Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

Debate de urgência sobre a situação da saúde em Portugal

Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro,
Das suas palavras iniciais, retira-se a ideia de que o modelo que o Governo prevê e postula para os hospitais é um modelo que funciona à base de médicos em formação. O que o PCP defende é o modelo em que se respeita o direito desses médicos a estarem em formação.
Mas os dados do balanço social também desmentem claramente aquilo que o Sr. Ministro diz. É que 42% dos médicos do Serviço Nacional de Saúde têm mais de 50 anos de idade e 28% dos médicos estão em formação. Estes médicos que têm mais de 50 anos de idade, como o Sr. Ministro sabe, mais cedo ou mais tarde vão ausentar-se e vão ser necessários para dar formação a estes novos médicos.
O Sr. Ministro referiu que o Serviço Nacional de Saúde forma os médicos, é verdade, mas corre o risco de, em muitos serviços, essa formação não poder concretizar-se, dada a carência de profissionais e de especialistas.
O Sr. Ministro, no seu discurso inicial, traçou uma realidade que não é a do Serviço Nacional de Saúde. A realidade de todos os dias e os dados oficiais desmentem, claramente, a ideia que o Sr. Ministro quis passar.
Relativamente à situação das urgências, por mais medidas que o Sr. Ministro tenha anunciado, a situação continua em rutura. E continua porque ela não é conjuntural — a situação não se deve a vagas de calor ou de frio — mas, sim, estrutural e as suas causas radicam na política que este Governo tem relativamente ao SNS.
Os doentes continuam internados nos serviços de urgência em macas, em corredores e em cadeirões. Sr. Ministro, é esta a realidade que o senhor e o seu Governo querem negar. É só passarmos pelo hospital de Setúbal e vemos esta realidade todos os dias. E, veja, esta realidade confirma-se também no hospital do Barreiro, que levou, recentemente, a que os chefes de enfermagem apresentassem a demissão.
Em janeiro, o Governo veio à Assembleia da República anunciar — e, hoje, o Sr. Ministro já aqui o disse — uma série de medidas conjunturais, é certo, para resolver problemas estruturais. Estamos a falar concretamente, na reabertura do número de camas e na contratação de mais profissionais. Temos conhecimento, Sr. Ministro, que muitas destas camas que foram abertas vão ser novamente encerradas.
As perguntas que lhe fazemos são as seguintes: o Sr. Ministro confirma que estas camas que foram reabertas vão ser encerradas? Confirma que muitos destes profissionais contratados vão ser despedidos, vão sair do Serviço Nacional de Saúde? É esta a realidade? São estas as perguntas a que o Sr. Ministro tem de nos responder.
Sr. Ministro, já o disse várias vezes, a realidade e os dados oficiais desmentem-no, como o desmentem os dados do INE, que, aliás, o Governo, numa deriva de negação, veio contestar.
Sr. Ministro, diminuiu o número de camas de internamento nos hospitais públicos mas, ao mesmo tempo, aumentam nos serviços privados, aumentam nos hospitais privados. E são os dados do INE que o dizem: em 2013, havia menos 3700 camas nos hospitais públicos do que em 2002 e nos privados, no mesmo período, abriram mais 2000 camas. Afinal, parece que as camas fazem falta, pois se não fizessem, não abriam nos privados.
Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo que mais do que triplicaram os exames complementares de diagnóstico realizados no setor privado.
Sr. Ministro, perante estes dados reveladores, é verdade aquilo que o PCP diz, que a política de desinvestimento que o Governo tem para o Serviço Nacional de Saúde repercute-se nesta realidade.
Soubemos ontem — e termino mesmo, Sr.ª Presidente —, pela voz do Coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental, que o Governo vai alterar o modelo de funcionamento dos cuidados continuados. Aquilo que lhe perguntamos, Sr. Ministro, é se o Governo vai optar por uma transinstitucionalização, abandonando o princípio do apoio domiciliário.
Sr. Ministro, isto é grave para os doentes com perturbações mentais, mas é, sobretudo, a confirmação do que o PCP tem vindo a dizer: este Governo transfere do setor público para o setor privado a prestação de cuidados de saúde.
Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo que é esta a política que os portugueses vão derrotar severamente nas próximas eleições legislativas, Sr. Ministro!

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