Esta crise internacional torna mais presente a dramática situação da pobreza1. Os milhões de cidadãos sem emprego, o encerramento de empresas deixando trabalhadores de meia idade sem esperança, as sopas dos pobres e as diversas manifestações de caridade, colocam a questão nos noticiários e na ordem do dia. Talvez por isso se tenha decidido instituir o ano de 2010, como «Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social». Objectivamente é uma forma de mostrar preocupação com esta chaga social desviando as atenções das medidas que a promovem. Na verdade, com a política monetária e cambial do BCE ao serviço do Directório das grandes potências e designadamente da Alemanha, e com as exigências do Pacto de Estabilidade o que vamos ter é o prolongamento das dificuldades económicas, mais desemprego, mais problemas sociais e mais pobreza. Mas se a crise torna mais presente a chaga da pobreza, a questão que se tem de colocar é por que razão, mesmo nos períodos de pujança económica e mesmo nos países mais desenvolvidos, que nunca foram colónias, mas sim colonizadores, as bolsas de pobreza nunca deixaram de ter significado? E por que razão as meritórias acções de caridade e assistencialistas nunca resolveram o problema? Não será porque a pobreza é inerente a um sistema baseado na exploração e no imperativo do lucro, na acumulação, nas políticas de concentração da riqueza com a consequente perda de poder de compra das camadas médias, da classe operária e a extensão do cortejo dos pobres quer se lhes chame excluídos ou marginalizados! Sabemos que se considera haver várias formas de pobreza e vários factores que as determinam. Mas fora do quadro da guerra e de cataclismos o principal factor reside nas baixas pensões da Segurança Social e das Companhias de Seguros aos acidentados, nos baixos salários que são as baixas pensões de amanhã e nas políticas designadamente fiscais e orçamentais que promovem a polarização da riqueza e a degradação dos serviços públicos. E tudo isto é ainda mais chocante quando somos confrontados com os espectaculares avanços científicos e técnicos nos mais diversos domínios, que permitiam resolver os problemas básicos da humanidade, melhorar o nível e a qualidade da vida, reduzir os horários de trabalho, com muito mais espaço para as actividades culturais, lúdicas e de formação. No entanto, o que vemos paralelamente aos espantosos e fulgurantes avanços científicos e técnicos é a intensificação do combate à redução e liquidação de direitos e regalias duramente conquistados! Lembro que no nosso país ainda não há muito tempo houve quem pusesse em causa, a pretexto da situação económica do país, o direito às férias pagas! A ofensiva contra os direitos e regalias, a ofensiva contra os salários e as pensões, o prolongamento dos horários de trabalho, a desregulação e o desmantelamento do «Estado social» desenvolveu-se com o afundamento da União Soviética e intensificou-se com a livre circulação de capitais. O «Estado social» nos países capitalistas desenvolvidos foi criado pela luta dos trabalhadores e dos sindicatos numa correlação de forças em que pesou e muito, as conquistas e avanços sociais dos povos dos países do então chamado «socialismo real». Com a «globalização» do sistema capitalista e as deslocalizações intensificou-se a ofensiva do capital levando à erosão do poder de compra de largas camadas da população e ao seu endividamento crescente, mesmo nos países mais desenvolvidos. Foi-se criando uma situação em que não basta ter emprego para se deixar de ser pobre de tal maneira os salários têm sido esmagados – no nosso país 12% dos empregados vivem abaixo do limiar de pobreza; nem basta ter uma licenciatura para se ter um emprego ou um emprego qualificado – 100 mil licenciados exercem funções não qualificadas e 64 mil e trezentos encontravam-se desempregados (3.º trimestre de 2009).2 Para dar resposta às dificuldades de escoamento da produção face à diminuição do poder de compra das massas instituiu-se a política do crédito fácil. A ilusão do aumento do poder aquisitivo fez-se à custa do endividamento crescente dos cidadãos e das famílias, na maioria por muitos e longos anos. Nalguns casos foi mesmo o disfarce de situações de pobreza. Na base dos títulos de dívida, designadamente no imobiliário, gerou-se uma especulação fantástica que rebentou nos EUA com o aumento das taxas de juro e estendendo-se a praticamente todo o Planeta. É a questão central das crises: a sobreacumulação, a sobreprodução em relação ao poder aquisitivo das massas, isto é, em relação à procura solvável. E esta questão não se resolve com a caridade, nem com votos