1. A Conferência dos Oceanos promovida pela Organização das Nações Unidas realizada em Lisboa, subordinada à Estratégia de Desenvolvimento Sustentável, manifesta preocupações e enuncia metas e medidas em função de problemas reais: a protecção dos oceanos e salvaguarda dos seus ecossistemas; o combate ao aquecimento e acidificação das águas; a sobrepesca e exaustão de recursos marinhos; a redução da biodiversidade; a poluição e contaminação por plásticos e outros resíduos não biodegradáveis. Problemas sérios e factores de risco para a vida na Terra, a que todos os países precisam de responder solidária e atempadamente.
Mas se a seriação e sistematização dos problemas e das suas consequências são relativamente consensuais, já as causas apontadas e, sobretudo, as soluções aparecem associadas a uma visão neoliberal, assente na mercantilização da Natureza e destinada ao aprofundamento da exploração capitalista dos seus recursos, cuja concretização fica dependente do arbítrio e disponibilidade das grandes corporações financeiras, e onde a sustentabilidade económica, social e ambiental é um mero selo propagandístico.
Sendo as Nações Unidas o mais alargado espaço multilateral de cooperação internacional hoje existente, ficaram evidentes os esforços da UE e dos EUA em semear boas intenções que não esperam vir a concretizar – como aquelas que apontam para a necessidade de combater a sobrepesca, proteger as comunidades piscatórias e apoiar a pequena pesca artesanal e costeira, – ao mesmo tempo que procuram promover a acção predatória das grandes multinacionais, seja no que respeita à pesca, à aquacultura, à produção de energia ou à exploração de outros recursos marinhos (offshore).
A declaração final da Conferência dos Oceanos, apesar de conclusões e propostas com alguma relevância, está longe de responder, em muitos aspectos, aos problemas centrais com que os povos estão confrontados. Uma declaração que apontando a responsabilidade às gerações passadas, na prática procura absolver a natureza exploradora e predatória do capitalismo e as suas responsabilidades pela degradação ambiental e nos graves problemas económicos e sociais que atingem os povos.
2. Para o PCP, é lamentável que o Governo português – anfitrião da Conferência – assuma, de facto, uma política contrária às preocupações manifestadas nesta iniciativa. A situação em Portugal é, em todas as vertentes relevantes, de atraso e até retrocesso, de desperdício das condições existentes – seja a dimensão excepcional de áreas marinhas (que ainda pode aumentar substancialmente), seja uma longa e funda tradição de actividades ligadas ao mar, e, por enquanto, uma abundante mão-de-obra científica e técnica com conhecimento e experiência. A realidade é que o Governo PS, tal como os governos de PSD e CDS, têm preferido a propaganda em vez de um sério investimento que assegure a soberania, a segurança, a preservação ambiental, o uso sustentável dos recursos e o desenvolvimento harmonioso do País.
Portugal continua submetido à desastrosa Política Comum das Pescas da UE, com as comunidades piscatórias que ainda hoje garantem o grosso do abastecimento de pescado de qualidade ao País em franco declínio, envelhecidas (incluindo a frota) e com baixos rendimentos; o Governo mostra-se incapaz de assegurar portos e barras desassoreadas e seguras; a fiscalização do conjunto da actividade marítima é manifestamente incapaz e insuficiente, por incapacidade de clarificar competências das entidades públicas com tutela no sector e de lhes disponibilizar meios suficientes; a Polícia Marítima está há décadas sem uma Lei Orgânica; igualmente o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, incluindo os seus navios, permanece sem o financiamento necessário e sem os necessários recursos humanos; a marinha mercante nacional é inexpressiva; assiste-se a uma permanente instabilidade institucional, com a sistemática alteração do figurino governamental de tutela; a Direcção-Geral da Autoridade Marítima permanece sem orçamento próprio; persiste a dificuldade na aplicação adequada de escassos recursos públicos, nomeadamente os fundos comunitários, empurrando o País apenas para a captação de investimento privado fundamentalmente estrangeiro, e que a maioria das vezes procura usar o País sem verdadeiramente contribuir para o seu desenvolvimento.
Para o Governo PS, definir uma política para o mar é colocar-se como facilitador de negócios, opção bem expressa no grande objectivo fixado para a Conferência pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros: «Acredito que Lisboa pode tornar-se numa praça financeira do mar»!
3. O que esta Conferência veio revelar é o profundo atraso do País na adopção de uma política global capaz de assegurar a soberania, a segurança, a preservação ambiental e o desenvolvimento das múltiplas actividades que o mar propicia e que podem ajudar a combater os défices da economia nacional.
Não basta, como alguns procuram fazer crer, decretar a protecção ambiental de uma percentagem do território marítimo, de forma dissociada de uma política global para o sector. Portugal precisa de uma política verdadeiramente orientada para a defesa, preservação e gestão pública dos imensos recursos marinhos, combatendo a sua mercantilização.
É preciso uma política nacional integrada que assegure designadamente: a gestão, salvaguarda e aproveitamento dos recursos marinhos; investir no conhecimento, na investigação e desenvolvimento (I&D) e noutras actividades científicas e técnicas, na monitorização e gestão dos recursos, alargando significativamente o investimento e a capacitação das estruturas públicas e a capacidade científica nacional, em cooperação com outros países; defender junto da ONU os direitos territoriais portugueses, onde se inclui o alargamento da plataforma continental; investir na capacidade de monitorização, patrulhamento e segurança das águas territoriais; promover um amplo espectro de sectores de actividade económica ligados aos mares e aos oceanos, incluindo sectores tradicionais e sectores emergentes, como sejam os seguintes: pescas, aquacultura, transportes marítimos e fluviais, portos e logística, turismo e náutica de recreio, construção e reparação naval, obras marítimas e de defesa da orla costeira, prospecção e exploração de recursos, biotecnologia, entre outros.
Uma estratégia na qual importa ter presente que a sensibilidade dos ecossistemas marinhos, as funções ambientais, ecológicas e sociais dos mares e oceanos exigem um forte protagonismo do Estado na gestão sustentável e na salvaguarda dos recursos, como forma de assegurar a prevalência do interesse comum, do bem público, sobre interesses parcelares, sectoriais e individuais.
São estes os objectivos e a estratégia pelas quais o PCP continuará a lutar como condições para o desenvolvimento soberano de Portugal e como contribuição para a preservação dos oceanos, dos ecossistemas e do ambiente.