Exposição de motivos
O Decreto‐Lei n.º 217/74, de 27 de maio, instituiu pela primeira vez em Portugal uma retribuição mínima mensal garantida aos trabalhadores por conta de outrem, quer do setor público, quer do privado. Na senda da Revolução de Abril, a instituição de um Salário Mínimo Nacional visava, como parte de um conjunto de direitos sociais garantidos aos trabalhadores num Portugal Democrático, “(…) abrir caminho para a satisfação de justas e prementes aspirações das classes trabalhadoras e dinamizar a atividade económica”.
Quase meio século após a sua instituição, o Salário Mínimo Nacional está profundamente desvalorizado, com atualizações abaixo do aumento dos rendimentos médios e do índice de preços ao consumidor, e viu até o seu valor congelado entre 2011 e 2014. Aliás, se o SMN tivesse sido atualizado todos os anos, considerando a inflação e o aumento da produtividade, o seu valor seria hoje muito superior.
A evolução da distribuição da riqueza em Portugal continua a ser demonstrativa de uma profunda injustiça social. As assimetrias existentes na acumulação de riqueza não só não se esbatem, como confirmam que uma pequena percentagem das famílias portuguesas detém mais de metade da riqueza, enquanto a esmagadora maioria dos portugueses ficam com uma pequena fatia dessa riqueza.
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2022 pelo INE sobre rendimentos do ano anterior, indica que mais de 16% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2021, sendo que o risco de pobreza da população empregada ultrapassava os 10%
A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2021, à proporção de trabalhadores com rendimentos líquidos inferiores a 6 608 euros anuais, ou seja, 551 euros por mês (com Salário Mínimo Nacional de 705 euros). Quer isto dizer que o seu rendimento mensal não é suficiente para as despesas básicas familiares, sendo inegável que os baixos salários e em particular o valor do Salário Mínimo Nacional (SMN) constitui uma das principais causas de pobreza.
Estes dados demonstram a injustiça na distribuição da riqueza e o processo de concentração da riqueza, promovida por sucessivos Governos e que o atual Governo de maioria absoluta do PS dá continuidade, e evidenciam as consequências desastrosas das opções políticas, em particular no emprego, na produção nacional, nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado, na dependência externa e nas limitações à soberania nacional.
No início do ano de 2023, o Salário Mínimo Nacional foi atualizado de 705 euros para 760 euros mensais, aumento esse que é claramente insuficiente para a reposição do poder de compra e para enfrentar o custo de vida, a agravar-se todos os dias na vida dos trabalhadores e do povo, que vive diariamente com sérias dificuldades em fazer face às necessidades mais elementares.
Em Portugal, o SMN é a remuneração de referência para centenas de milhares de trabalhadores, abrangendo cerca de um quarto dos trabalhadores por conta de outrem (24%, em 2022), realidade que prova que os baixos salários continuam a ser uma opção política e uma realidade predominante no país, configurando uma das causas das enormes e gritantes desigualdades sociais.
Impõe-se por isso a necessidade de avançar para um aumento geral dos salários, incluindo o Salário Mínimo Nacional para 910 euros a partir de 1 de janeiro de 2024, de modo a atingir 1000 euros durante 2024, o ano em que se assinala o 50º aniversário da sua instituição, objetivo que é inseparável da luta dos trabalhadores por aumentos salariais. Uma luta justa que o PCP valoriza.
Impõe-se a revogação das normas gravosas da legislação laboral que visam o agravamento da exploração e a perpetuação dos baixos salários, nomeadamente a eliminação da caducidade da contratação coletiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
É uma emergência nacional o aumento geral dos salários, a valorização das carreiras e das profissões e, em particular o aumento do Salário Mínimo Nacional, para que uma parte maior da riqueza criada pelos trabalhadores seja colocada a seu favor e não da acumulação do lucro do capital, para fazer crescer a economia e o emprego, para aumentar as contribuições para a Segurança Social, aumento que melhore as condições de vida, responda à desvalorização dos salários nas últimas décadas e aos elevados níveis de inflação que se preveem entre 2022 e 2024, para repor o poder de compra perdido com uma subida acentuada dos preços, sobretudo dos bens de consumo, fruto das opções políticas e da política de direita levada a cabo desde há muitas décadas.
É uma emergência nacional o aumento geral dos salários e, particularmente o Salário Mínimo Nacional, para assegurar o direito aos jovens a ter filhos, a constituir família, para assegurar mais justiça na distribuição dos rendimentos.
Os argumentos invocados para não aumentar o salário mínimo nacional prendem-se com a falsa ideia do peso das remunerações na estrutura de custos das empresas e no seu suposto efeito negativo para a competitividade. Na verdade, as remunerações têm um peso muito inferior a um conjunto de outros custos, designadamente com a energia, combustíveis, crédito ou seguros.
Segundo dados do Banco de Portugal relativos a 2021, os gastos com pessoal (sociedades não financeiras) no geral não ultrapassam, em média, os 18,2% da estrutura de custos de uma empresa. Isto significa que não são os salários que têm um peso determinante na solvência das empresas, mas antes a manutenção de baixos salários tem sido peça fundamental à estratégia de lucro máximo levada a cabo pelos vários setores de atividade.
Não se combate a pobreza, incluindo a pobreza infantil, sem assumir a necessária valorização dos salários e o aumento do salário mínimo nacional de forma significativa.
Não se pode ter pensões mais elevadas no futuro sem aumentar os salários no presente, nomeadamente o salário mínimo nacional.
Não se dinamiza a economia sem assumir que são os salários dos trabalhadores que influenciam o consumo, a procura e a dinamização do mercado interno.
Não se defende a emancipação dos jovens sem assumir que, para que estes possam sair de casa dos pais e concretizar projetos de vida, é fundamental que tenham vínculos estáveis e salários que lhes garantam condições para construir, de forma autónoma, o seu caminho.
Não se combate a emigração de trabalhadores qualificados nem se fixam trabalhadores na Administração Pública sem valorizar os salários, as carreiras e as profissões.
Não se pode falar de sustentabilidade da Segurança Social sem assumir que o aumento dos salários é determinante para esse objetivo.
Não há país desenvolvido sem trabalhadores valorizados. Para o PCP o aumento do salário mínimo nacional é imperioso, por razões de justiça social e de uma mais justa distribuição da riqueza, mas também por razões de carácter económico, uma vez que assume especial importância no aumento do poder de compra, na dinamização da economia e do mercado interno.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição recomendar ao Governo que aumente o salário mínimo nacional:
- para 910 euros a 1 de janeiro de 2024;
- para 1000 euros durante o ano de 2024.