pios que se encontram nos diversos manifestos contra a pobreza, tais como: «o direito aos pobres de viver com dignidade e a participar activamente na sociedade»; «a responsabilidade partilhada e a participação no combate à pobreza e à exclusão»; «a coesão da sociedade aceitando a adversidade e as diferenças». Ainda recentemente o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) condenou em Fátima, (Público de 13 de Abril) as situações de «miséria escandalosa» que existem no país. Como Igreja afirmou: «temos de descobrir, reconhecer e libertar os pobres... precisamos de ir ao encontro daqueles que sofrem e oferecer-lhes uma dignidade superior à de um mero número estatístico». São boas palavras, mas o que os povos precisam é de direitos e de uma distribuição do Rendimento Nacional mais justa, pois não consta que a ameaça da não entrada no reinos dos céus, mais difícil do que o camelo passar no “dito” da agulha, tenha assustado ou modificado o comportamento dos poderosos. Libertar os pobres sem questionar o modelo económico, sem questionar as políticas não nos parece possível. Portugal é hoje o resultado da abdicação nacional face ao Directório das grandes potências na União Europeia e das políticas neoliberais dos governos do bloco central ao serviço dos grandes interesses assentes nas “teorias” do menos Estado, na diminuição da intervenção do Estado na economia, na privatização das empresas básicas e estratégicas, na privatização dos serviços públicos, na desregulação da legislação laboral. Políticas que tiveram e têm a sua expressão clara na distribuição do Rendimento Nacional. Nos anos de 1974/75 e 76 o peso dos salários no Rendimento Nacional ultrapassou os 50%, atingindo os 59,5% em 1975. Os últimos dados disponíveis (2006) mostram-nos que o seu peso era apenas de 40,6% ou seja, um valor inferior ao registado em 1973. De acordo com o Eurostat somos também dos países em que é maior a diferença entre os 20% das famílias de maiores rendimentos e as dos mais baixos e se esta situação não se tem agravado mais deve-se à luta dos trabalhadores e à luta da CGTP, na subida do salário mínimo que beneficia centenas de milhar de trabalhadores (estima-se em 500 mil). Paralelamente crescem as grandes fortunas, os lucros especulativos e a acumulação do capital financeiro. Os últimos dados disponíveis mostram que as 100 maiores fortunas detêm 1/5 da riqueza nacional (20%). E são estes mesmos e os seus representantes políticos na Assembleia da República e no Governo que afirmam que vivemos acima das nossas possibilidades, que não produzimos riqueza suficiente para aguentar o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social, que temos de aumentar a competitividade pelos salários, que é necessário mais desregulação. Recentemente até apareceu um novo líder a defender o Estado fora dos negócios, associando negócios a negociatas lembrando a nomeação de figuras gradas do PS, cavalgando um sentimento de descrédito que existe na opinião pública. Está no fundo a defender mais e mais privatizações sem falar no seu nome! Talvez seja por não haver Estado suficiente nas empresas básicas e estratégicas que as administrações ignoraram displicentemente as recomendações do governo – para português ver – no sentido de limitarem os prémios e os ordenados escandalosos aos respectivos gestores.3 Também não nos falam das negociatas dos privados, nos offshores, ou sobre os casos do BCP, BPP e BPN, ou sobre as operações “Furacão” e outras... É que as “negociatas” dos privados, ao contrário das verificadas nas empresas públicas, só se sabem quando há casos de polícia, ou quando se zangam as comadres (BCP), ou quando estão perto da falência, BPP e BPN, este último recheado de figuras proeminentes do PSD! Nestes casos já se esquece a regulação pelo mercado, o “menos Estado” e pede-se a intervenção do Estado com o dinheiro dos contribuintes... No entanto, estes são os mesmos que são capazes, nos discursos de circunstância, de verterem lágrimas pelos pobres com a mais refinada hipocrisia e até são capazes de nos lembrar que eles também têm coração! Com arritmias!!! Também o governo do PS, no ano Europeu de luta contra a pobreza nos brindou com o PEC que vai reduzir ainda mais o poder de compra das camadas mais desfavorecidas, lançando mais uns milhares de famílias para a situação de pobreza, levando à prática uma política que objectivamente se pode definir com o slogan: os pobres que paguem a crise! E depois de apresentar a “bomba atómica” antisocial que é o PEC, o governo através da Ministra da Solidariedade, apresentou na Assembleia da República um programa denominado “INOV