Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Debate sobre a situação na escola pública e o novo ano letivo — mega-agrupamento, reorganização curricular e despedimentos nas escolas

Sr.ª Presidente,
Sr.a Deputada Nilza de Sena,
A Sr.a Deputada teve cuidado com as palavras que utilizou, mas, de facto, de uma forma eufemística, veio aqui dizer que este Governo PSD/CDS pretende impor o regresso à «escola do ler, contar, escrever e obedecer», e isso representa um profundo retrocesso.
Em vez de cumprir a escola pública e garanti-la como um instrumento de emancipação individual e coletiva, o Governo PSD/CDS destrói a qualidade e a igualdade de oportunidades e aprofunda as desigualdades sociais.
A escola, em vez de ser um espaço de democracia, é um espaço de desigualdades sociais. E entende este Governo que é um privilégio de uma elite restrita que pode pagar o acesso aos mais elevados níveis de conhecimento.
Tem a ousadia de considerar que apenas aqueles que podem pagar têm acesso à universidade e ao ensino superior! Porque, para a esmagadora maioria dos estudantes, que não têm dinheiro para pagarem um direito que está consagrado na Lei Fundamental do País, apresenta o caminho do ensino profissional desvalorizado que apenas tem como porta de saída o trabalho mal pago, precário e o desemprego.
É por isso que entendemos — e cai como «a cereja em cima do bolo» — o Estatuto do Aluno e o que representa na sua natureza profundamente antidemocrática.
Entende o Governo criar um Estatuto do Aluno que nada tem de pedagógico ou inclusivo, representa apenas um instrumento de controlo social, trata os estudantes como se fossem delinquentes, e pretende apenas resolver da forma mais fácil, atirando para fora da escola, expulsando-os, aqueles alunos problemáticos que exigem meios das escolas, aqueles alunos que exigem mais professores, mais psicólogos, mais técnicos pedagógicos.
Como se não bastasse, este Governo ainda vai mais longe: mesmo roubando o subsídio de férias e o subsídio de Natal, pretende que o próximo ano letivo comece sem passe escolar para os estudantes e com os manuais mais caros.
Diga-nos lá, Sr.a Deputada, o que é que isto tem de avançado, se não é um profundo retrocesso que o PSD e o CDS propõem à escola pública portuguesa.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Educação e Ciência,
O Sr. Ministro, quando era comentador televisivo, costumava ser mais assertivo, porque o Sr. Ministro teve a habilidade de falar, falar, falar e de conseguir não dizer quantos professores vão ser atirados para o desemprego.
Este Governo diz-se, repito, diz-se muito preocupado com o desemprego, mas o Sr. Ministro e o seu Ministério preparam-se para o maior despedimento coletivo de professores de sempre. E isto «não bate a bota com a perdigota», Sr. Ministro!
Tenha a coragem, Sr. Ministro, de dizer aqui que a sua política vai atirar para o desemprego milhares de professores. E diga-nos quantos professores a menos vai contratar no próximo ano letivo. Já agora, diga-nos também quantos horários zero vão existir nas escolas.
É que o Sr. Ministro vem aqui falar-nos da qualidade das aprendizagens, do ensino centrado no aluno, mas isto não se faz sem professores, os professores também são uma peça essencial no sistema educativo. E o Sr. Ministro vai ter de assumir aqui e dizer-nos hoje quantos professores — e, já agora, psicólogos e funcionários —, no próximo ano letivo, em setembro, vão ser atirados para o desemprego. Nesta altura do «campeonato», não venha dizer que não sabe, porque, nesta altura do «campeonato», para além de já ter apresentado as contas à troica, já fez as suas contas, é professor de Matemática.
Portanto, Sr. Ministro, diga-nos: no próximo ano letivo, quantos professores a menos vão contratar e quantos horários zero vão existir?
O Sr. João Oliveira (PCP): — Boa pergunta!
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É que a revisão curricular, o fim da disciplina de EVT, o fim da Educação Tecnológica, a desvalorização da Educação Física, o aumento do número de alunos por turma e os mega-agrupamentos, tudo isto não acontece porque vai estar a chover em setembro, tudo isto vai originar desemprego.
