Debate com vista ao esclarecimento integral do aumento do número de funcionários públicos no 1.º trimestre de 2006
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Começo por reafirmar o que foi dito no início do pedido de esclarecimento feito pelo meu camarada Bernardino Soares de que nós não alinhamos no discurso da direita sobre a existência em Portugal de funcionários públicos a mais. Aliás, o tema, tal como foi proposto, é, quanto a nós, um falso tema. Nós não nos entendemos com a direita nesta matéria, nem noutras, e recusamos o apelo feito há pouco pelo Sr. Deputado José Junqueiro para que nos entendêssemos com a direita acerca deste tema. Nós não nos entendemos com a direita.
Quem é especialista em entendimentos com a direita não somos nós, é o Partido Socialista e, portanto, não contem connosco para esse desiderato.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
É inquestionável que a Administração Pública em Portugal aumentou com o advento da democracia, e ainda bem que assim foi. Isto porque a escassa Administração Pública que existia no tempo da ditadura era um aparelho de controlo por parte do Estado, não estava ao serviço dos cidadãos, e com a democracia, triunfou uma concepção diametralmente diversa: a Administração Pública passou a estar ao serviço dos cidadãos, passou a ser um instrumento de concretização de direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses conquistados com o regime democrático.
Portanto, os cidadãos conquistaram direitos, o Estado assumiu responsabilidades, quer o poder central quer o poder local assumiram maiores encargos para com os cidadãos, aumentando, deste modo — e ainda bem que assim foi! —, o esforço do Estado na concretização de direitos fundamentais dos cidadãos, a Administração Pública e a protecção dos direitos sociais. Tudo isso são motivos de congratulação.
A questão que se poderá colocar é a de saber se esse aumento foi injustificado, se se chegou em algum momento, em Portugal, a um ponto em que tivéssemos funcionários públicos a mais, em termos globalmente considerados. E todos os estudos sérios apontam para o contrário: Portugal nunca teve, nem tem, funcionários públicos a mais e não há comparação que se possa recear desse ponto de vista, designadamente a nível comunitário, nem quanto ao peso do emprego público, que é relativamente baixo em termos comparativos, nem quanto ao peso no PIB, que continua abaixo da média da União Europeia.
Daí que a questão que se possa colocar é a seguinte: quando alguém reivindica a redução da Administração Pública em termos globais devia explicar onde é que defende a redução, onde é que há funcionários públicos a mais.
Vejamos os maiores empregadores.
O maior empregador da Administração Pública é o Ministério da Educação, o segundo é o Ministério da Saúde, muito longe e em terceiro lugar o Ministério da Administração Interna.
Então, perguntar-se-á: a redução deve ser feita onde? No número de professores?
No número de funcionários das escolas, conhecidas as dificuldades que já existem hoje para estas funcionarem? É na saúde? Vamos reduzir o número de médicos?
Vamos reduzir o número de enfermeiros? Vamos reduzir o número de pessoal dos hospitais?
Vamos reduzir o número de pessoal dos centros de saúde? É aí? É na justiça? A nossa justiça funciona«tão bem» que temos pessoas a mais e, portanto, vamos dispensá-las?! Então, é onde? É na Administração Interna? Temos polícias a mais?
Não é isso que costumamos ouvir, nem das populações, nem dos próprios partidos que, constantemenI te, defendem a redução do número de funcionários da Administração Pública.
Aliás, a direita tem um discurso absolutamente incoerente em relação a esta matéria. Ao mesmo tempo que exige a redução do número de funcionários da Administração Pública exige o seu contrário, exige melhores serviços. Em campanha eleitoral, se verificarmos os programas eleitorais — e aqui convergem quer os partidos da direita quer o PS —, encontramos coisas absolutamente contraditórias, isto é, globalmente reduzir a Administração Pública, concretamente exigir mais Administração Pública para defesa dos direitos dos cidadãos.
Portanto, os senhores entendam-se relativamente a esta matéria.
Quanto a nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que estamos hoje aqui a discutir não é a de um hipotético aumento da função pública. Há, seguramente, nomeações discutíveis feitas pelo PS, como houve feitas pelo PSD e pelo CDS, mas a questão não é essa.
O que está em cima da mesa é um ataque à função pública, à Administração Pública, aos seus trabalhadores para justificar despedimentos e com isso justificar a redução da despesa pública. O problema é a ameaça que está em cima da mesa aos direitos dos cidadãos e às funções sociais do Estado e, ao contrário da direita, o que nos preocupa são os direitos dos cidadãos que estão ao serviço da Administração Pública, precisamente para melhor defender os direitos dos demais.
Portanto, o problema é o aumento da precariedade na Administração Pública, o problema é a transformação de serviços públicos em negócios privados com ameaça de despedimentos de trabalhadores da Administração Pública, o problema é a desmotivação dos funcionários, que o Governo está a provocar com esta guerra demagógica dirigida contra os trabalhadores da Administração Pública.
Sr. Presidente e Srs. Deputados — e com isto concluo —, nas últimas décadas, vários governos, não apenas este, têm apresentado, com grandiloquência, a grande reforma da Administração Pública, aliás, o governo anterior fê-lo, e nós temos assistido a que todas estas supostas reformas, que assentam no ataque descarado e demagógico aos trabalhadores da Administração Pública e que pretendem ser feitas contra esses trabalhadores, têm dado resultados infrutíferos e todas elas têm falhado. E pelo caminho a que esta dita reforma vai não lhe auguramos um diferente futuro!