicos assegura – estes são os objectivos que o overno prossegue e que só trarão, se não forem derrotados, o aprofundamento das assimetrias e perda de coesão (territorial, social e económica), o abandono ainda maior das populações, o acentuar da desertificação e da ausência de resposta aos interesses populares e à satisfação das suas necessidades.
Ao contrário do «reforço da coesão» que cinicamente anunciam os efeitos dos processos de aglomeração são, como comprovadamente se conhece, adversos à coesão. Juntar territórios mais fortes, mais ricos ou com mais população com os mais fracos ou menos populosos traduzir-se-ia em mais atracção para os primeiros (os que sobreviverão como freguesias) e mais abandono dos segundos (os que verão as suas freguesias liquidadas). Ou seja, mais abandono, menos investimento local, menos coesão para os territórios mais empobrecidos.
Em vez de «ganhos de eficiência e de escala» como falsamente sustentam, o que se teria é menos proximidade e resposta directa aos problemas locais com menos verbas e menos recursos disponíveis.
Em vez da enunciada «melhoria da prestação dos serviços públicos» proclamada pelos coveiros do poder local, resultariam arbitrariamente centenas de territórios, muitos deles distando dezenas de quilómetros da sede das novas freguesias, desprovidos do único espaço de proximidade capaz de lhe dar resposta mínima a um conjunto de solicitações e necessidades.
3. A luta em defesa das freguesias e a mobilização popular contra a liquidação de mais de um milhar destas autarquias são um vivo testemunho de que uma coisa são os projectos de destruição do governo outra, bem diferente, é a sua concretização automática.
Bem se pode dizer que o governo sofreu já uma primeira e importante derrota. O isolamento político, social e institucional a que o governo foi remetido neste processo é, em si mesmo uma derrota nesta fase do projecto de liquidação das freguesias.
Isolamento político traduzido na exigência de revogação da lei de extinção e da recusa das associações nacionais representativas do poder local integrarem a comissão liquidatária designada pela Assembleia da República e onde apenas participam representantes do PSD e CDS/PP.
Isolamento institucional traduzido na rejeição pela grande maioria dos órgãos autárquicos – onde se incluem centenas de autarquias do PSD – do papel de coveiro que a maioria e o governo lhe propuseram ao assumirem na pronúncia, a que foram chamados, a defesa das respectivas freguesias.
Isolamento social expresso na corrente de indignação e revolta traduzido na luta que atravessa todo o país e envolve centenas de milhares de pessoas, que teve o momento mais impressivo na manifestação nacional a 31 de Março, mas que continua a percorrer freguesias e cidades de Portugal.
O isolamento social do governo nesta sua obsessão, a recusa da maioria dos municípios em participar na liquidação das freguesias e a corrente de protesto que há meses se desenvolve mostram que há força bastante para derrotar este projecto e para defender as freguesias, o poder local e a democracia. Uma força que se revelou uma vez mais na acção nacional descentralizada realizada no passado sábado em todo o país e que prosseguirá até à derrota do projecto do governo.
Como se tem sublinhado, a Lei 22/12 não extingue por si qualquer freguesia. Assim como é inequívoca a total ilegitimidade da Comissão Técnica para se pronunciar em sentido contrário às deliberações das assembleias municipais. A liquidação em concreto de cada freguesia exigirá que na Assembleia da República os grupos parlamentares que visem esse objectivo apresentem e aprovem os projectos de lei correspondentes, o que abrirá uma nova e importante fase de luta e de mobilização populares que continuará a contar com o apoio e a solidariedade do PCP.
4. A apresentação pelo Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República de um projecto de revogação da Lei 22/12 dá expressão e continuidade a esta luta em defesa das freguesias que é, em si mesma, parte integrante da luta pela democracia, contra a degradação das condições de vida, pelo progresso e desenvolvimento do país. Uma luta que se soma a todas as outras que reclamam a rejeição do Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS subscreveram e há-de impor a derrota deste governo e desta política.