Exposição de motivos
Os pequenos e médios agricultores e produtores pecuários e os agricultores familiares têm vindo a enfrentar nos últimos anos, um conjunto adicional de problemas e constrangimentos que tornam ainda mais difícil a continuação do exercício da sua atividade, a garantia de rendimentos dignos e a renovação do setor atraindo jovens para o exercício da atividade e fixando-os nas zonas rurais do país.
Em 2020, fruto do surto epidémico de COVID-19, estes produtores confrontaram-se com a paragem de funcionamento de setores como a restauração, o quase congelamento das atividades turísticas, o cancelamento ou adiamento de feiras agrícolas e o encerramento de mercados e feiras municipais, quebrando os circuitos preferenciais de comercialização dos produtos da pequena e média agricultura, diminuindo drasticamente os rendimentos destes agricultores e produtores pecuários, mas mantendo, ou até aumentando, os custos da exploração.
A esta realidade acrescenta-se a situação de seca prolongada que está a criar dificuldades muito grandes aos pequenos e médios produtores.
Não estando ainda resolvida nem a situação sanitária associada ao COVID-19, nem a situação de seca prolongada, têm surgido novos constrangimentos que se têm acentuado desde o final de 2021, associados a um brutal aumento especulativo do preço dos fatores de produção para a agricultura e pecuária e em que o cenário de guerra no leste europeu e as sanções económicas decretadas no quadro da União Europeia têm tido um papel destacado.
Na realidade, este crescente aumento dos preços dos fatores de produção, não é acompanhado no valor pago ao produtor pelos seus produtos, diminuindo os seus rendimentos, apesar do consumidor final estar igualmente confrontado com um aumento significativo do preço dos bens alimentares.
A comparação dos dados relativos ao índice de preços dos meios de produção na agricultura, para 2020 e 2021 mostra uma subida anual de 53% no caso dos adubos e corretivos do solo, de 21% no que respeita à alimentação animal e de 15% em termos de energia e lubrificantes, com os restantes fatores de produção a aumentarem em menor intensidade, apresentando variações entre 15 e 6%. Comparando os dados dos três primeiros meses de 2021 com o mesmo período de 2022, esta variação acentua-se, com os custos relativos a adubos e corretivos do solo, a alimentação animal e a energia e lubrificantes, a aumentarem em média, respetivamente, 166%, 47% e 36%.
Contudo, como já referido, os valores pagos ao produtor não acompanharam o aumento dos custos de produção, verificando-se que o aumento anual do índice de preços de produtos agrícolas no produtor, entre 2020 e 2021 foi em média de 6%, com o maior aumento a ser de 16%, relativo a batata, azeite e ovos. Quanto à comparação dos valores relativos aos primeiros três meses do ano, entre 2021 e 2022, o aumento médio do índice cifra-se em 5,3%, com os maiores aumentos a ocorrerem no caso de ovos (35%), seguindo-se os sectores dos ovinos e caprinos (24%) e do azeite (17%).
Destaca-se que para batatas, produtos hortícolas frescos e frutas, a variação dos preços pagos ao produtor nos primeiros três meses do ano, entre 2021 e 2022, até foi negativa, de, respetivamente, -34%, -15% e -4%.
Já no que se refere ao índice harmonizado de preços no consumidor, entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021, o aumento foi de 3% para os produtos alimentares não transformados. No que respeita ao mês de março, da comparação entre 2021 e 2022, resulta um aumento do índice de preço no consumidor de cerca de 5%, com o registo de um aumento de 6% no caso dos produtos hortícolas, quando o índice dos preços pagos ao produtor diminuiu 15%.
Estes elementos demonstram que a centralização do abastecimento alimentar às populações nos serviços fornecidos pelo sector da grande distribuição, secundarizando os circuitos curtos de proximidade e a relação direta entre produtores e consumidores, vem favorecer a baixa de rendimentos à produção, não concorre para a aplicação de preços justos ao consumidor e deixa à margem dos circuitos de escoamento os pequenos produtores nacionais e os agricultores familiares.
Assegurar rendimentos justos à produção e tomar medidas para garantir o escoamento das produções agrícola e pecuária a preço justo e compensador, são elementos fundamentais para assegurar que estes agricultores continuarão a lançar as sementes à terra e continuarão a exercer as atividades agropecuárias, contribuindo para contrariar a dependência alimentar do país face ao exterior.
Neste sentido, é fundamental que se criem mecanismos adequados que assegurem o escoamento e a distribuição equilibrada dos bens à população, a regulação do mercado, assegurando preços justos à produção.
Com o presente Projeto de Lei, o PCP procura ir ao encontro da resolução de questões colocadas no âmbito da salvaguarda da produção e escoamento dos produtos alimentares da pequena e média agricultura e produção pecuária e agricultura familiar, favorecendo a produção mais sustentável e concorrendo para a soberania no plano alimentar.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
- A presente Lei aprova medidas para promover o escoamento de bens da pequena e média produção alimentar nacional, bem como os mecanismos para a sua implementação e acompanhamento.
