Defender a Escola Pública, garantir um ensino de qualidade

 

Defender a Escola Pública, valor central do sistema educativo, para garantir o direito a um ensino de qualidade
Jorge Pires, da Comissão Política do PCP

 

Ao longo dos
últimos três anos o Governo tem vindo a proceder a uma reforma inconstitucional
do sistema educativo, através de um conjunto de medidas que consubstancia,
efectivamente, um retrocesso muito significativo em matéria de ensino, o que
deveria envergonhar o PS. As suas consequências constituirão, no futuro, um
forte condicionamento ao nosso desenvolvimento.

Durante estes três anos o Governo
ignorou, sistematicamente, a Lei de Bases do Sistema Educativo e a própria
Constituição da República, insistindo numa estratégia de desresponsabilização
do Estado nesta área social fundamental, desvalorizando a Escola Pública
enquanto instrumento para a concretização do preceito constitucional que obriga
o Estado a garantir o direito ao ensino de todos os portugueses, com garantia
do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.

Em consequência, a vida nas escolas é
menos atraente para quem nelas estuda e trabalha. A desmotivação dos
professores e educadores acentua-se com a degradação de condições de trabalho. A
agressão do Governo a estes profissionais é uma constante. Faltam espaços e
material adequados à aprendizagem de muitos conteúdos curriculares. Faltam
professores e trabalhadores não docentes em muitas escolas. As turmas têm
alunos em excesso e muitas escolas são espaços desumanizados.

Nos últimos meses não houve semana em
que a comunidade educativa não fosse confrontada com uma nova medida, um novo
despacho ou um novo decreto-lei, deixando, por vezes, nos menos atentos, a
sensação de que o Governo perdeu o controlo da situação, tantas foram as
frentes de intervenção e os confrontos abertos num espaço de tempo tão curto.

Não estamos nem perante um conjunto de
medidas avulsas e desarticuladas entre si, nem perante algo que surge sem que
os objectivos a atingir tenham sido meticulosamente ponderados. Estamos sim, perante uma estratégia muito
clara que tem como eixos centrais:
a) procurar convencer os portugueses da
inevitabilidade das alterações que o Governo propõe e, assim, levá-los a uma
aceitação passiva das mudanças; b) fazer recair sobre os docentes a
responsabilidade por todos os males de que padece o nosso sistema educativo,
evitando assim uma responsabilização das políticas e dos seus executores.

Mais do que a incompetência e o autismo
a que este Governo nos habituou, não apenas em matéria de educação e ensino, a
raiz e a natureza das políticas estão na opção do Governo PS no plano
ideológico, de transformar o sistema educativo num instrumento ao serviço dos
interesses do grande capital nacional e internacional. É neste contexto que se
insere a opção pela generalização de vias profissionalizantes no Ensino
Secundário segundo uma concepção elitista do ensino, separando o conhecimento
(só acessível a alguns) da aquisição de competências ligadas às necessidades do
capital. Ou seja, submeter e formatar o sistema educativo aos desígnios do
mercado, amputando-o do objectivo da formação integral do individuo, base
essencial para a participação na vida social e política e para o exercício da
cidadania.

A Cimeira de Lisboa, em 2000, que
definiu o objectivo de transformar a economia europeia na mais competitiva do
mundo, apontou de forma muito clara o caminho da reconfiguração dos sistemas
educativos no espaço da União Europeia, como forma de os ajustar às necessidades
e interesses dos grandes grupos económicos. Foi assim que, na linha seguidista
que caracteriza as opções dos sucessivos governos em Portugal face à União
Europeia, o governo do PSD/PP tudo fez para impor uma nova Lei de Bases que,
depois de aprovada na AR, só não entrou em vigor porque o então Presidente da
República, num quadro de grande contestação social, vetou o diploma. O actual
Governo do PS fez a opção de recuperar, no essencial, as mesmas orientações
utilizando decretos-lei e despachos que, na prática e de forma ilegal, alteram
ou pervertem a Lei de Bases. Na verdade utilizou este expediente para não ser
confrontado com uma contestação global que não se esgotaria na comunidade
educativa, procurando desta forma dispersar atenções e energias, ao mesmo tempo
que apostou na divisão da comunidade educativa.

