As medidas dos últimos meses evidenciam de forma inequívoca que está em marcha um processo acelerado de destruição do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Não através de uma alteração constitucional, mas da progressiva implementação de um sistema nacional de saúde a duas velocidades contrariando a Constituição da República Portuguesa: um serviço público para os pobres com reduzidos meios, menos qualidade e mais difícil acesso, em que seria garantido o acesso aos cuidados de saúde e serviços de saúde incluídos no “plano de prestações garantidas” e outro, assente na prestação de cuidados pelo sector privado, com o alargamento do recurso aos seguros de saúde, vendidos pelos grandes grupos financeiros proprietários de empresas prestadoras de cuidados.
Neste quadro, agravado com a crise económica e social em que o país está mergulhado, são cada vez maiores os constrangimentos levantados no acesso aos cuidados de saúde a milhões de portugueses que conduzirão, num prazo relativamente curto, à degradação dos indicadores de saúde, expressão da degradação dos níveis de saúde dos portugueses particularmente os idosos e os carenciados.
Para o PCP, mais do que nunca, a questão da acessibilidade aos cuidados de saúde é fulcral e só um Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e gratuito pode garantir o acesso de todos aos cuidados de saúde, independentemente das condições económicas e sociais.
São as próprias organizações internacionais, nomeadamente a OMS, que relacionam a degradação dos níveis de saúde em vários países, com a política de redução do investimento público e da mercantilização da saúde, colocando este importante sector nas mãos dos grandes grupos privados cuja lógica de funcionamento é a aposta na doença, visando o lucro.
São vários os indicadores que confirmam uma redução significativa no acesso aos cuidados de saúde, inseparável da redução muito significativa dos meios financeiros disponibilizados para o SNS: menos 60.000 cirurgias realizadas em 2011 face a 2010, alargamento das listas e aumento do tempo de espera para consultas da especialidade, aumento brutal das taxas moderadoras, cortes nos apoio ao transporte de doentes não urgentes, aumento do custo de muitos medicamentos por via de um processo de descomparticipação, nomeadamente para doentes crónicos e uma estratégia de encerramento de serviços de proximidade, mais de um milhão de portugueses sem médico e enfermeiro de família.
Situação que é tanto mais preocupante quando é sabido que, ao contrário do que seria necessário nesta altura de agravamento exponencial das condições de vida da maioria do povo Português, o governo não tem uma política orientada para a eliminação das injustiças e desigualdades, o que constituiria um componente indispensável da prevenção da doença e da promoção da saúde.
Os portugueses são quem mais paga directamente do seu bolso as despesas com a saúde.
Se considerarmos o ano de 2009, ano de referência da última conta satélite publicada, as famílias portugueses pagaram em média, incluindo os seguros de saúde, 30% do total da despesa em saúde, cerca de 1266 euros/ano. Nesta altura os ingleses pagavam 10% e os franceses 7%.
Dizem não existir dinheiro para o SNS, mas para as PPP na saúde, em apenas 4 hospitais - Braga; Cascais; Loures e Vila Franca -, o país assumiu encargos de cerca de 2500 milhões de euros, numa linha de favorecimento dos privados que representam já na estrutura de prestação de serviços de saúde, 52% e em que os grandes grupos privados de saúde facturaram mais de mil milhões de euros em 2011.
Uma política de saúde que para além de altamente restritiva – o orçamento de 2012 recua a valores de 2003 - é profundamente desumanizada como acontece, por exemplo, com a saúde mental, onde a rede estatal tem apenas 13 camas por 100 000 habitantes.
É inaceitável que alguns dos que têm hoje grandes responsabilidades nas fortes limitações de acesso dos portugueses aos cuidados de saúde, nomeadamente os membros da troika internacional, venham levantar a questão do subfinanciamento do SNS ao longo dos anos, como a principal causa para os problemas financeiros do SNS.
Diz o actual ministro da saúde, que o objectivo é fazer mais e melhor com menos dinheiro. Mais uma das muitas mentiras sobre as quais o governo constrói a sua política de liquidação de direitos e de destruição das condições e qualidade de vida de milhões de portugueses.
Uma política de cortes cegos no plano orçamental, como aconteceu no último OE para 2012, em que decidiram reduzir em 700 milhões de euros as transferências para o SNS. Uma política traduzida no anúncio de encerrar ou concentrar serviços, reduzir o número de profissionais, de que é exemplo último a decisão que parece já estar tomada de encerramento da Maternidade Alfredo da Costa visando também o despedimento de uma parte dos seus profissionais, a quem muito o país deve pelos indicadores de saúde-materno infantil e neo-natal conseguidos desde a Revolução de Abril. Decisão à qual não será estranho o local onde está inserida e o seu valor imobiliário.