Inclusão” que abrangerá 1 500 jovens no que designou fazer parte do programa contra a pobreza. É uma hipocrisia, uma espécie de “brioches para famintos” ao estilo Maria Antonieta. Lançam milhares e milhares de pessoas no desemprego e na pobreza e depois apresentam uns programazinhos de marketing político na tentativa de disfarçar a essência da sua política. Camaradas, É necessário uma política de ruptura com a política de direita, com o modelo neoliberal e uma política de afirmação nacional nesta união Europeia. Há outras soluções do que a cura pela regressão social e a austeridade! A política neoliberal da União Europeia é a maior “fábrica” de pobreza. Com as suas políticas neoliberais lança milhões de trabalhadores no desemprego e na pobreza para depois aparecer também com umas medidazinhas assistencialistas atirando poeira aos olhos da opinião pública, como se dissessem: fazemos milhões de vítimas, mas temos um programa de aquisição de ambulâncias para o 112! Não se combate a pobreza e a crise exigindo a aplicação dos critérios de Maastricht e designadamente a redução do défice a «mata cavalos» para satisfazer os interesses da Alemanha e a concepção do que já se designou do “euro marco”! Neste quadro de crise tal política vai travar o crescimento económico, que é uma questão nuclear, prolongar o marasmo podendo inclusive criar condições de nova recessão, de deflação ou de estagno-inflação. Não se vence a pobreza e a crise sem se combaterem drasticamente as especulações sobre as dívidas públicas. A atitude da União Europeia e muito especialmente a que teve em relação à Grécia é inaceitável. Até o especulador George Soros diz que os juros a que a Zona Euro está a exigir à Grécia apesar de serem os melhores que os mercados são consideravelmente elevados. (Jornal de Negócios 16/04/2010) A solidariedade, a «coesão económica e social» são conceitos sem conteúdo. E num quadro destes mesmo para os fanáticos europeístas é de se colocar a questão: para que serve uma União Económica e Monetária se esta permite a especulação contra Estados membros e se esta admite Taxas de Juro diferentes para empréstimos obrigacionistas. Dizem-nos que são os mercados! Quais mercados? Os mercados são os Bancos, os tais que beneficiaram de empréstimos dos Orçamentos de Estado e do BCE quando estavam à beira da falência e que agora especulam com essas mesmas dívidas servindo-se das correias de transmissão ao seu serviço e ao serviço dos EUA e do dólar, que são as empresas de notação, «rating». O Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, afirmou que é «paradoxal que as agências de “rating” tenham apelado a que os Estados ajudassem a economia e agora digam para estes saírem de cena rapidamente». (Jornal de Negócios, 07 de Abril/20010) Pois é, mas que consequências é que tira disto? Que posição é que toma perante a União Europeia e o BCE que tiveram o mesmo comportamento! São milhões de euros que Portugal já está a pagar a mais pela especulação contra a sua dívida pública, com o beneplácito da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Isto é inaceitável, mesmo para as concepções neoliberais e mesmo para os que pactuam com uma Europa cada vez mais alemã! Não se combate a pobreza nem se vence a crise com a liquidação de direitos e garantias aos trabalhadores, nem com um modelo económico assente nos baixos salários. As declarações do comissário para os Assuntos Europeus e financeiros Ohli Rehn, sobre o PEC português são não só erradas, como irresponsáveis. Os juros da dívida dispararam no dia em que este Comissário questionou o PEC, aliás em contradição ao que afirmou o Presidente da Comissão. (Jornal de Negócios de 15 de Abril de 2010). E a pergunta a fazer é o de saber quem paga a factura destas públicas declarações irresponsáveis. A Comissão Europeia que aumentou os seus membros principescamente afirma também que Portugal deve adoptar políticas de forte contensão salarial de forma a ganhar competitividade. É a defesa do aumento da competitividade à custa da diminuição dos salários reais, uma medida que se inscreve bem no Ano Europeu de luta contra a pobreza!!! E a perda de competitividade pela valorização artificial do Euro? Sobre isto e sobre a política do BCE não há uma palavra? O combate à pobreza passa também pelo desmascaramento destas posições políticas, mostrando a sua hipocrisia e pela luta ideológica, aos que dizendo-se preocupados em palavras com a pobreza e a situação social são, pelas medidas que defendem, exímios defensores e executores da política de concentração da riqueza, da política de acumulação capitalista da política da submissão e da resignação.