Enganou-se
o Primeiro-Ministro quando pensou que assim fugiria ao confronto e à
contestação.
Hoje, a generalidade da comunidade educativa, apesar de
todos os condicionalismos criados à sua intervenção, sabe qual é a questão
fundamental que está colocada: ou a opção entre um sistema educativo cujo pilar
central é a escola pública com o objectivo principal da formação integral dos
indivíduos, dos homens e mulheres de amanhã, não apenas para a vida
profissional, mas também para uma intervenção consciente na vida social e
política do país; ou a opção pela desresponsabilização do Estado na área da
educação e ensino, com uma escola cujo paradigma é a formação de cidadãos
acríticos e de futuros trabalhadores rendidos à inevitabilidade do vínculo
precário, da flexibilidade e da mobilidade.

São exemplos da opção do Governo pela
desresponsabilização do Estado na área da Educação e Ensino:

-       
medidas como as que estão inscritas no seu projecto de
gestão das escolas do ensino não superior, com o regresso ao velho
"director da escola" e o novo Regime Jurídico das Instituições do
Ensino Superior que, ao contrário do que anuncia a propaganda, conduzem a uma
maior governamentalização da vida das escolas e são um forte ataque ao seu
carácter democrático;

-       
o incongruente processo de avaliação de professores;

-       
o garrote financeiro que vai sufocando as escolas de Ensino
Superior impondo a privatização de serviços e o aumento das propinas;

-       
as alterações introduzidas no ensino especial com o
desmantelamento da escola inclusiva e a "guetização" da deficiência;

-       
a reforma do ensino artístico especializado que, na prática,
abrirá o caminho para a sua entrega ao sector privado;

-       
o projecto de decreto-lei que prevê a municipalização de
todo o Ensino Básico.

Verifica-se uma contínua degradação
qualitativa da formação em todos os níveis de ensino, ao mesmo tempo que o
Governo sobrevaloriza o diploma e a certificação que, por si só, não significam
uma melhoria da qualidade do ensino e maior qualificação real dos portugueses,
nem são uma garantia de obtenção de emprego de qualidade.

É neste contexto que consideramos que o
conjunto das alterações que foram implementadas, ou que estão em fase final de
aprovação pelo Governo, configuram um ataque, sem precedentes, contra a Escola
Pública, visam pôr fim ao que resta da Gestão Democrática e da Autonomia das
escolas, desvalorizam os professores e a profissão docente, utilizam o sistema
educativo como um instrumento de selectividade social e abrem caminho à
privatização em larga escala do ensino público. Também na área da educação e
ensino se confirma a natureza das políticas de direita do Governo PS, o que
exige uma resposta forte e determinada por parte da comunidade educativa.

Pela nossa parte não deixaremos de
confrontar o Governo, dentro e fora da Assembleia da República, com as
responsabilidades que este tem na degradação que tem vindo a acentuar-se na
qualidade do ensino. Continuaremos, numa ligação estreita a todas as
componentes da comunidade educativa, integrando as suas preocupações e
aspirações, a apresentar propostas simultaneamente de combate às políticas de
direita e de valorização do nosso sistema educativo.

Para além das apreciações
parlamentares já por nós anunciadas aos decretos-lei sobre a gestão das escolas
do ensino não superior e sobre a chamada descentralização de competências em
todo o ensino básico para as autarquias locais, da apresentação do nosso
projecto de resolução que recomenda a suspensão do regime de avaliação do
desempenho dos professores e a exigência de que se inicie um processo de
apreciação e discussão parlamentar sobre avaliação da actividade docente e da
entrega, já consumada, de um Projecto de Lei sobre a direcção e gestão dos
estabelecimentos de educação pré-escolar, ensinos básico e secundário, estamos
também em condições de anunciar que, durante esta sessão legislativa,
apresentaremos iniciativas sobre a educação especial e sobre o financiamento
das escolas do ensino não superior.

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