Recomenda a criação de uma Carta Educativa Nacional e a suspensão da aplicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/2010, que «Define os critérios de reordenamento da rede escolar»
A pretexto do alargamento da obrigatoriedade de frequência escolar para os menores de 18 anos, que o Governo vem caracterizando como alargamento da escolaridade obrigatória, procedeu o actual Governo, por via da Resolução de Conselho de Ministros nº 44/2010, de 1 de Junho a um chamado reordenamento da rede escolar, considerando todos os níveis e ciclos de ensino até ao final do ensino secundário.
De acordo com a análise do Partido Comunista Português, este reordenamento da rede prossegue, no essencial, a linha de orientação política já praticada pelo anterior governo, que se traduz numa profunda desfiguração das características fundamentais da Escola Pública, particularmente quando consideradas à luz da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.
No entanto, o descontentamento com a orientação agora vertida em Resolução do Conselho de Ministros e já em marcha em muitos locais do país, não é, de forma alguma, circunscrito ao PCP. Bem pelo contrário, esse descontentamento tem vindo a fazer-se sentir já desde a aplicação da primeira reorganização levada a cabo pelo XVII Governo Constitucional, particularmente através da luta e do protesto organizado das populações afectadas. São várias as comunidades escolares, associações de pais e encarregados de educação, as autarquias locais, as direcções escolares que protestam os efeitos dessa reorganização e a forma como foi aplicada no terreno e são também várias as que contestam a actual e o conteúdo da Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010. Essa oposição local e popular ilustra bem a forma autocrática e centralista como o Governo e o Ministério da Educação procedem à reorganização da rede escolar.
Na óptica do PCP, este reordenamento obedece a critérios economicistas, mas encerra outros motivos, nomeadamente programáticos, por detrás desta estratégia de aglomeração e concentração dos meios escolares, sejam materiais ou humanos. A orientação central do Governo visa a subversão completa do papel do Sistema Público de Ensino, fragilizando-o e criando o espaço para que, cada vez mais, progrida a marcha de gradual privatização do ensino a que já se assiste. A aglutinação e concentração dos recursos materiais e humanos das escolas, além de provocar uma enorme instabilidade por força da forma como foi imposta às comunidades educativas, acarreta custos sociais e pedagógicos absolutamente inaceitáveis. A qualidade pedagógica, o sucesso real das aprendizagens são paulatinamente substituídos por preocupações meramente estatísticas e economicistas.
A conversão da escola pública num instrumento formativo meramente profissional, que abdica do seu papel cultural e social, que abandona derradeiramente a perspectiva da formação da cultura do indivíduo e que consubstancia e materializa uma escola pública que se vai desenvolvendo a duas velocidades. Ou seja, uma escola pública genericamente orientada para o cumprimento de uma escolaridade obrigatória orientada em função das necessidades do mercado e não em função das necessidades do país, com uma presença residual na componente de prosseguimento de estudos, componente essa que vai, gradualmente, ficando cada vez mais reservada a um grupo reduzido de agrupamentos privilegiados para as camadas mais ricas da população e ao Ensino Privado que, naturalmente, recebe cada vez mais apoio financeiro do Estado, fruto das políticas de abandono territorial do Governo PS.
A delapidação de um património público construído após o 25 de Abril de 1974 com o esforço de todos os portugueses terá efeitos incomportáveis no quadro da Escola Pública, com retrocessos muito significativos no que toca à qualidade do ensino e também à qualidade e eficiência pedagógicas e organizativas das escolas. A destruição do esforço, pessoal e colectivo, de professores, funcionários, pais e estudantes, por imposição de uma política que faz tábua rasa do empenho desses agentes traz consequências humanas, sociais e económicas para o país que se afirmarão negativas a muito curto-prazo, nomeadamente através da criação de mega-agrupamentos de gestão impessoal e sobre-dimensionados do ponto de vista da organização e, consequentemente, da sua capacidade pedagógica.
O planeamento da organização da rede escolar é um instrumento fundamental de uma política educativa que tenha como objectivo a promoção da educação e a elevação da qualificação e capacidades de uma população. A ausência de planeamento revela-se, por oposição, a estratégia de quem prefere a arbitrariedade e a gestão ao sabor dos interesses pontuais, clientelares ou partidários, resultando a soma dessas operações no descrédito e no gradual desmantelamento das funções da Escola Pública e, em última análise, das próprias tarefas fundamentais do Estado. Actualmente, o único instrumento de planeamento escolar, no que ao parque escolar e rede diz respeito, situa-se no plano local, sendo supostamente articulado e harmonizado por via das estruturas regionais do Ministério da Educação. No entanto, se é verdade que a Carta Educativa é o único instrumento legal de ordenamento da rede escolar, não é menos verdade que a Carta Educativa Municipal é um instrumento sem o devido peso na organização da rede escolar quando concebida numa perspectiva regional e supra-regional.
