No mais recente exercício de «ida aos mercados», ao que nos dizem os orgãos de imprensa de referência, o Estado Português obteve empréstimos a taxas de juro próximas de zero... Se considerarmos a inflação «ideal» (objectivo do BCE) de 2%, isto quer dizer que já há tanto dinheiro a mais, nas mãos de gestores de fundos de «investimento» (isto de chamarem «investimento» a meras «aplicações financeiras» já começa a irritar-me...) que até me admira porque razão é que isto não aconteceu há mais tempo. No caso da Alemanha já é assim há uns anos... E agora com a política de injecção de dinheiro no sistema (a QE ou «quantitative easing» dos entendidos...) por parte do BCE, a coisa ainda é mais de admirar... Ou seja, os donos do capital fictício até pagam 1% ou 2% para que os Estados fiquem garantes e guardiões dos seus dinheiros...
Tudo isso para ver se conseguem contrariar os efeitos da «deriva continental» que é a queda tendencial da taxa de lucro...
Por outro lado, e ao que nos dizem os mesmos orgãos de imprensa de referência, a senhora que está ministra das finanças afirma que «temos os cofres cheios» de dinheiro para pagar salários e pensões...
Para quem nos (des)governa, pelos vistos, o euro parece assim não constituir qualquer problema.
Mas adiante, e parafraseando Shakespeare...
«Sair ou não sair do Euro», essa NÃO será então a questão... Se pensamos que é mais nobre sofrer as pedradas ou flechas de uma ultrajante Troyka, ou pegar em armas contra um mar de problemas».
De facto, a verdadeira questão é o atraso estrutural da economia portuguesa acumulado ao longo de séculos e vagamente amenizado durante algumas décadas do século XX, assim como o modo de integração da economia portuguesa no espaço económico da União Europeia. Nesse contexto levanta-se uma questão daí derivada: a questão de como nos desenvencilharmos das múltiplas cadeias de ligação e dependência que nos impedem de realizar o nosso próprio e relativamente autónomo processo de desenvolvimento sustentável.
Mesmo considerando que a moeda é uma prerrogativa da soberania de um Estado e um instrumento fundamental para o funcionamento de uma economia nacional, não deixa também de ser apenas um instrumento de política económica, ainda que fundamental. Em si mesma a moeda não produz o que quer que seja nem aumenta a produtividade real de qualquer sistema económico nacional.
Se saíssemos do Euro haveria certamente quem ganhasse e quem perdesse, mas a produtividade e a competitividade real do país ficava mais ou menos na mesma.
E em vez da desvalorização interna passávamos a ter a desvalorização externa...
«E depois?...»
Nesta fase do campeonato mundial das exportações e importações de tudo e mais alguma coisa que se possa comercializar, os verdadeiros problemas são o garrote da dívida pública, quer a nossa, quer a de muitos outros países (supostamente, mas só supostamente, isentos disso...) - e o desemprego estrutural e sistémico que continua e está aí para durar.
A menos que façamos alguma coisa concreta a esse respeito.
Estes são os dois problemas reais. Ainda que importante, o euro vem a ser um problema derivado. Mas importa admitir que a introdução do euro e o modo da sua institucionalização – dependente de uma determinada orientação ideológica - garantiram a este «instrumento de política económica» um papel que vai muito para lá do suposto objectivo original: «facilitar o comércio no seio da área económica União Europeia», designadamente através da redução (eliminação?...) de alguns dos chamados «custos de transacção».
E volto a citar Shakespeare, em tradução livre:
«A culpa, meu caro Brutus, não está no nosso destino, mas em nós mesmos que nos subordinamos.»
Quero chamar a atenção para que tudo isto, todas estas questões relacionadas com o euro, dizem respeito aos instrumentos financeiros mais ou menos adequados para prosseguir determinadas políticas económicas. Entendo que seria mais adequado ou mais eficaz pensarmos tudo isto em termos de economia real.
Assim sendo, e reconhecendo que as finanças estão inextricavelmente conectadas com a economia, pela minha parte de cidadão preocupado com o destino dos netos, meus e de outros, limitar-me-ei ao essencial:
1 - A dívida pública exige, reclama, requer um novo paradigma fiscal, à prova de deslocalizações e esquemas de «toca-e-foge».
2 - O desemprego exige, reclama, requer uma redução firme e sistemática (ainda que gradual) dos tempos de trabalho ao longo da vida e de cada ano de trabalho.
Se alguns economistas convencionais me vierem com a conversa da famigerada «falácia da quantidade fixa de trabalho», não lhes digo para irem dar um volta ao bilhar grande. Pelo contrário, terei muito gosto em lhes desmontar a dita cuja falácia.
No que diz respeito à dívida pública deveria começar-se por exigir «ver a factura antes de pagar». Ou seja, uma «auditoria cidadã», institucionalizada a partir de, e com a cobertura legal do Parlamento.