Portanto, diga-nos, de uma vez por todas — tenha a coragem de assumir as suas responsabilidades! —, quantos vai atirar para o desemprego em setembro.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Gostaria ainda de me referir a alguns aspetos relativos à educação especial.
A educação especial dirige-se àquelas crianças e jovens que mais proteção exigem e que mais discriminados têm sido nos seus direitos. Aliás, sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS têm impedido a garantia da escola inclusiva e o reconhecimento dos direitos destas crianças.
A educação, em geral, e a educação especial, em particular, vive muito do amor à camisola. Nós sentimos isso quando vamos às escolas e percebemos que a educação especial vive muito do empenhamento, da dedicação, do afeto de todos aqueles que, para lá do seu tempo de trabalho, para lá da sua vida pessoal, para lá da sua vida profissional, dão o melhor de si.
Mas, Sr. Ministro, isto não pode continuar assim. E não pode continuar assim, porque as pessoas não vivem do ar. Por isso, o PCP tem vindo a exigir, e continuará a exigir, a valorização e o reconhecimento do trabalho dos técnicos, dos professores, dos funcionários, que são «pau para toda a obra» e que recebem uma miséria de salário pelo acompanhamento destas crianças com necessidades educativas especiais.
Por isso, a questão que queria colocar-lhe prende-se com a contratação dos psicólogos, dos técnicos, dos intérpretes de língua gestual portuguesa, que não está garantida para setembro, e que, portanto, mais uma vez, este Governo, seguindo exemplos de governos anteriores, se prepara para que estes alunos com necessidades educativas especiais estejam nas escolas um mês sem ter os seus recursos e os seus meios garantidos.
A questão que aqui lhe queríamos colocar é a se saber se, de uma vez por todas, este Governo pretende ou não resolver o problema da contratação efetiva dos técnicos e dos funcionários que também dão resposta a estas crianças, porque, Sr. Ministro, aumentar o número de alunos por turma, criar escolas com 3000 alunos, criar turmas de nível não vai garantir a escola inclusiva; muito pelo contrário, vai continuar a não garantir o cumprimento dos direitos destes alunos.
Ainda sobre a dislexia e os exames nacionais, Sr. Ministro, o PCP, aqui, em boa hora, alertou para o problema de que os alunos com adequações curriculares estavam obrigados a fazer o exame nacional e que isto significava um retrocesso, a desvalorização do esforço de alunos relativamente aos quais, pelas suas necessidades próprias, se tem que investir muito mais na sua aprendizagem, nas suas famílias, nos seus professores.
Diga-nos aqui, Sr. Ministro, qual é a situação destes alunos e se entende justo que um aluno que, ao longo do seu percurso, teve adequações curriculares tenha de ser atirado para a injustiça de um exame nacional.
Isto não tem nada de moderno! O Sr. Ministro falou-nos aqui de modernice, mas isto não é modernice nenhuma; isto é só andar para trás!
E é também andar para trás em matéria de ensino superior. O Sr. Ministro bem pode vir aqui com conversas de empregabilidade, mas o que acontece hoje, no nosso País, é que quando falamos com os estudantes do ensino profissional eles dizem-nos que vão para o ensino profissional porque não vão ter dinheiro para pagar as propinas no ensino superior — gostavam muito, mas não têm dinheiro! Não têm dinheiro para pagar 1000 € de propinas! Não têm dinheiro para pagar o passe! Não têm dinheiro para pagar alojamento! Alguns nem têm dinheiro para pagar a alimentação!
Não sei se o Sr. Ministro sabe, mas há estudantes do ensino superior a passar fome. Há estudantes do ensino superior que vão a pé para a escola e andam quilómetros e quilómetros, porque não têm dinheiro para pagar o passe. E o senhor acha que isto é moderno? O senhor acha que isto é a escola democrática para todos? Não é, Sr. Ministro! Não é!
Por isso, o PCP tem vindo a condenar o Governo pelo corte de mais de 15 600 bolsas de ação social escolar.
É inaceitável que, no momento em que aumentam as dificuldades das famílias, este Governo corte no apoio social. O que entendemos é que o fim das propinas, o reforço das bolsas é o caminho a seguir. E o Sr. Ministro não pode vir dizer-nos que o acesso ao ensino superior apenas para quem pode pagar é moderno. Isto, Sr. Ministro, nada tem de moderno, tem é muito de atrasado!

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