Uma política em que o financiamento é sustentado por estudos e mais estudos em que as pessoas nunca são colocadas no centro das preocupações, de que são exemplos:
-Dizem que o novo cálculo para a isenção do pagamento de taxas moderadoras iria isentar cerca de 5 milhões de utentes, mas terminado o prazo dado inicialmente os pedidos de isenção apenas abrangia um pouco mais de um milhão de portugueses;
-Passam o tempo a falar na redução do preço dos medicamentos, mas não dizem aos portugueses qual a razão porque continuam a pagar mais nas farmácias por menos medicamentos. Mais cerca de 4% em 2011 do que tinham pago em 2010;
- Encerram serviços de urgência e deixam centenas de milhar de portugueses a 50 e mais quilómetros de uma urgência básica sem acesso a uma rede pública de transportes eficaz, ou, como está acontecer na região de Lisboa, onde fecharam a urgência do Curry Cabral, levando a que se criasse um cenário por vezes dantesco nas urgências do Santa Maria e S. José e apesar disso e sem que este problema tivesse sido resolvido, já falam em encerrar a urgência polivalente no Hospital de Almada durante a noite e a do Hospital Francisco Xavier. Situação que se repete noutras regiões do país, como são os casos do Hospital de Évora e dos Covões em Coimbra.
É tempo dos portugueses dizerem basta.
A política das troikas, levada a cabo pelo governo do PSD/CDS, está a ter um impacto gravíssimo na saúde dos portugueses.
O PCP considera que é tempo de parar com esta política que tem levado ao encerramento indiscriminado de serviços e valências hospitalares, de centros de saúde e suas extensões, de maternidades, de urgências hospitalares e SAP.
Uma política que dificulta o acesso, que agrava o pagamento dos custos inerentes às taxas moderadoras e o aumento do preço dos medicamentos.
Uma política que degrada a qualidade dos serviços prestados principalmente devido à redução do número de trabalhadores por turno e por serviço e pela falta de recursos materiais, desde os mais básicos aos mais complexos.
Uma situação que exige um Programa de Emergência para protecção da saúde e da vida dos portugueses que deverá integrar, entre outras medidas:
-O reforço da dotação financeira para o SNS, para que este possa atender aos seus compromissos com os doentes na fase critica em que nos encontramos;
-A eliminação total, geral e universal das taxas moderadoras, designadamente para todas as consultas, Exames Complementares de Diagnóstico e Terapêutica praticados no SNS ou em entidades com ele convencionados;
-A redução do valor médio da comparticipação dos doentes nos custos da medicação em ambulatório para um máximo de 30% (em 2011 foi de 36,9%), representando um encargo anual de 145 milhões de euros com referência a 2011;
-Revogação do novo regulamento de transporte de doentes não urgentes, medida que representará um acréscimo de encargos para o Estado de cerca de 9 milhões de euros por ano;
-Reforçar e capacitar a rede de assistência pré-hospitalar e promover o serviço telefónico de atendimento e encaminhamento de doentes;
-Criar condições para um efectivo acompanhamento e tratamento ambulatório em saúde mental;
-A renegociação ou denúncia das parcerias Público Privadas e a integração de toda a rede hospitalar no quadro do sector público administrativo;
-Estabelecer para um horizonte temporal até 2020, convenções com entidades do sector social e privados para assegurar o acesso a consultas, a meios complementares de diagnóstico e terapêutica e a cuidados continuados no domicilio ou internamento, nas situações em que esta seja a solução para resolver problemas de proximidade ou de incapacidade de resposta do SNS em tempo clinicamente aceitável.
-Priorizar a resolução dos problemas que se verificam nos cuidados primários, onde residem as principais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, restabelecendo os concelhos como base de organização administrativa dos cuidados primários e dotá-los dos meios financeiros, técnicos e humanos necessários ao cumprimento das suas missões, tendo presente que é aqui, nos cuidados primários, que reside o maior problema do SNS. É preciso inverter uma política de centralização hospitalar, retomando o percurso iniciado a seguir à revolução de Abril que tantos ganhos em saúde trouxe ao país e aos portugueses.
-A valorização social e profissional dos profissionais de saúde, assegurando-lhes as condições de trabalho, de formação, de vínculos de carreira e remuneração que assegurem a sua máxima disponibilidade e qualificação e a estabilidade do serviço de saúde onde se encontram, no quadro do respeito pelas normas deontológicas que presidem à sua intervenção.
A denúncia, esclarecimento e proposta é condição decisiva da unidade dos trabalhadores e do povo e do êxito da sua luta por Serviço de Saúde para todos. O PCP prosseguindo a sua intervenção em defesa do SNS e do direito dos portugueses ao acesso aos cuidados de saúde, apela a todos os portugueses que se integrem na jornada de luta marcada pelo MUSP e vários sindicatos de profissionais de saúde em defesa do SNS e que se vai realizar em dezenas de localidades do país.