Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Tal como o PCP vem defendendo há anos, e é hoje consensual, as medidas a tomar no âmbito do combate à droga, quaisquer que sejam, devem assentar numa estratégia global e numa intervenção multi-disciplinar, que integre desde logo as vertentes da prevenção, do tratamento, da reinserção social e do combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais.
Aliás, num plano mais geral, não podemos ignorar que a política económica e social do actual Governo tem sido preocupante também a este nível, com tudo o que está associado ao desemprego, à exclusão social, ao aprofundar das desigualdades. E com tudo o que isto propicia para o fenómeno das toxicodependências.
Também nesta matéria as opções são relevantes: o agravamento dos problemas sociais pode indirectamente pôr em causa toda uma estratégia. Mesmo considerando que a estratégia e a legislação nesta área registaram um avanço significativo nos últimos anos, em resultado da pressão popular e de iniciativas políticas – para as quais o PCP activamente contribuiu.
Perante este quadro social e político, no meio dos atrasos e incoerências diversas, torna-se ainda mais necessário defender e valorizar os passos dados. A rede pública nacional de atendimento e tratamento, e a sua extensão a todo o território nacional.
Ou a nova “Lei da Droga” e o novo enquadramento que veio trazer à toxicodependência e aos toxicodependentes, retirando-os da estrita esfera judicial e considerando-os como doentes e não como criminosos. Ou ainda as linhas de intervenção constantes da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, que é fundamental que o Estado assuma e cumpra nas suas múltiplas vertentes.
É por isso que afirmamos que o quadro legal em vigor nesta matéria, com as responsabilidades e funções que atribui ao Estado, vem trazer a exigência de uma intervenção efectiva do poder político e das suas estruturas.
É por isso que se tornam ainda mais graves a indefinição, a desorientação e a paralisia que têm vindo a reinar deste domínio.
Veja-se o perigoso caminho seguido na rede pública de atendimento e tratamento, de fragilização de estruturas e serviços. De desincentivo aos seus profissionais e dispensa do seu trabalho. Ou veja-se ainda a instabilidade que o Governo recentemente provocou com a polémica dos tratamentos de substituição de baixo limiar (como é o caso da metadona).
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Abordamos estas questões pela consciência que temos de que tratar um toxicodependente, contribuir para a sua reinserção social, é também actuar do lado da pressão social que condiciona este fenómeno – ou seja, agir na prevenção secundária.
Ou ainda, por entendermos que as estratégias de redução de danos, no carácter clínico que assumem, não fazem esquecer os riscos de ordem social, potenciadores da propagação dos consumos e dependências – e a necessidade de intervenção também nesta vertente.
São preocupações sérias, até porque podemos estar perante um retrocesso nos dispositivos de resposta à toxicodependência, com o inevitável agravamento da situação, atingindo muitos milhares de famílias e a sociedade como um todo.
Nesse sentido, o PCP já dirigiu à Comissão Parlamentar de Trabalho e Assuntos Sociais a proposta de realização de audições sobre esta matéria, com o Senhor Ministro da Saúde, bem como o com o Senhor Presidente do IDT.
Não podemos aceitar que por falta de decisão, por falta de vontade política, ou por opção deliberada, o País continue a assistir à não concretização (ou à subversão) das orientações expressas da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga.
Porque é esse documento fundamental que é urgente passar à prática – e avaliar a sua execução. Até porque algumas das mais relevantes propostas em apreciação neste debate, pelos projectos de lei em questão, são justamente previstas há quase dois anos na Estratégia Nacional.
A definição de grupos-alvo, a intervenção em meios como a comunicação social, o meio escolar ou profissional, as comunidades locais, a formação de técnicos, as próprias estratégias mais relevantes na redução de riscos e minimização de danos, são aspectos já integrados no quadro legal em vigor.
Onde pelos vistos se pretende criar “novidade” é já em matérias que, aí sim, merecem claramente uma outra ponderação. Desde logo, o conceito de separação das chamadas drogas leves, com uma perspectiva de difícil avaliação quanto aos seus impactos na saúde pública e no próprio consumo de drogas.
Mesmo em países onde esse passo foi dado em determinados momentos, a tendência actual é de recuo – por exemplo, o famoso caso da Holanda, com a particularidade daquele país ter no seu ordenamento jurídico uma flexibilidade para alterações e correcções no plano legal, que a nossa Constituição não permite.
De resto, eu diria que agora impõe-se acompanhar e avaliar a nossa experiência – que aliás não é pouco importante. Mas a própria Estratégia Nacional é elucidativa nesse ponto.
Por outro lado, o diploma do PS, com os tais aspectos positivos que eu referi, correspondendo a elementos importantes da Estratégia Nacional em vigor, apresenta uma proposta com a qual manifestamente não podemos concordar. Nomeadamente, a forma (a nosso ver inadequada e excessiva) como visa transferir competências, encargos e responsabilidades para as Autarquias.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
O princípio da participação aponta para desde logo para o indispensável trabalho de envolvimento das Autarquias, das ONGs, das comunidades locais. Com uma intervenção que garanta a coerência da Estratégia, harmonizando políticas de nível regional e local e adaptando-se a essas realidades concretas.
Ora, eu arrisco dizer que isto só é possível com uma grande participação destas entidades nos processos de decisão, mas na condição de não se transferir para elas a responsabilidade de assumir a condução do processo. Senão, tudo pode acontecer, e essa coerência das próprias políticas estratégias pode ser posta em causa. Muito já tem feito o Poder Local – e sem os meios correspondentes!
Já o Senhor Ministro da Saúde pretende ver as Autarquias “definindo prioridades, formando intervenientes, lançando, financiando e avaliando programas”. Foi o seu discurso aqui nesta sala, no debate de urgência que o PCP promoveu em Setembro. Dá logo para perguntar se o Governo fica só com o selo branco, para ir carimbando os papéis.
Mas depois fica a profunda preocupação quanto às reais intenções do Governo em assumir as suas responsabilidades legais. Quanto a uma duvidosa acção política de ir sacudindo a água do capote, ir poupando pelo desinvestimento, ir desarticulando as estruturas, ir sobrecarregando as autarquias, ir torpedeando a Estratégia Nacional – e ir dizendo baixinho “em 2004 a gente fala”.
Não aceitamos, nem o País pode aceitar, o regresso à “década negra” que o país viveu em matéria de toxicodependência durante os dez anos de cavaquismo.
Por isso é necessário exigir que o Governo prossiga, concretize e acompanhe, de forma responsável e séria, as linhas estratégicas lançadas há menos de dois anos. Nessa altura, o País deu nesta matéria passos importantes. Não venha o Governo transformá-los em passos perdidos.
Disse.