Exige-se uma estratégia política, fixada em objectivos claros e ancorada numa gestão local partilhada entre autarquias, comunidades escolares e Ministério da Educação, que seja construída “de baixo para cima”, ou seja, que parta das necessidades identificadas no terreno e se harmonize de todos os pontos de vista, incluindo o da gestão racional de recursos pela não duplicação de esforços. No entanto, a estratégia nacional não pode resultar apenas da resposta fatalista às consequências das políticas de abandono que têm vindo a marcar as regiões mais empobrecidas do país, particularmente as regiões ruralizadas e interiores. Antes pelo contrário, uma estratégia nacional deve perspectivar de forma audaciosa a ocupação e a distribuição da riqueza pelo território, bem como a dinamização do aparelho produtivo em todo o país. A forma como o Governo actual gere o parque escolar e a rede de escolas, além de economicista, assenta no fatalismo da litoralização e da macrocefalia urbana ao invés de utilizar a própria rede de serviços públicos para o combater.
A Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010 aponta um conjunto de directivas de cumprimento obrigatório sem qualquer base científica, sem um único fundamento pedagógico e sem perspectiva alguma de melhoria da qualidade do serviço prestado às populações. Inúmeras dessas directivas poderiam evidenciar essa ausência de preocupação pedagógica, mas a que refere o número de alunos como critério determinante e quase exclusivo é de todas a mais flagrante. Tão ou mais grave é o facto de sistematicamente este Governo ignorar a Lei em vigor e agir à sua margem, como é objectivamente o que se verifica através desta imposição de política de reordenamento da rede escolar. O Governo age à margem da própria legislação que regula e determina o funcionamento e a criação de agrupamentos, o Decreto Regulamentar nº 12/2000, que impede o envolvimento de Escolas Secundárias em agrupamentos de escolas e fixa as condições para a criação ou alteração de agrupamentos.
A juntar à tendência política vertida nesta Resolução do Conselho de Ministros vão-se afirmando e avultando ataques à Lei de Bases do Sistema Educativo e à qualidade da educação, nomeadamente através do ataque aos direitos dos professores e funcionários, mas também da tese que progressivamente se vai revelando e que aponta para a concentração de estudantes de graus de ensino muito diversos em edifícios escolares únicos, tal como anuncia a fusão dos dois primeiros ciclos do ensino básico com o objectivo primeiro de reduzir o número de professores e degradar a qualidade do ensino ministrado.
O contributo das autarquias, dos conselhos municipais de educação, tal como o das comunidades educativas, principalmente os que determinam as cartas educativas homologadas posteriormente pelo Ministério da Educação, deve constituir o ponto de partida para uma análise global e nacional, assim articulada com a visão estratégica nacional. Contudo, a gestão avulsa e intempestiva da rede escolar, obedecendo a critérios injustificados e infundados do ponto de vista pedagógico, sem preocupações com os efeitos e consequências junto da qualidade de vida das populações e dos jovens e crianças afectados, sem consideração dos custos e riscos acarretados pelo aumento muito significativo da utilização de transportes e da duração e distância dos respectivos percursos.
A reorganização da rede deve, por isso mesmo, partir de uma aprofundada reflexão sobre o seu papel e sobre os moldes pedagógicos que a devem orientar. Começar por aplicar, sem qualquer ponderação ou participação democrática das diversas esferas envolvidas, uma política de “régua e esquadro” poderá traduzir-se a médio e longo prazos num efectivo desastre político com custos incomportáveis para o país e para o povo. A desocupação fatalista do interior e a assimetria cada vez mais galopante na ocupação territorial e na distribuição da riqueza serão problemas agravados com a retirada dos serviços públicos, entre os quais a escola ocupa lugar estratégico de destaque.
Assim, nos termos regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Suspenda de imediato a aplicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010 e faça reverter as implicações que teve em todos os agrupamentos afectados e escolas não agrupadas afectadas.
2. Desenvolva, num prazo de dois anos, uma Carta Educativa Nacional que plasme uma estratégia de gestão da rede escolar e que seja construída com envolvimento das autarquias locais, nomeadamente partindo das suas cartas educativas, das comunidades educativas e dos órgãos de gestão e administração escolar, das associações de pais e encarregados de educação e das associações de estudantes, obedecendo essencialmente aos seguintes critérios:
a) Estratégia local e regional de desenvolvimento e investimento e importância da presença da escola para o seu cumprimento;
b) Qualidade pedagógica e eficiência pedagógica da escola ou agrupamento, independentemente do número de estudantes;
c) Capacidade de envolvimento das populações com a comunidade escolar, seu aprofundamento ou manutenção;
d) Proximidade da infra-estrutura aos aglomerados urbanos e habitações e tempo de transporte previsto para as deslocações dos estudantes, considerando limite máximo da duração da deslocação os 30 minutos;
e) Existência de alternativas reais ou necessidades de construção de novas escolas, analisando caso a caso a realidade nacional, sem que se aplique um critério unificado para as condições diversas verificadas no terreno.
3. Proceda à discussão dessa Carta, através de um Projecto global, com os agentes educativos e as autarquias e proceda posteriormente à aplicação gradual da estratégia nela contida em articulação com os órgãos autárquicos e de gestão dos agrupamentos e escolas, salvaguardando sempre a qualidade de vida das populações e as implicações do reordenamento da rede, assegurando que nenhum estudante ou verá deteriorado ou prejudicado o seu direito à educação pela reorganização planificada.
Assembleia da República, em 29 de Junho de 2010