- Para a concretização das medidas referidas no número anterior, é assegurada a criação de um regime público simplificado para aquisição de bens alimentares, provenientes da pequena e média agricultura e pecuária nacional e da agricultura familiar, promovendo o escoamento destes bens a um preço justo à produção e o seu consumo em refeições fornecidas em cantinas e refeitórios instalados em serviços do Estado e empresas públicas.
- Para promover a acessibilidade dos consumidores em geral aos produtos alimentares da pequena agricultura e da agricultura familiar e incentivar o escoamento destes produtos é criado o Programa de Mercados da Agricultura Familiar.
Artigo 2.º
Definições
Para os efeitos da presente lei consideram-se:
- “Fornecedores” - os agricultores e produtores pecuários que beneficiem do Estatuto da Agricultura Familiar ou que apresentem condições de elegibilidade aos regimes da pequena agricultura, de manutenção de raças autóctones, ou ainda, que recebam apoios do Regime de Pagamento Base num valor anual não superior a 5000€;
- “Entidades adquirentes” - as entidades públicas, privadas e do sector social, que assegurem o fornecimento de refeições em cantinas e refeitórios de entidades públicas ou de instituições particulares de solidariedade social que detenham contrato de associação com o Estado.
Artigo 3.º
Regime Simplificado de aquisição e fornecimento de produtos agrícolas e agropecuários
- O Governo, através do Ministério da Agricultura e Alimentação, cria um mecanismo simplificado de aquisição e fornecimento de produtos agrícolas e agropecuários, acessível aos fornecedores e entidades adquirentes, através de um procedimento especial de ajuste direto criado para o efeito.
- O Governo desenvolve, com informação agregada para cada região, uma plataforma informática centralizada de inventariação da oferta e de contratação entre fornecedores e entidades adquirentes, para gestão integrada de necessidades de abastecimento e disponibilidade de produtos.
- O inventário de fornecedores e produtos disponíveis é efetuado através de registo informático direto ou por registo presencial nos serviços descentralizados do Ministério da Agricultura, em colaboração com as estruturas cooperativas e associativas da pequena e média agricultura e produção pecuária sendo a informação integrada pelos serviços na plataforma de contratação.
- Os preços mínimos aplicáveis à transação dos produtos agrícolas e pecuários a praticar ao abrigo da presente Lei são estabelecidos anualmente pelos serviços do Ministério da Agricultura e Alimentação, ouvidos os representantes das estruturas cooperativas e associativas, de modo a garantir remunerações justas à produção.
Artigo 4.º
Programa de mercados da agricultura familiar
- O Governo, através dos serviços do Ministério da Agricultura e Alimentação, em articulação com os municípios, desenvolve um programa de mercados da agricultura familiar, designado por Programa, promovendo a comercialização direta entre produtores familiares e consumidores, segundo circuitos curtos de comercialização de bens alimentares.
- Nos municípios aderentes ao programa de mercados da agricultura familiar é criada, nos recintos de feiras e mercados municipais, uma zona exclusiva dedicada à comercialização de produtos alimentares pelos fornecedores descritos no artigo 2.º da presente lei, devidamente assinalada e publicitada.
- O Governo, através dos mecanismos de cooperação técnica e financeira, assegura aos municípios aderentes ao Programa, a disponibilização das verbas necessárias para concretizar os investimentos na criação das condições adequadas para a comercialização dedicada dos produtos alimentares da pequena agricultura e agricultura familiar nos recintos dos mercados municipais.
- O Governo disponibiliza aos municípios aderentes um mecanismo simplificado para assegurar a faturação dos fornecedores, dispensando a faturação individualizada nos atos praticados nos mercados respetivos.
Artigo 5.º
Escoamento de produtos agrícolas e agropecuários
- Para promover o escoamento dos produtos agrícolas e agropecuários dos fornecedores abrangidos pela presente Lei, as entidades adquirentes devem, sempre que a oferta o permitir, adquirir pelo menos 25 % dos bens alimentares utilizados na confeção de refeições através da plataforma de contratação, adaptando as ementas à oferta de produtos locais.
- O Governo, através dos serviços do Ministério da Agricultura e Alimentação promove:
- Uma campanha nacional de divulgação do regime simplificado de aquisição e fornecimento de produtos agrícolas e agropecuários e da respetiva plataforma informática de comercialização;
- Uma campanha de promoção do consumo de produtos da pequena agricultura e agricultura familiar, com referência ao Programa de Mercados da Agricultura Familiar.
Artigo 6.º
Monitorização e Seguimento
- O Governo, através do Ministério da Agricultura e Alimentação, faz a monitorização e seguimento dos efeitos da aplicação da presente Lei no escoamento dos produtos alimentares provenientes da pequena e média produção nacional e da agricultura familiar, nos rendimentos garantidos aos produtores e nos custos dos alimentos ao consumidor.
- Para os efeitos do número anterior, o Governo remete anualmente à Assembleia da República, até 31 de dezembro de cada ano, um relatório sobre os efeitos da aplicação da presente Lei.
- O relatório previsto no número anterior inclui ainda o balanço da adesão de fornecedores e entidades adquirentes ao regime simplificado de aquisição e fornecimento de produtos agrícolas e agropecuários e ao Programa de Mercados da Agricultura Familiar.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo procede, no prazo de 60 dias, à regulamentação do disposto na presente Lei.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos com a entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente.