Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Audição sobre Programa Eleitoral do PCP

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Quero antes de mais agradecer a vossa presença nesta audição, que abre uma nova fase de processo de consulta alargado sobre o Programa Eleitoral do PCP, tendo em vista as eleições legislativas deste ano, e agradecer os vossos contributos.

Contributos que se juntam a um já vasto acervo de importantes reflexões que resultaram da primeira fase da acção nacional que o PCP realizou com o lema «A força do povo, por um Portugal com futuro, uma política patriótica e de esquerda» realizada com vista a identificar os eixos, os objectivos e as prioridades nucleares de uma política alternativa, e que agora se retoma articulada com a elaboração do Programa Eleitoral e das suas propostas.

Naturalmente que não estamos a partir para a elaboração do nosso Programa Eleitoral, como se estivéssemos a partir do zero. Estamos ancorados numa avaliação aprofundada e consolidada da realidade portuguesa, das causas que conduziram à actual crise, uma vasta intervenção na realidade do País e um vastíssimo e muito reflectido património de propostas que temos apresentado e temos vindo a propor aos portugueses.

Propostas que consubstanciam uma verdadeira política alternativa – uma política patriótica e de esquerda - e que são a nossa própria perspectiva de solução dos problemas do País – a resposta necessária e inadiável para inverter o curso de declínio nacional a que temos vindo a assistir.

Propostas que terão de ser ainda enriquecidas com novos desenvolvimentos, como o têm vindo a ser, e desejamos continuem a ser, nesta derradeira fase conclusiva do Programa Eleitoral com o contributo o mais alargado possível não só de todo o nosso Partido, mas de outros democratas e patriotas em ruptura com a política de direita e, igualmente, de organizações económicas, sociais e culturais, porque essa é a garantia do seu acerto na resposta aos problemas que a sociedade portuguesa enfrenta.

Problemas que, infelizmente, se apresentam cada vez mais agravados e de complexa solução e que serão tanto mais difíceis de resolver quanto mais se prolongar no tempo a acção deste governo e a política de direita que dura vai para quatro décadas, e que, claramente, afundou o País.

Esse agravamento está bem patente na preocupante degradação da situação social no País em resultado das políticas de deliberado empobrecimento das classes e camadas não monopolistas, nomeadamente com as agressivas políticas de rebaixamento dos rendimentos do trabalho, de uma política fiscal crescentemente desequilibrada em desfavor das classes e camadas populares, da manutenção há vários anos de altos níveis de desemprego e da liquidação sistemática dos apoios sociais que conduziram a situações de extrema pobreza e ao crescimento desmedido do número dos portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza.

Vê-se no surgimento inesperado de situações de funcionamento caótico em serviços essenciais às populações, como na saúde, com a crise nos serviços de urgência; na educação com a prolongada crise de abertura do ano lectivo; no funcionamento das próprias instituições democráticas, como é o caso da justiça, na manifestação de casos de corrupção ao mais alto nível do aparelho de Estado. Situações que neste último ano se manifestaram de forma muito preocupante na sociedade portuguesa.

No arrastamento de uma situação de regressão e marasmo económico que dura há quase década e meia e que fez estacionar o PIB actual a níveis de 2001, no acumular de défices de investimento público e privado, a uma situação que não assegura sequer a reposição do stock de capital, logo a renovação/modernização de equipamentos/infraestruturas a que se juntam a alienação do património do Estado, com a entrega ao grande capital e ao capital estrangeiro de sectores de importância estratégica para o País e a sangria permanente de recursos humanos jovens, em grande parte altamente qualificados que põe em causa, não só a simples reposição do potencial demográfico, mas também a renovação e alargamento da “infraestrutura” humana, técnica e científica.

Uma evolução desastrosa que põe em causa não só o presente e o futuro da produção nacional, mas a própria sobrevivência a médio e longo prazo do País a que se junta uma dívida insustentável, e em contínuo crescimento, e um sufocante serviço da dívida!

É inquestionável que hoje a degradação atingiu todas as esferas da nossa vida colectiva e que o País precisa de uma verdadeira e profunda mudança em ruptura com o rumo até hoje seguido.

Mudança que não se compadece com um número de propostas bem intencionadas e passar ao lado do que é estruturante.

Desde logo, como aqui foi salientado, precisa de se libertar de um conjunto de graves constrangimentos que estão a bloquear e a paralisar o desenvolvimento do País a que um Programa Eleitoral visando a concretização de uma política patriótica e de esquerda inevitavelmente terá que responder.

Um grave constrangimento aqui evidenciado, e a que o Programa Eleitoral precisa de dar resposta é, sem dúvida, o da dívida e do serviço da dívida que mobilizam recursos numa dimensão colossal e insuportável que, por um lado, reduz drasticamente as condições materiais de realização de um Programa de relançamento económico com ritmos de crescimento que permitam a drástica redução dos níveis de desemprego no País e, por outro, que permita travar o processo de empobrecimento das populações e repor as condições de vida degradadas pelos programas impropriamente denominados de austeridade, já que são mais do que isso.

Esta é uma das componentes essenciais da libertação de recursos financeiros para garantir o financiamento de um programa de recuperação do País, juntamente com outras medidas, quer do lado das receitas, onde assume um papel crucial o crescimento económico e outra política fiscal, mas também do lado das despesas, onde uma nova política de desenvolvimento do País implica o combate ao desperdício nas despesas do Estado, o combate à corrupção e a travagem da saída de rendimentos para o exterior (lucros, dividendos, etc.). Um exemplo gritante: em 10 anos a EDP ganhou em rendas 10 mil milhões de euros, quase todas a ir para o estrangeiro!

De facto, Portugal precisa com urgência de soluções para resolver e superar os níveis brutais da dívida pública e da dívida externa.

Na actual situação do País, o processo de renegociação da dívida pública de acordo com os interesses nacionais e impedindo a penalização dos pequenos aforradores e do sector público, tornou-se uma decisão inevitável.

Temos avançado muito em linhas de trabalho concretas visando a concretização desse objectivo. Uma renegociação envolvendo prazos, juros e montantes.

Vamos certamente dar o tratamento que se impõe a esta questão, quer na frente interna, quer na frente externa, onde temos vindo a propor a realização de uma conferência intergovernamental para tratar das questões da dívida e dos constrangimentos impostos pelo Tratado Orçamental ao desenvolvimento de países como Portugal.

Mas, o problema da dívida exige que se dê resposta aos problemas que estão na sua origem.

O principal dos quais, como aqui foi salientado, é o grande défice de produção e de emprego. Um grave e central problema, sem subestimar os que resultam da crescente financeirização da economia, da adesão ao Euro e a crescente perda de competitividade da nossa economia, em consequência da política do Euro forte, mas também dos problemas resultantes das respostas dadas à crise, designadamente à questão da dívida pública, do défice e do financiamento do País que abriram caminho a uma espiral especulativa. Só produzindo mais é que devemos menos!

No Programa Eleitoral a questão do aumento da produção nacional e do emprego na sua ligação com uma justa distribuição da riqueza criada é, como aqui foi evidenciado, inquestionavelmente, um eixo nuclear de uma política patriótica e de esquerda.

Uma política para o investimento produtivo e a produção nacional que aposte decididamente na agricultura e nas pescas, a par de um programa de reindustrialização do País e que tenha como objectivos centrais: o pleno emprego; o crescimento económico acelerado e sustentado, liberto de imposições externas, na base de um tecido económico de perfil produtivo valorizado, regionalmente equilibrado, a dinamização do mercado interno, a promoção das exportações e a substituição de importações, o apoio às micro, pequenas e médias empresas.

Uma política que, recusando a continuação da privatização e liberalização de serviços e mercados, assegure a preservação pública de alavancas fundamentais da economia, garanta a manutenção de centros de decisão e de soberania económica nacionais.

Uma política que tenha, entre outros vectores estruturantes, o protagonismo do Estado, enquanto definidor e orientador das linhas mestras de uma política de desenvolvimento.

Uma política de desenvolvimento e de defesa e incremento da produção nacional que na sua dinamização e na sua solução tem subjacente a necessidade de dar resposta a outros dois grandes constrangimentos: os que resultam da integração monetária no Euro e da dominação financeira da banca privada.

Constrangimentos também com fortes implicações sociais, muito directamente as que resultam da União Económica e Monetária, nomeadamente no nível de resposta das funções sociais do Estado e naquela que é uma das componentes essenciais de uma política patriótica e de esquerda: a valorização do trabalho e dos trabalhadores que terá no Programa Eleitoral, inevitavelmente, um tratamento desenvolvido, nomeadamente através da garantia de uma justa distribuição do rendimento, assente no aumento dos salários e reformas, e a defesa do trabalho com direitos, no plano individual e colectivo.

No que diz respeito ao Euro, que aqui se debate, o nosso Partido não tem qualquer dúvida sobre a incompatibilidade entre a permanência no Euro forte e na União Económica e Monetária e uma política alternativa capaz de travar o rumo para o desastre que está em curso, e abrir caminho ao crescimento económico e ao emprego.

É uma certeza, e poucos questionam, que Portugal perdeu muito com o Euro e é cada vez mais evidente que ainda pode perder mais. E não se tiram daí as devidas consequências?

Temos afirmado que o País precisa de estudar e preparar- se para a saída do Euro, tendo como preocupação central defender os rendimentos e as poupanças da generalidade da população.

Quando falamos da adopção de condições e medidas que preparem o País estamos exactamente a falar da realização de condições que, com a libertação do Euro, possam assegurar uma verdadeira política alternativa, capaz de garantir o desenvolvimento do País.

Tal como já o temos afirmado é obrigação de um futuro governo que assuma efectivamente a defesa dos interesses nacionais, dos trabalhadores e do nosso povo preparar o País para a saída do Euro, por iniciativa própria ou forçada por outros!

Num processo que pressupõe ser considerado também na articulação com outros países, a braços com os mesmos problemas.

No que diz respeito ao sector bancário privado é hoje muito claro que ele não serviu o País, nem os portugueses. Pelo contrário, foi direccionado apenas para o lucro dos seus accionistas sem olhar a meios, incluindo os mais ilegítimos e corruptos. Altos lucros conseguidos em prejuízo da economia, das pequenas e médias empresas, das famílias, do País. Um problema que permanece, com o crédito em grande parte dirigido não ao financiamento da economia (real), mas para a especulação financeira e imobiliária.

Hoje, perante a crescente concentração do sector e o seu domínio pelo capital estrangeiro, a sua recuperação para o domínio público tornou-se ainda mais imperativa.

Recuperação que se pode realizar não apenas pela via da nacionalização, ou negociação, de forma a assegurar que a banca será colocada ao serviço do País e dos portugueses.

A superação dos principais constrangimentos não será realizada num acto único e súbito, antes será o resultado de um processo coerente e articulado de intervenção, nomeadamente em relação aos três principais constrangimentos (dívida/Euro/Banca), mas que, inevitavelmente, terá que ser conduzido de forma a garantir a recuperação por Portugal de instrumentos essenciais que assegurem a sua soberania económica, orçamental, cambial e monetária.

Nada pode obrigar Portugal a aceitar a posição de Estado subalterno e a assistirmos à morte lenta da sua independência e soberania nacionais e a renunciar ao direito de optar pelas suas próprias estruturas socio-económicas e pelo seu próprio regime político.
O Programa Eleitoral em coerência com o que temos defendido, naturalmente, definirá uma política que assegure e afirme o pleno direito do povo português de decidir do seu próprio destino.

Aqui vieram algumas opiniões sobre a política fiscal. Um programa eleitoral patriótico e de esquerda será necessariamente dirigido ao desagravamento da carga sobre os rendimentos dos trabalhadores e dos pequenos e médios empresários e promoverá uma forte tributação dos rendimentos do grande capital, os lucros e dividendos, a especulação financeira, invertendo a injustiça fiscal actual.

Também aqui se afirmou a necessidade e possibilidade de desenvolver uma politica alternativa que contrapõe à política de fragilização, privatização e encerramento de serviços de públicos, uma política social dirigida para a igualdade, dignidade e bem-estar dos portugueses.

Essas são outras vertentes a que precisamos de dar resposta com uma política de promoção de serviços públicos de qualidade, dotados de condições para assegurar os direitos constitucionais do povo português à saúde, à educação, à segurança social, à cultura e assegurar uma rede de proximidade nos serviços públicos essenciais.

Um Programa Eleitoral dirigido à afirmação de um sector público forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento independente do País.

Transversais a todo o programa estão as medidas de defesa e aprofundamento da democracia e de valorização e funcionamento do regime democrático, com particular destaque para as medidas de combate à corrupção e à dignificação da Justiça.

É tempo de o Estado assumir as suas responsabilidades, investindo a sério na Justiça, com meios e medidas que tornem a justiça menos onerosa, mais célere e mais próxima das populações, com medidas que garantam as condições para uma justiça verdadeiramente independente do poder político e económico.

Medidas que assegurem efectivamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Medidas que ponham cobro à situação de desigualdade existente no acesso aos tribunais e à realização da justiça, designadamente através de um efectivo e melhor apoio judiciário para quem precisa.

Medidas que ataquem a sério a morosidade, acabando com o escândalo do arrastamento dos processos, particularmente na justiça do trabalho.

Propostas na área da defesa na sua missão principal de defender o território na nacional e a soberania nacional que visam efectivar os princípios constitucionais, e que devolvam a dignidade e os direitos dos militares.

Na área da segurança, impõem-se medidas que contribuam para a tranquilidade pública, para mais prevenção, mais policiamento de proximidade, dignificação da função policial e dos profissionais, inseparável dos seus direitos e remunerações.

É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível e necessário realizar outra política, invertendo o caminho que tem sido seguido. Da nossa parte temos propostas e muitas, aqui, hoje, foram apresentadas, evidenciando a existência de uma política alternativa às políticas de direita. Propostas estas que teremos em conta, tal como todos os contributos dos convidados presentes, aos quais mais uma vez renovo os nossos agradecimentos.

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