Ainda no que diz respeito aos montantes supostamente em dívida a instituições públicas, como será o caso – ainda que por via indirecta – do BCE, exigir uma renegociação dos juros reduzindo-os ao nível que permita à entidade emissora cobrir as suas despesas administrativas. Sendo uma entidade pública de carácter soberano, aquilo não existe para dar lucros a eventuais sócios privados nem sustentar mordomias de executivos cada vez mais desnecessários.
Também no que diz respeito à dívida pública vai ser necessário combater a economia supostamente paralela, a respectiva evasão fiscal mas sobretudo a evitação fiscal, actualmente legal e institucionalizada como prática comum por parte de todas as grandes empresas transnacionais. Para tudo isso serão necessários recursos técnicos e humanos, mesmo que pagos a «preço do ouro».
Por outro lado e ainda no que respeita à questão da dívida pública é urgente estudar formas de adequar as tabelas do IMI ao valor real da terra ocupada – em termos do mercado imobiliário - e à capacidade de pagamento dos seus utentes efectivos, por via de cruzamento com as tabelas do IRS.
Entretanto parece haver um consenso generalizado entre as forças patrióticas e de esquerda sobre o papel de garrote assumido pelo euro relativamente às opções de políticas económicas que criem emprego e desenvolvimento social e económico.
Nesse contexto é de assinalar que vai havendo por essa Europa fora quem pondere sériamente os prós e contras de uma saída do Euro por parte de um qualquer país. Essas vozes vão desde um partido de direita na própria Alemanha «Alternative für Deutschland» a um partido como o Syriza que se reclama «patriótico e de esquerda». Por outro lado o ministro grego Varoufakis e a Comissão Europeia, eventualmente por razões distintas, parecem concordar em evitar uma saída do euro por parte da Grécia. Evitar a todo o custo o efeito de dominó.
Para alguns observadores também está em jogo o prestígio pessoal e institucional dos agentes económicos em presença... Ninguém quer perder a face, como dizem.
E no entanto o melhor para todos seria mesmo uma saída minimamente disciplinada disponível para todos os que quisessem considerar essa possibilidade. É caso para dizer se levámos anos a negociar a entrada porque razão não levar pelo menos alguns dias ou semanas a negociar uma saída, até na medida em que isso acabaria por ser desejável para a maioria das populações afectadas.
A imprensa alternativa – disponível na rede internet – abunda em propostas e soluções para uma eventual saída do Euro.
Por outro lado, com a recente vitória do Syriza (um movimento político, social-democrata, que se apresentou com uma série de ideias aparentemente alternativas) muito se tem falado de uma eventual «Grexit».
As propostas discutidas até agora vão desde a adopção, por parte de cada Estado nacional que assim o decida, de uma moeda nacional complementar do Euro e para uso exclusivo no território nacional e sobretudo para pagamentos ao Estado, até a uma saída da própria Alemanha, deixando os outros países em paz para poderem crescer – como diria Georges Soros que fez essa recomendação já há dois anos atrás - passando por uma saída negociada com os parceiros europeus.
No caso da proposta primeiro indicada, de criação de uma moeda alternativa mas complementar, no caso de Portugal, por exemplo, o Estado pagaria todas as suas compras parcialmente em escudos e parcialmente em euros. A questão das percentagens que seriam pagas numa e noutra moeda seria para decidir com base em estudos econométricos adequados. Em qualquer dos casos ou soluções propostas, haveria sempre sobressaltos. A questão seria então de tentar saber qual das soluções provocaria menos sobressaltos ou teria menos custos para a generalidade das populações.
Este tipo de solução permitiria a cada Estado nacional ajustar as suas políticas económicas às disponibilidades financeiras efectivas, sempre com respeito por um razoável equilíbrio orçamental.
Uma outra ideia menos discutida, mas que considero fundamental, seria a nacionalização de jure (ainda que parcial) de todos os bancos «intervencionados». Mas, sobretudo a revalorização institucional das comissões de trabalhadores de todos os bancos, com ou sem nacionalização.
Finalmente e voltando à questão de uma eventual saída do euro, se eu amanhã fosse primeiro-ministro ou ministro das finanças (era só que faltava...) e depois de ter a lição bem estudada com uma equipa tecnicamente bem preparada, apresentava-me em Bruxelas – por uma questão de «boas maneiras» não mandava por correio diplomático – e entregava formalmente um documento requerendo, de forma clara e inequívoca, o inicio de negociações para a saída do euro. E ponto final.
Claro que uma tal decisão «radical» por parte do governo português (ou de outro qualquer) só teria viabilidade se entretanto beneficiasse de um amplo apoio popular sob a forma de um referendo, devidamente esclarecido.
Muito em particular no que diz respeito à actual dependência face ao imperialismo interno por parte das potências do directório e da Alemanha em particular.